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Igrejinha de São Pedro, Fonte Santa e Horta da Saúde na Estrada Real do Algarve

 

            A nomeação de certos lugares, cuja designação aos olhos de hoje, nos parece estranha e de difícil interpretação, leva-nos a tecer várias considerações sobre as suas origens.

           O conjunto que se encontra junto á antiga Estrada Real, na vila de Garvão: as ruínas da Igrejinha de São Pedro; a Fonte Santa e a Horta da Saúde são um mero exemplo desses lugares, no qual a coincidência de nomes, deixa antever alguma forma de religiosidade pré-cristã deste lugar, associado ao poder curativo da água e ao tratamento de maleitas que afligiam as populações.

           Ainda nos anos sessenta do século passado, quando se semeava ou plantava vegetais nesta horta - assim como noutras hortas que circundavam a vila - era costume encontrar pequenas tiras de pano atadas geralmente ao tronco das árvores de fruto, tendo-se hoje a noção de que serviam para assustar as aves que eventualmente poderiam danificar a fruta das árvores ou os vegetais semeados, contudo tal prática continua a ser praticada em países de tradições celtas, associadas a poderes mágicos e curativos de certas doenças, cujas populações banhavam na fonte sagrada as tiras de pano e eram posteriormente atadas nas pernadas das árvores como se observa ainda hoje em certos lugares, nomeadamente na Grã-Bretanha, denominados “Clootie well”.

              Seriam lugares de peregrinação que se acreditava possuírem atributos medicinais e curativos de certas doenças. Têm-se observado uma continuidade na adoração destes lugares, venerados de uma forma continuada pelas populações, tanto passadas como presentes que acreditam nas propriedades terapêuticas dessas águas.

              Antes do cristianismo a religiosidade dos povos mostrava-se de diversas maneiras, nomeadamente num maior contacto com a natureza, adorando certos lugares considerados sagrados, sejam elas certas formações rochosas, elevações, árvores, rios, pegos ou fontes entre outros, onde acreditavam nos poderes sobrenaturais desses lugares.

            Assim o facto daquela fonte ser apelidada de Fonte Santa, demonstra que em tempos remotos houve populações que acreditavam nalgum poder terapêutico daquela água, esta fonte estaria assim relacionada com alguma forma de adoração pela população e este local considerado sagrado, o que veio a justificar a construção de um templo cristão neste lugar, ao que vinha a acontecer noutros lugares em que a nova religião cristã convertia os locais antigos de culto pagão em tempos cristãos como o caso, neste caso, da Igrejinha ou Ermida de São Pedro.

            A nomeação daquele lugar, onde se situa a fonte em “Horta da Saúde”, também indicia e fortalece o que se mencionou no paragrafo anterior, assim como o conhecimento, entre a população, da descoberta de túmulos “antigos” descobertos na propriedade da Monte da Piedade, sobranceiro à Horta da Saúde.[1]

            A edificação de igrejas cristãs em lugares sagrados pagãos, é uma prática que se observa amiúde no mundo cristão, na Península ibérica existem inúmeros casos de Norte a Sul. 

 

No mundo ocidental, e com a romanização, assistir-se-á não raras vezes à assimilação ou identificação desses antigos cultos a divindades romanas, num processo de interpretatio que os gregos já haviam aplicado e que os cristãos irão prosseguir e ampliar, reocupando e reconvertendo os velhos santuários pagãos, ou adaptando antiquíssimos ritos, para os atribuir à nova fé.[2]

 

              Caso curioso, como exemplo, é o da Fonte Santa da Amieira no Concelho e Freguesia de Ponte de Sôr, a qual ficou debaixo do altar da capela cristã dedicada á N. S. da Piedade.

 

Este local desde tempos pré-históricos manteve um culto às aguas pela existência de uma fonte sagrada e venerada desde os celtas até hoje.

Curioso e talvez pouco vulgar foi a implantação de uma capela cristã dedicada á N. S. da Piedade, não como é costume em local separado perto da Fonte, mas a própria Fonte ficou dentro da capela e ainda mais interessante ficou por debaixo do altar, talvez exemplo único em Portugal.

A água entra na capela por debaixo do altar, como para dizer ' Aqui está a Água do Senhor, bebei e purificai-vos' e cai para um escoamento que a leva para uma bica no exterior.[3]

 

           São Pedro está associado á fidelidade á igreja cristão, sendo considerado o seu primeiro papa. Assim um lugar de culto pagão usurpado pelo cristianismo em ascensão precisava de ser fortemente relacionado com o cristianismo e nada melhor que com o seu primeiro papa.

          As igrejas de invocação a São Pedro são conhecidas pelo menos desde D. Afonso Henriques pois há notícia deste ter doado uma igreja com esta denominação.

 

1134: S. Pedro da Cova, c. de Gondomar. D. Afonso Henriques doa a ermida de S. Pedro da Cova aos seus monges, com o beneplácito do bispo do Porto. Documento perdido, mas sumariado por D. Rodrigo da Cunha (DR I p. 522, ref. 39). Existe uma carta de couto falsa, datada de 1130 e fabricada provavelmente em meados do século XIII (DR I 109).[4]

 

 

[1] Pedro Miguel Correia da Silva. As Necrópoles da I Idade do Ferro do Baixo Alentejo – Contributo para o seu melhor conhecimento. Dissertação de Mestrado em Arqueologia. Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciência Sociais e Humanas. Novembro, 2015. P. 131.

[2] PATO, Heitor Baptista. O Culto dos Promontórios em Portugal. Celtibebia.net, 2007.

[3] A Caminho de Casa: Lugares Sagrados de Portugal- Fonte Santa da Amieira (acaminhodacasa.blogspot.com)

[4] José Mattoso. Eremitas Portugueses No Século XII. Lusitânia Sacra, Centro de Estudos Históricos, Lisboa, 1971. P.12.

publicado por José Pereira às 21:14

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