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Out 18

CENTENÁRIO

“O famigerado heroi do Crime Grande da Estação do Rocio”

OU MATAVA OU MORRIA 

Parte 8 (de 12)

 

          José Júlio da Costa terá chegado a Lisboa, acompanhado da esposa e de Caetano Rosa, a nove de Dezembro. Nos dias anteriores ao atentado, a catorze de Dezembro, desenvolve enérgica actividade em vários locais da cidade de Lisboa e arredores, procurando e encetando conversas com conhecidos, comprometidos, ou não, com o que se propunha fazer, incluindo marinheiros e outros militares, mas essencialmente junto dos seus antigos colegas carbonários que por esta altura,  constituíam uma boa parte da guarda pretoriana dos democráticos de Afonso Costa, os chamados Formigas Brancas e que agora viam com apreensão a sua actividade politica na sua terra natal, nomeadamente junto dos círculos sidonistas e junto do administrador da Câmara Municipal de Ourique[1] e igualmente das suas acções junto das forças policiais, durante as perseguições aos trabalhadores agrícolas do Vale de Santiago, pela ocupação de terras, no seguimento da Greve Geral de 18 de Novembro de 1918.[2]

          De facto José Júlio da Costa muito dificilmente conseguiria apaziguar os seus antigos camaradas senão com uma acção dramática que o expurgava de todas as dúvidas o seu cometimento à revolução. Se por um lado na capital, alinhava ao lado dos democráticos de Afonso Costa, pugnando por uma via revolucionária, “Afonso Costa no Governo da República marcou o seu lugar junto dos maiores estadistas estrangeiros e para mim foi ele igual a Sebastião José de Carvalho e Melo, este expulsando os Jesuítas e aquele decepando a Igreja. Os monarquicos não podiam ouvir o nome desse homem, que foi e ainda é o maior de todos os republicanos”.[3] 3 Por outro lado, na sua terra natal, não só fazia parte da elite local ao lado dos ricos proprietários, como encetou uma tenaz perseguição aos trabalhadores revoltados do Vale de Santiago ao lado das forças sidonistas.

          Segundo a carta escrita, por José júlio da Costa, reproduzida por Rocha Martins[4] este relata os sítios onde esteve e com quem falou no próprio dia e antes de cometer o atentado, quando descreve que, “Cheguei assim à toa em frente do quartel de marinheiros”, ou de que se lembrou em, “fazer nesse quartel a revelação da morte do Presidente”, e que ali encontrou um marinheiro e lhe perguntou, “se já lá estava a Marinha”, que lhe revelou o plano e, “fiz que ele chamasse um soldado das colónias para o aliciar”, de que este, “teve também gostosamente notícia da morte do Presidente”, descreve igualmente que convidou o marinheiro a ir com ele afim de, “prevenir no Arsenal alguns fixes”, onde o, “marinheiro perguntou pelo sargento Almeida”, que não se encontrava e com o qual José Júlio da Costa queria falar para ver o grau moral da Marinha, pedindo então que lhe trouxessem, “um marinheiro bom republicano” os quais foram jantar no restaurante Silva do Chiado, onde, durante o jantar, foi dando instruções de combate e, “que fossem logo desmontando algumas peças que não fizessem falta a bordo dos navios”, e que igualmente, “os barcos se pusessem abrigados ou fora do alcance da artilharia da terra”, instruiu também, “Que tomassem o Parque Eduardo VII com as peças de grosso calibre e metralhadoras”.

          Ora, muito dificilmente José Júlio da Costa passa a ideia da ocasionalidade desses encontros, ou da falta de concertação, entre alguns sectores da vida politica nacional que planeavam a eliminação física de Sidónio Pais.

          De facto não seria agora um simples marujo encontrado ocasionalmente à porta do quartel dos marinheiros que iria desmontar as peças de guerra a bordo dos navios ou que pusesse os barcos abrigados e fora do alcance da artilharia e muito menos que tomasse o Parque Eduardo VII, (a Rotunda das revoluções), com peças de grosso calibre e metralhadoras.

          Ou havia de facto um planeamento insurrecional que o seu gesto despoletaria, ou de facto José Júlio da Costa foi ludibriado da iminência duma revolução e por quem interessava a morte de Sidónio. Estaria certamente convencido disso e as pessoas que procurou, mais do que meros acasos, seriam de facto, ou seus conhecidos, ou figuras lançadas para o confundir, (com ou sem conhecimento dos próprios), por quem nos bastidores urdia o drama e fariam parte dessa tramoia que o afastou da realidade e o levou a cometer o atentado.

 

[1] O Administrador da Câmara Municipal de Ourique, era, por esta altura, Ricardo Ayres D´Oliveira que em secção do executivo camarário propõe em 22 de Dezembro de 1918, que seja dado à Praça D. Dinis, na parte nobre da vila, o nome de Praça Sidónio Pais. Contudo em acta do mesmo executivo, datada de 5 de Fevereiro de 1919, Ricardo Ayres D´Oliveira é exonerado do cargo de administrador do concelho por decreto do Governador Civil de Beja, nessa mesma reunião é igualmente proposto ser dado à Praça D. Dinis o nome de Praça da República, em clara oposição ás aspirações de Ricardo Ayres D´Oliveira. Assistia-se assim à limpeza dos cargos públicos dos últimos sidonistas. Ricardo Aires de Oliveira, seria novamente, em 1937, Presidente da Comissão Administrativa do Concelho de Ourique empossado em plena ditadura do Estado Novo. Esta passagem de elementos Sidonistas para a ditadura Salazarista, como se observou, não se limitava somente à capital ou ao governo, observava-se igualmente nestes concelhos do interior do país.

[2] “José Júlio da Costa pertencia ao partido democrático, portanto adversário do Sidónio; mas na questão da greve agiu como lavrador, como defensor do capitalismo, sem noção dos interesses partidários e sem consulta aos superiores hierárquicos do partido. O certo é que, depois desta saída à frente da força da G.N.R. não mais voltou a Garvão. A greve teve início em 18 de Novembro; esta acção da guarda republicana sobre os rurais do Vale de Santiago, já foi depois do dia 20. Diz-se (dizia-se) que José Júlio seguira para Beja, capital do distrito e ali os chefes distritais do partido tê-lo-iam posto ao facto da situação, possivelmente admoestando-o do trabalho prestado ao ditador Sidónio Pais, pelo que tomou o rumo de Lisboa e em 5 de Dezembro cometeu o atentado. Há quem diga que essa acção foi ordenada pela maçonaria, mas eu, mais não sei do que estou a contar.” In: Sequeira. Lisboa. 1978. P. 24

[3] Rocha Martins, 2008, p. 389.

[4] Rocha Martins, 2008, p. 388 e seguintes

 

In: José Pereira Malveiro, José Júlio da Costa - O Famigerado Herói do Crime Grande da Estação do Rocio, Garvão, 2018

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publicado por José Pereira Malveiro às 19:37

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