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Revolta e Contestação

         Iniciado o processo de “arredondamento dos concelhos”, em 1834, no seguimento das reformas liberais que conduzirá à extinção de mais de metade dos velhos concelhos medievais portugueses, incluindo o de Garvão, irá ocasionar momentos de grande convulsão política e grandes tensões a nível local que este tipo de modificações irá sempre provocar.
            Este tipo de “revolta” popular, não só pela extinção do seu próprio concelho, mas igualmente por se recusarem a integrar outros concelhos tradicionalmente rivais, gerou em vários lugares do reino, verdadeiras revoltas contra estas medidas.
          Garvão não foi exceção à regra e se a documentação é escassa e a memória popular já há muito que se esqueceu de alguns desacatos ou protestos ocasionados pela extinção do concelho, surge-nos, contudo, um documento do reinado de D. Maria II, no qual o Procurador Geral da Coroa concede ao Administrador Geral interino de Beja, poderes para obrigar os vereadores do concelho de Garvão, extinto em 1836, a entregar os respetivos livros de atas e contas, (o cartório) e os restantes instrumentos inerentes à administração do concelho (alfayas), sejam eles, mobiliário, carimbos ou sistemas de aferição de pesos e medidas.
           De facto, pelo que se pode aferir deste documento, o protesto dos vereadores de Garvão estendia-se à recusa em concluir o inventário e em entregar o Cartorio e as AIfayas da Casa da Camara, ameaçando-os com o recurso ao Poder judicial de forma a apagar a antiga divisão dos Concelhos.

 

Sua Magestade a Rainha, Conformando-se com o parecer interposto pelo Procurador Geral da Corôa sobre a Representação do Administrador Geral interino de Beja, datada de 7 de Junho passado em que expõe as duvidas que tem encontrado a Camara do Concelho de Ourique a que foi anexado o de Garvão, por se recusarem os membros da extincta Camara a concluir o inventario, e entrega do Cartorio e das AIfayas da Casa da Camara, as quaes não apparecem; e bem assim sobre a diferença dos pezos e medidas dos dous Concelhos, e sobre a divida contrahida antes da annexação: Manda, pela Secretaria d'Estado dos Negócios do Reino, declarar ao referido Administrador Geral, para o fazer constar á Camara de Ourique, que deve esta demandar perante o Poder Judicial os ex-Vereadores da Camara de Garvão pelo facto de não entrega do Cartório e das Alfayas; que pelo que respeita aos pezos e medidas; devem permanecer os Padrões como actualmente existem, até que huma Lei regule definitivamente este objecto; e finalmente, que sendo o Concelho de Garvão unido ao de Ourique, com todos os seus direitos, obrigações, vantagens, rendimentos, e encargos devem por isso as antigas dividas passivas do Concelho extincto ser pagas pelo novo, assim como receberia este as dividas activas, se as houvesse; pelo que Sua Magestade recommenda ao sobredito Administractor Geral que empregue lodos os esforços para apagar a antiga divisão dos Concelhos, estabelecendo no Municipío huma única administração.

Palácio das Necessidades, em 1 de Agosto de 1837.
António Dias de Oliveirra
No Diar. do Gov. de 4 de Agosto nº 182. (1)

 

           Devido à excessiva proliferação de concelhos medievais, e se nalguns concelhos portugueses, observava-se um escasso número de habitantes, ou mesmo despovoados, o que acabava por ter efeitos contraditórios, tornando-os ingovernáveis por falta de moradores em número suficiente, para preencher os respetivos cargos autárquicos e judiciais, juízes e demais oficiais para servirem o concelho, tal não parece ser o caso de Garvão, pois segundo o censo do Conde de Linhares de 1801, o concelho de Garvão teria, 976 habitantes nas duas freguesias, Garvão e Santa Luzia, o que o tornava num concelho mediano em termos de habitantes e de área, e muito acima de alguns concelhos que não foram extintos como o caso de Alvito entre outros.
           Esta densidade populacional proporcionava, segundo Maria Fernanda Maurício, rendimentos suficientes para uma efetiva autonomia financeira.

 

Ao lado da sua autonomia administrativa, os concelhos possuíam autonomia financeira, o que significava cobrarem eles próprios as receitas com que custeavam as suas despesas: rendimentos dos bens próprios do concelho, direitos cobrados pela utilização dos bens comuns do concelho, pelo produto das coimas, pela violação das posturas, pelos rendimentos da almotaçaria, pelos rendimentos provenientes da aplicação da justiça, pelas rendas cobradas pela aferição dos pesos e medidas, pelas rendas das portagens e outros. Dentre as despesas, destacamos a «têrça», o jantar ou colheita, dadas ao senhor da terra, o pagamento aos funcionários concelhios, as despesas com a aposentadoria dos funcionários régios. O conjunto das receitas e das despesas constituía o orçamento do concelho.  (2)

 

 

(1) Collecção da legislação Portugueza desde a última compilação das Ordenações, Volume 10, pelo desembargador António Delgado da Silva, Lisboa, 1839, p. 679.
(2) MAURÍCIO, Maria Fernanda. Entre Douro e Tâmega e as Inquirições Afonsinas e Dionisinas, Lisboa, Colibri História, 1997. P. 234, 235. IN: CAETANO, Carlos Manuel Ferreira. As Casas da Câmara dos Concelhos Portugueses e a Monumentalização do Poder Local (Séculos XIV a XVIII). Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2011. dois volumes. Dissertação de Doutoramento. P. 63.

publicado por José Pereira Malveiro às 16:52

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