DE UMA INTERVENÇÃO ARQUEOLÓGICA NO CEMITÉRIO MEDIEVAL DE GARVÃO
Desenho da Estela Funerária descoberta na
parede do Cemitério Velho de Garvão
In: MALVEIRO, José Daniel, Estelas Medievais do
Distrito de Beja. Volume I. Janeiro, 2013
Esta intervenção arqueológica teria por objetivos, não só proteger este conjunto do desmoronamento de paredes, do pisoteio do gado e de charruagens cada vez mais fundas, mas igualmente pôr a descoberto as estruturas funerárias que têm aflorado à superfície relacionadas com a necrópole medieval em torno da primitiva Igreja Matriz de Garvão, assim como proceder ao estudo do espólio material e osteológico resultante dos enterramentos ali efectuados, em torno e dentro do templo referido e, após a sua ruína causada pelo terramoto de 1755, quando o espaço foi reaproveitado como cemitério da vila, até princípios de novecentos.
De notar que durante algum tempo se identificou os vestígios, ainda presentes no local, com a Igreja do Sagrado Espírito Santo. Esta conclusão deveu-se ao facto de as outras igrejas situadas em Garvão e mencionadas nas fontes escritas, estarem identificadas. Se as fontes históricas falam em quatro igrejas em Garvão e faltando a do Sagrado Espírito Santo, os vestígios encontrados junto ao cemitério Velho, só poderiam corresponder a esta, reforçado ainda pelo facto de junto ao local se terem encontrado uma pia de água benta, três fechos de abóboda, (que afinal viram-se a identificar com o galilé que protegia o portal manuelino da Igreja Matriz) e estelas funerárias medievais.
Contudo segundo informação do Doutor António Martins Quaresma, os vestígios que se encontram presentemente junto ao Cemitério Velho, corresponderiam à primitiva Igreja Matriz de Garvão e o templo onde se encontra a actual Igreja Matriz, seria a Igreja do Sagrado Espírito Santo. Tal mudança deveu-se ao facto do estado de ruína em que ficou a primitiva Igreja Matriz, no seguimento do terramoto de 1755, segundo informação do referido historiador.
(…) de 1755, que o terramoto desse ano causou graves danos no edifício, ainda mais lastimáveis porque ele havia sido reparado há pouco, com grande desvelo do prior. Em consequência, os fregueses recusavam-se a ouvir missa no seu interior, temendo derrocadas. (ADE, Câmara Eclesiástica de Évora, SC-L, L. 60, cx.18, fl. 50) (…).[1]
(…) Alfim, por volta de 1832, deu-se o abandono definitivo da velha e arruinada matriz de Garvão e a passagem das respectivas funções para a da Misericórdia, que, lembremo-lo, fora por sua vez a antiga ermida do Espírito Santo e ocupava uma posição muito mais central no contexto urbano (…). (AHMO, Correspondência recebida, AC 9/01, Ofício de 4 de Junho de 1857).[2]
Teriam de ser abertas várias sondagens, tanto no interior como no exterior da área murada que resultaram na identificação, registo e recolha igualmente dos materiais aflorados â superfície, nomeadamente as mencionadas estelas funerárias medievais, de madeiras, fragmentos de couro, ilhoses em metal e outros artefactos relacionados com os enterramentos.
Enquanto os materiais recolhidos no exterior do perímetro muralhado são na sua maioria estelas medievais, (século XV, tanto anteriores como posteriores), já no interior deste teremos enterramentos até 1937, altura em que foi inaugurado o Cemitério Novo na Sardoa.
Estes elementos associados às informações documentais permitiram ainda a identificação de estruturas pertencentes à mencionada Igreja. cujo piso, terá sido levantado à medida que se processavam os enterramentos posteriores à ruína daquele edifício de culto; quanto às estruturas é possível identificar várias paredes e respectivos contrafortes, incluindo uma porta entaipada, que foi posteriormente integrada e acrescentada nos muros de delimitação do espaço funerário.
O espólio material recuperado, para além das mencionadas estelas funerárias, inclui vários objectos de adorno pessoal, fragmentos de contas, botões em vidro, metal e madrepérola, alfinetes, anéis e não raramente moedas, sobretudo dinheiros da primeira dinastia e ceitis cunhados entre meados do século XV e o final do reinado de D. Manuel I e outras moedas datadas do século XX encontradas por particulares.
Foram também recuperados elementos construtivos pertencentes à referida Igreja e identificados outros reaproveitados nos muros do cemitério, com especial destaque para uma estela discoide decorada no anverso com a Cruz de Cristo em relevo, com braços de lados curvos e extremidades direitas e no reverso apresenta um hexalfa em relevo, com hexafólio ao centro de círculo, apresentando as marcas de ponteiro e cinzel dentado.[3]
[1] Cortesia de Doutor António Martins Quaresma.
[2] Cortesia de Doutor António Martins Quaresma.
[3] MALVEIRO, José Daniel, Estelas Medievais do Distrito de Beja. Volume I e II. Janeiro, 2013. Dissertação de Mestrado em Arqueologia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa.