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Ago 18

            As instalações do Hospital da Irmandade do Sagrado Espírito Santo de Garvão ainda, nos princípios dos anos setenta do século passado, se observavam na Rua da Misericórdia, até que a vaga reformista de obras camarárias, dos finais dos anos setenta e princípios de oitenta, deitou por terra o que restava destas instalações. 

            A Irmandade do Sagrado Espírito Santo, animada pelo espírito de solidariedade e religiosidade da época, que caracterizavam e estavam na génese da constituição destas Confrarias, criou na vila de Garvão o Hospital do Sagrado Espírito Santo, para tratamento e aconchego dos doentes e peregrinos. Hospital esse que passou posteriormente, em 1734, para a posse da Santa Casa da Misericórdia de Garvão, como se pode observar na folha 11 verso e 12 do livro “da Misericórdia e do Sagrado Espírito Santo”.

 

“Auto de Pose

(…) e ali eu Escrivão com o Provedor da Santa

Caza da Mizericórdia (…) e o Escrivão da mesma (…)

fomos a Igreja do Espirito Santo (…) e meti de pose da ade-

menistrasão da dita Igreja, e de tudo o mais

a ela pertençente, como tambem das ca-

zas que servem de Hospital (…)”

 

            A constituição deste Hospital, tomando como exemplo outros Hospitais do reino, teria seguido os mesmos padrões de edificação comum às outras Irmandades do género. O espírito de pertença a um grupo específico que actuava em caso de necessidade de um dos seus membros, deveria ter sido a força impulsionadora para que um grupo de “homes boons do Concelho que estavam presentes, cedessem logo algum do seu” [1] para a constituição destas casas de solidariedade.

           Embora o Hospital recebesse, da população, pequenas ofertas de produtos agrícolas, viveres, farinhas, pão e legumes, dentro das suas parcas possibilidades, era nos rendimentos provenientes das rendas das propriedades, olivais, vinhas, pastagens e terras de semeadura que consistia a principal fonte de receita das Irmandades e Hospitais do Sagrado Espírito Santo.

            Eram bens fundiários deixados em legado pela população, alguns ainda em vida, outros à beira da morte, leigos ou crentes, cujos rendimentos revertiam a favor de missas pela sua alma e salvação eterna. A salvação da alma, dos doadores, encontrava nesta humilde servilidade, na devoção religiosa e na doação a estas obras pias, um caminho para a sua própria salvação eterna e o acesso ao paraíso, era em seu benefício próprio, que se doavam bens para a fundação de hospitais e outras obras de cariz religioso e caritativo, criava-se, assim, uma necessidade, entre os vivos, na continuação destas obras pias para além da morte.

           A Irmandade encontrava nas receitas da venda da salvação eterna os meios necessários para o bem terreno dos pacientes. A própria arquitectura destas instituições confundem-se com a casa de Deus, um espaço, onde mais do que salvar os corpos, havia que procurar a salvação das almas.

           Seriam, inicialmente, instalações humildes, por vezes nas casas dos próprios irmãos, compondo-se de poucas camas ou de reduzidos cómodos de recolhimento dos necessitados. Posteriormente teriam dormitório com os seus repartimentos e camas para os enfermos e instalações para os enfermeiros, teriam igualmente celeiro para o recolhimento dos frutos, que recebe das rendas e cavalariça para as cavalgaduras dos peregrinos ou viajantes. Por vezes, em certas terras, inicialmente, ou eram denominados por Albergarias ou estas evoluíram para Hospitais ou mantiveram a denominação Hospital-Albergaria do Espírito Santo como se observou na cidade do Porto, a que, por vezes os nobres, nas suas andanças, disputavam com os peregrinos e vagabundos a utilização dessas instalações[2].

           Os oficiais envolvidos na administração do hospital, para além do Mordomo do hospital e o escrivão, incluía igualmente os Sangradores e os barbeiros, o físico e cirurgião, o boticário, o enfermeiro e um capelão.

           Eram remunerados segundo as suas atribuições que geralmente consistia num moio de trigo[3] para os cargos mais importantes e valores em dinheiro, (dez ou quinze mil reis em certos Hospitais), ou em géneros para os outros cargos que poderiam incluir, porcos, borregos e cabritos, galinhas e perus, favas, trigo e outros cereais e legumes, dependendo das receitas que entravam no Hospital. O boticário recebia igualmente pagamento pelas mezinhas que fazia.

           Os irmãos relacionados com a gestão do Hospital do Espírito Santo estavam isentos de certas obrigações ou usufruíam de certas regalias, muitas vezes com os mesmos privilégios, liberdades e poderes dos Almoxarifes Reais[4]. Tinham igualmente autorização para os seus Mamposteiros, (Pedidores autorizados, ao serviço das Confrarias). irem para outras terras pedir bens em géneros ou dinheiros.

            Como se observou, estas instituições hospitalares, de princípios tão rudimentares e de simples apoio à população, evolui, ao longo dos tempos, com o apoio régio, para estabelecimentos mais precisos até que chegados ao século XVIII, se assistia, com o fim das misericórdias, ao fim destes hospitais nas províncias.

            Em Garvão, como se afirmou, ainda nos anos sessenta e setenta do século passado, as casas do hospital da Irmandade do Sagrado Espírito Santo encontravam-se de pé, edifício térreo, de paredes de taipa e pedra, postas de cutelo à maneira Árabe, de um só piso, de telha vã e chão de ladrilhos de barro cosido toscamente, embora uma parte em ruínas ainda era possível vislumbrar restos das cadeiras, mesas, arcas e outro mobiliário que se encontravam nas casas do dito hospital, inclusivamente, também, restos de tecidos, rasgados, rotos, sujos, mas, onde ainda se notava resquícios dos bordados dourados que em tempos devem ter adornado as vestes dos capelães e outros oficiais do culto nas suas obrigações e cuidados litúrgicos.

            O Hospital, apesar do inegável valor histórico, por muito arruinado que estivesse, o local foi posteriormente, aos anos setenta do século XX, completamente terraplanado e limpo, ficando o espaço em aberto delimitado pelos modernos lancis de cimento. Situado no primitivo aglomerado urbano da vila de Garvão, na actual rua da Misericórdia, junto à Igreja Matriz, a tradição popular, pelo menos os mais velhos, ainda se referem ao local como “onde estava o Hospital”.

 

[1] Maria Marta lobo de Araújo, Om. Cit.

[2] Torre do Tombo, Chanchelaria de D. João I, liv. 3, fl. 36 v. Extremadura, liv. 12, fl.31.

[3] Medida de capacidade do antigo sistema equivalente a 60 alqueires ou 828 litros

[4] Torre do Tombo, Odiana, liv.4, fls 187-187 v. Os Almoxarifes Reais surgem no reinado de D.Sancho II e referem-se ao funcionário régio que superintendia os assuntos da coroa numa certa província e as repartições fiscais regionais, encarregados de centralizar a arrecadação dos tributos e rendas da Coroa.

publicado por José Pereira Malveiro às 20:41

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