Santa Anica e São Barão
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Santa Anica e a Igreja de São Barão, são dois antigos locais de cultos situados na freguesia de São Martinho das Amoreiras e têm a particularidade de ambos os santos não fazerem parte do panteão católico.
Encontramos igualmente dispersados, não só no interior alentejano mas de Norte a Sul do país, denominações relacionadas com lugares religiosos cuja função inicial se perdeu e caiu em desuso, mas cuja presença e a falta de reconhecimento pela igreja cristã coloca a questão das suas origens.
De facto se já existe alguma literatura sobre certos lugares relacionados com o rito Moçarabe como São Cucufate em Beja, outros há que nos leva a tecer comparativismos, como a igreja de São Barão e locais como Santa Anica na freguesia de São Martinho das Amoreiras que nos leva a inquerir sobre as suas origens e a sua possível relação com o rito Moçarabe.
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A instabilidade político-social e o clima de guerra civil que marcou os últimos anos da governação visigótica na Península ibérica, levou algumas figuras proeminentes da sociedade goda a procurar apoio militar no outro lado do estreito, junto às forças Árabes e a encoraja-los a invadirem a Península
Em 11 de Abril de 711, o general berbere Tariq ibn Ziyad, atravessou o estreito que separa a África da Europa e invadiu a Península Ibérica a partir do antigo promontório Calpe que passou a denominar-se Jebel Tarique, “Gibraltar: A montanha de Tarique”.
Não terá havido propriamente uma “conquista” árabe, mas sim uma ocupação, conseguida na maior parte das vezes com a entrega voluntária das fortalezas e das povoações.
Assim, na península, para além dos árabes e outras populações do Norte de África nomeadamente os berberes e os mouros, ficaram igualmente a viver no território conquistado as populações que já aqui existiam como os judeus e os hispano-godos ou hispano-romanos, alguns submetidos ao islamismo e designados por Muladis e outros denominados Moçárabes que mantinham a religião cristã e viviam em comunidades separadas com instituições e autoridades próprias e manter uma certa hierarquia eclesiástica, inclusivamente a conservarem os seus bispos em várias dioceses.
Assim pode-se definir os moçárabes, como descendentes cristãos da população romano-goda que residiam na Península Ibérica antes da conquista Árabe e continuaram a professar o cristianismo e a venerar os seus santos, (Santa Maria, S. Vicente, S. Brás, S. Cucufate, S. Sisenando, S. Manços, Santa Iria, S. Paio e S. Mamede entre outros), sob domínio Muçulmano, adoptando alguns aspectos da cultura Árabe nomeadamente a língua e a vestimenta. O termo moçárabe deriva do árabe musta'rib, "arabizado”.
Estes cristãos a viver em terras muçulmanas continuaram a realizar as cerimónias religiosas sem qualquer alteração ou influências externas, ao mesmo tempo que se foi observando no mundo cristão obediente a Roma, algumas alterações na forma como a missa era celebrada pelos sacerdotes que a foi diferenciando do rito primitivo.
Encontra-se no rito moçárabe, acompanhada pelo cantochão moçárabe, orações antiquíssimas e um conjunto de fórmulas e celebrações litúrgicas desaparecidas da liturgia romana, nomeadamente na ordenação do calendário, na forma das cerimónias, na celebração da missa e do seu cânone e na narrativa da instituição eucarística segundo S. Paulo.
O Concílio de Burgos de 1080 determina a substituição do rito hispânico ou moçárabe pelo rito romano, o que não foi seguido pelas populações moçárabes a viverem em território Muçulmano que continuaram a celebrar a missa segundo o rito primitivo.
A toponímia e a antroponímia actual atestam a presença destas populações que continuaram a viver nos reinos cristãos pós-reconquista e se prolongou muito para além da conquista definitiva de Algarve em 1249, ou mesmo depois da expulsão das minorias religiosas de Portugal em 1496.