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TI´FARRAPINHO

O Caso da Foice e do Martelo e… da Prisão.

     

     António Jacinto Maria, mais conhecido por Ti´Farrapinho, alfaiate de profissão, herdado do seu sogro, João da Graça, (descendente dos Borreiros de Villanueva de los Castillejos, Andaluzia, Espanha), morava numa casinha humilde da «Outra Banda», erguida ao lado da igreja da Nossa Senhora da Assunção[1], um larguinho para o qual abre a porta da casa onde viveu, uma rua estreita à esquerda, oliveiras centenárias num quintal e ali vivia o Ti´Farrapinho, entregue ao seu trabalho de alfaiate, tal como o seu sogro, cortando e cosendo a forte saragoça dos fatos encomendados.

     A destreza com a tesoura, fazendas, linhas e agulhas e dedais, não correspondia à sua habilidade de pedreiro, se nas fazendas era mestre, não se dava muito bem no trabalho de obras de alguma porta, janela ou poiais que precisasse de arranjo.

     A falta de jeito, deixava-o de mau feitio, ou por falta de habilidade, ou já quentinho de alguma pinga vinícola, deixava-o de mau humor e a obra no poial que tentava arranjar não saia muito bem, ou porque o cimento ou pedra partiam noutro lugar, ou como, talvez, o martelo pendia para o sítio errado.

     - O que é que falta aí, mestre António, gracejou um passante, perante tão desajeitado trabalho, na esperança de, senão em irritar o atormentado alfaiate, pelo menos de se armar em engraçado.

     Para o destemperado aprendiz de pedreiro era demais; não bastava já as dificuldades na obra e o poial ainda para arranjar, como agora, um a querer galhofa!

     A resposta não se fez esperar, falta a foice e o martelo, e se o martelo não seria a ferramenta apropriada para tal trabalho, uma foice também não seria com certeza e se o outro se estava armado em engraçado, talvez com umas marteladas na cabeça com o martelo, ou com a foice para lhe cortar a língua, se lhe acabasse com a graçola.

     O certo é que tanto repetiu a frase, foice e martelo, tantas vezes que foi denunciado.

     Nesse mesmo dia vieram buscá-lo para interrogações, passou vários dias na prisão a pão e água, a quererem à viva força que respondesse ao que não sabia, ou que denunciasse quem desconhecia.

     Passou mal, relatou depois à família, tirado do seu local de trabalho e da casa familiar, com roupa para talhar e família para sustentar, viu-se submetido a interrogatórios humilhantes à ordem da PIDE, só por ter mencionado uma foice e um martelo.

 

[1] parafraseando Joaquim da Costa em 1940

publicado por José Pereira às 19:12

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