Dia 1 de Julho de 2012 fez precisamente 500 anos a outorga do Foral Novo a Garvão.
Comemorou-se assim esta data com uma edição especial do Jornal de Garvão e a Edição, para breve, do Livro “Foral-Novo de Garvão”
EDITORIAL
I
È comum ler-mos nos dicionários tipo coreográficos que apareceram no século XIX, nomeadamente o de Pinho Leal e todos os outros que lhe seguiram na senda, que El-rei D. Manuel reformou o Foral-Velho de Garvão, com a outorga do Foral-Novo, dando-lhe novas e maiores privilégios.
Ora nada disto corresponde à realidade do século XVI, pois nem na letra nem no espírito o que animou D. Manuel na reforma dos Forais-Velhos não foi a continuação do modelo autonómico municipal, mas foi precisamente o contrário: o centralismo politico. O reforço do poder régio fez-se precisamente à custa da autonomia concelhia.
O apoio concelhio onde os primeiros reis se apoiaram para enfrentarem o poder da nobreza, embrionária da própria monarquia, foi sendo paulatinamente, nos séculos seguintes à reconquista cristã e anteriores à reforma Manuelina, depauperada das liberdades consagradas na carta foralenga de 1267.
A emissão dos forais novos foi assim o culminar de um processo iniciado quando se observou a consolidação do estado nacional, quando o espaço das reuniões concelhias se redimensionou nas cortes régias, (quando o povo começou a estar representado), quando à nomeação dos juízes locais se sobrepuseram os juízes de nomeação régia e quando estes novos forais se concentram quase unicamente nos impostos e portagens pela transição de bens.
II
Porquê comemorar esta data tão importante para a história de Garvão?
Porquê relembrar um acontecimento passado à 500 anos?
Qual o beneficio ou a repercussão desse acontecimento na acualidade?
Pois bem, “um povo sem memória é um povo sem futuro”, já alguém o disse.
Numa terra com falta de oportunidades de trabalho para os mais jovens, quando o ritmo de despovoamento populacional é acentuado como se nota na diferença entre os nascimentos e falecimentos, quando a desertificação rural cresce com o abandono de montes e explorações agrícolas, quando há necessidade de estas pequenas freguesias do interior de fraca ou nula expressão populacional, (ou outra por assim dizer), capitalizarem nas potencialidades disponíveis é obvio que a divulgação do seu património e da sua historia poderão contribuir para colmatar essa necessidade.
Mas sejamos realistas, a cultura e a arqueologia não são a solução para todos os problemas da vila, mas poderão, embora modestamente, contribuir para o respectivo desenvolvimento.
É preciso é motivação, dinâmica e essencialmente força de vontade.
INTRODUÇÃO
Torna-se importante nesta data, em que se assinala os quinhentos anos da outorga do Foral-Novo a Garvão, realçar a importância do resgate da memória local através da valorização do seu património. Valorizar igualmente a identidade colectiva da população, e incutir nas gentes locais o sentimento de pertença e a importância histórica de que se revestiu a outorga deste diploma, por El rei D. Manuel I em 1 de Julho de 1512.
A antiguidade deste documento e, a sua predominância na regulamentação da vida quotidiana da comunidade, do então concelho de Garvão, durante séculos, enquanto “lei da terra”, conferem a este documento um estatuto único num contexto
social, económico, político e jurídico completamente diferente da realidade actual.
A outorga dos Forais-Novos às populações, pela reforma dos Forais-Velhos, outorgados maioritariamente no período da reconquista e consolidação nacional, mostravam-se, séculos depois, desactualizados e insere-se num amplo processo de reformas do sistema administrativo e jurídico pelo rei D. Manuel que se destinavam tanto a modernizar o reino, como a uniformizar e a aplicar as leis gerais a todo o território. Visava essencialmente o reforço do poder real e fixar os impostos, encargos e foros a pagar pelos municípios ao rei ou aos senhorios quando era caso disso.
A consolidação da monarquia, da identidade nacional e a própria evolução da sociedade, animada, chegados ao século XVI, de uma nova dinâmica, desactualizara os antigos forais, (a maior parte deles documentos fundacionais dos próprios concelhos), e outros documentos com que se auto-regiam as populações, por não se adaptarem à nova realidade e desajuste das normas legais neles contidas, não só os pesos e as mediadas, a língua e a escrita em que a maior parte deles tinham sido escritos, mas inclusivamente a própria legislação que diferia de lugar para lugar.
CONCLUSÃO
O crescimento do movimento concelhio, do século XI aos inícios do século XIX, confirmado juridicamente pelas cartas de foral, relevou-se numa primeira fase por um relacionamento entre a população, bastante coeso e participativo, predominando o papel das assembleias colectivas: o concilium, onde as decisões locais se sobrepunham à centralização política e administrativa. Para estes tempos áureos do desenvolvimento concelhio, encontramos na sua génese e consagradas na carta de foral, a defesa da liberdade individual, e o reforço do poder local, em oposição à sociedade senhorial e feudal.
Os séculos XIV e XV são os séculos da maturação concelhia, da organização das forças internas e da consolidação das elites locais, da presença dos procuradores dos concelhos nas cortes régias, quando estas se redimensionaram como palco privilegiado de diálogo e representação concelhia.
Mas é também o período de uma maior ofensiva e fragilidade da tradicional autonomia concelhia, quando as forças externas de pressão convergem sobre os municípios, nomeadamente a cobiça senhorial e a intervenção dos reis nos assuntos municipais.
A cada vez maior influência régia nos assuntos concelhios e consequente usurpação das suas prerrogativas, através dos funcionários reais, reduz a própria autonomia concelhia e a importância das magistraturas locais, assim como o papel dos concelhos junto das comunidades, com a progressiva redução da tradicional participação da população nos assuntos e nas assembleias concelhias.
A reforma manuelina dos forais, no século XVI, embutida do espírito reformador de D. Manuel I, mais do que reformar os Forais Antigos com a publicação dos Forais Novos e legislar no sentido de dotar a governação de uma lei geral para todo o reino e outros instrumentos unificadores, retirou, de facto, e contrariamente aos desejos dos concelhos, todo um conjunto de direitos autonómicos concelhios consagrados na antiga carta de Foral, e acaba com sancionamento régio, por reforçar o sistema senhorial de exploração fundiária e dotar os senhorios de um novo documento foralengo, livre de lacunas, rasuras ou mal interpretações, de que amiúde eram acusados.
Com o advento do liberalismo, foram promulgadas várias leis tendentes à supressão dos forais, até serem definitivamente abolidos em Agosto de 1832. O fim destes documentos fundadores da maioria dos concelhos portugueses, obedecia ás exigências de uma nova burguesia liberal, endinheirada, centralizadora, representada no governo e denunciadora da origem social dos respectivos membros que a compunham, e inseria-se numa mais ampla reforma da sociedade, que inevitavelmente, à revelia dos próprios concelhos, e dos apelos de Alexandre Herculano que via a centralização e qualquer modelo uniformizador como sinónimos de tirania, (propondo uma solução apoiada nos concelhos enquanto núcleos descentralizados), acabou por dissolver grande parte dos municípios medievais portugueses.