Na primeira pessoa
Há 50 anos no Largo do Carmo
Jornal Républica de 26 de Abril de 1974.
Assinalado, em circulo branco, o Editor do Jornal de Garvão.
Capacete de Ferro.
Do assalto à sede ou delegação da Legião Portuguesa, no Bairro Alto, em Lisboa, pelo Editor do Jornal de Garvão e outros populares.
A manhã tinha acordado fresquinha. Na rádio ouvia-se o hino nacional e, o programa das forças armadas.
17 aninhos. Paquete (moço de recados), em Lisboa, na empresa Nova Idade que publicava: O Volante e O Musicalíssimo.
Mário Ventura Henriques, (preso em Caxias e solto pelo 25 de Abril), José Vaz Pereira, Bernardo Brito e Cunha (BBC), entre outros, eram os “colegas”.
Também por lá passaram, Zeca Afonso, José Saramago e Lino de Carvalho, (igualmente preso no forte de Caxias e libertado pelo 25 de Abril), no projeto de um novo jornal.
Dias antes, na sede da PIDE, na rua António Maria Cardoso, a entregar ou receber documentos.
Dias depois, numa quinta-feira, a 25 de Abril, na rua da PIDE, as balas zumbiam no ar e assistia ao assassino de cidadãos.
No quartel do Largo do Carmo, um militar manda afastar os populares e ouve-se as rajadas e as paredes metralhadas.
Saiu um carro preto. Sai uma autometralhadora. Rende-se Marcelo Caetano aos militares revoltosos.
Nos dias seguintes era a festa da liberdade, das manifestações espontâneas, o grito amordaçado, durante tantos anos, que se soltava. O país assistiu a uma exaltação popular, como nunca antes tinha vivido, só quem assistiu e viveu estes dias a poderá ter, como o dia mais marcante da sua vida, fora do seu círculo familiar.
Desse dia ficou a lembrança, uma foto no jornal República (do dia 26) e um capacete de ferro do assalto à sede ou a alguma delegação da Legião Portuguesa no Bairro Alto.
Hoje passados tantos anos, admiro a coragem e a maturidade destes jovens oficiais com pouco mais de trinta anos. De um jovem oficial - que agora sei que se chamava Salgueiro Maia - da sua maturidade em lidar com uma situação potencialmente explosiva e delicada.
De um jovem oficial que agredido por um Brigadeiro, afecto ao regime, se manteve incólume e firme na sua dedicação á revolução.
De um comandante de um navio e, de uma frota, que se recusou em abrir fogo sobre os camaradas revoltosos e sobre uma população indefesa, só porque saiu á rua em defesa da liberdade.
De um soldado artilheiro de um carro de combate que preferiu fechar-se dentro do tanque e desobedecer a ordens superiores, do que disparar contra os colegas revoltosos e de um segundo-comandante, afecto ao regime, que compreendeu a situação e impediu uma carnificina.
Situações potencialmente conflituantes que poderiam ter descambado num banho de sangue e pôr em risco uma revolução que hoje se identifica com revolta, esperança, liberdade e o entusiasmo de uma população amordaçada e frágil, como os cravos vermelhos que a simbolizam.