Entrada do Cemitério Velho cujas cantarias se julga pertencerem à primitiva igreja matriz, existente no local e porta da Igreja do Espírito Santo de Montoito com cantarias similares.
Existe uma tradição cultural desde a pré-história que se perpetua no tempo, referente aos locais onde são levantados os monumentos sagrados, com exemplos em várias localidades. Esta tradição tem mantido os locais de culto, independentemente da religião cultuada, no mesmo lugar ou próximo deste. Temos assim assistido à sobreposição de vários credos religiosos no mesmo edifício.
Abundam os exemplos da cristianização de lugares sagrados pré-cristãos, nomeadamente a Srª da Cola na freguesia de Ourique onde se veo a edificar a igreja actual, e o Santuário de Endovélico, onde foi fundada a capela de S. Miguel da Mota, entre outros. O padrão seguido foi muito idêntico em várias localidades, primeiro encontramos um assentamento do tipo castrejo, depois seguiu-se uma assimilação romana, seguida pelos Visigodos e com a ocupação Árabe, do século VIII até ao século XIII, em Portugal, foram islâmicas,. A um lugar sagrado pré-cristão, sucedia uma igreja, a esta igreja, com a ocupação muçulmana, sucedeu uma mesquita e novamente uma igreja com a reconquista cristã.
Em Santarém, a mesquita da alcáçova parece ter sido substituída pela Igreja de Santa Maria, e é possível que na medina a Igreja de Santa Maria de Marvila estivesse em lugar da mesquita principal; em Lisboa, existe indicação da mesquita ter estado no sítio onde mais tarde foi construída a Igreja de Santa Maria Maior, a Sé; em Elvas, na alcáçova, sucede à mesquita da alcáçova a Igreja de Santa Maria da Alcáçova e à mesquita da medina a Igreja de Santa Maria dos Açougues; em Alcácer do Sal, a Igreja de Santa Maria, no espaço da medina, terá sido edificada sobre a mesquita maior; em Mértola, a Igreja Matriz ou Igreja de Santa Maria é resultante da mesquita; em Lagos, no sítio da mesquita construiu-se a Igreja de Santa Maria da Graça ou Santa Maria Mayor arruinada com o terramoto de 1755; em Tavira, sabemos que a mesquita maior foi antecessora da Igreja de Santa Maria do Castelo; e em Faro, a mesquita maior dá lugar à Igreja de Santa Maria de Faro.(1)
No que concerne à vila de Garvão e mais propriamente ao lugar onde ficava situada e ainda se observam as ruínas da primitiva Igreja Matriz, junto ao Cemitério Velho, no cimo da Ladeira do Padre, este local, pelo tipo de vestígios encontrados, apresenta indícios de cultuação de um período anterior à cristianização.
Não só a localização do Deposto Votivo da 2ª idade do ferro, indicador de um templo pré-cristão, fica relativamente perto, como inclusivamente há indícios que o próprio templo fique neste local, tendo em consideração o surgimento, em quintal particular, de uma estrutura cujos paralelismos com templos no oriente Mediterrânico é indiciador da sua funcionalidade cultual.
Sobre o estado de abandono desta igreja, dois eventos, embora separados temporalmente, contribuíram para a sua degradação. Primeiro foi a rivalidade entre a Irmandade do Espírito Santo de Garvão e a Santa Casa da Misericórdia de Garvão, ou melhor a usurpação dos bens da Irmandade pela Misericórdia e uma vez desprovida de rendimentos, a impossibilidade da Irmandade prover para as obras na referida igreja.
No fólio trinta verso do Livro da Misericórdia e do Espírito Santo,(2) com a data de Dezembro de 1763, desenvolve mais um episódio, entre outros, da disputa entre a Irmandade do Espírito Santo, detentora de várias propriedades e a Santa Casa da Misericórdia, ambas desta vila, que, animada de proteção régia, tentava assenhorar-se dos bens da Irmandade.
(…) aprezentando lhe o Mordomo do ditto Hospital os livros da Reseita e despeza que na ditta Caza haviaõ lhos naõ quizera restituir entregando as ao Prior para governar a referida confraria fazendo suspender as obras que a Irmandade da ditta Caza trazia em reparos da Igreja (…)
Terá sido a partir desta data que a Irmandade do Espírito Santo, desprovida de propriedades e receitas deixou de poder fazer os devidos reparos na Igreja, assim como o terramoto de 1755 que tanto danificou a primitiva Igreja Matriz, junto ao cemitério velho, como a própria Igreja do Espírito Santo, para onde a Igreja Matriz se deslocou posteriormente.
O segundo acontecimento que ditou o fim desta igreja, aconteceu no século XIX, durante a revolução liberal, nomeadamente a lei que proibia o enterramento dos defuntos no adro da igreja e a obrigatoriedade de enterramentos nos novos Cemitérios Municipais, e como consequência da falta de reparos nesta Igreja desde 1763, esta devia de se apresentar por esta altura bastante degradada e optou-se pelo derrube do que restava da igreja e fazer o Cemitério neste lugar, só se aproveitando algumas paredes e possivelmente as cantarias da porta no muro que circunda o referido Cemitério, conforme se observa ainda hoje.
1 - Mafalda Sampayo. O modelo urbanístico de tradição muçulmana nas cidades portuguesas, séc. VIII-XIII. Tese de Mestrado em Desenho Urbano, ISCTE-IUL, Lisboa. 2002. P. 334.
2- Este livro, da Irmandade do Sagrado Espírito Santo e da Santa Casa da Misericórdia de Garvão, com a data mais antiga de 1609, Foi entregue pelo Sr Augusto Loução Martins à Junta de Freguesia em 1974.