In: CAETANO, Carlos Manuel Ferreira. As Casas da Câmara dos Concelhos Portugueses e a Monumentalização do Poder Local (Séculos XIV a XVIII). Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2011. Dissertação de Doutoramento em História da Arte Moderna.
Casa da Câmara do Concelho de Garvão, extinto em 1836.
Quintal da casa da câmara de Garvão.
Brasão do reino, em esgrafito na fachada da casa da câmara de Garvão; coroa real removida.
As velhas casas da câmara constituíram a tradicional sede do poder local português, que se materializava essencialmente numa rede muito densa de concelhos. Formados no quadro das lutas da Reconquista Cristã e espalhados por todo o território, os concelhos proporcionaram um dos factores mais importantes da unidade e da própria identidade do Reino.
A História ensina-nos que o órgão máximo do muito jovem poder concelhio, ainda em formação, era a assembleia de vizinhos ou homens-bons do concelho. Estas assembleias tinham lugar em sítios informais e improvisados, bem conhecidos de todos e consagrados e legitimados pelo uso e pela tradição. A pouco e pouco, porém, os homens-bons e sobretudo os oficiais ou agentes do concelho começam a reunir-se e a decidir em espaços fechados e cobertos e, a partir de meados do século XIV, em casas sobradadas – as casas ou paços do concelho. Dava-se então início ao amplo e longo processo de monumentalização do poder local, que consistiu na construção sistemática dessas casas – as casas da câmara – em todos os concelhos portugueses, processo que alcança o reinado de D. Manuel I (1495-1521).
Enfim, também subsidiário da componente residencial das velhas casas da câmara é o quintal, que algumas detêm, ao serviço dos aposentados e sobretudo do Carcereiro e sua família. O quintal anexo à casa da câmara – que deve ter sido muito raro – ainda hoje sobrevive em Garvão. Por outro lado, também sabemos que a casa da câmara de Benavente tinha, em 1685, anexo às “duas [cazas] em que mora o carcereiro […] um bocado de quintal”.[1]
Vimos atrás que, segundo o Tombo do Concelho de 1685, a antiga casa da câmara de Benavente detinha um “bocado de quintal” contíguo às duas “casas” “em que mora o carcereiro”. Com efeito, algumas antigas casas da câmara dispunham de quintal: era o caso das de Garvão ou de Vila Nova da Baronia (Alvito).[2]
Face ao sino das igrejas e capelas, o campanário da câmara, essencialmente laico e cívico, sinalizava os edifícios concelhios, fosse qual fosse a sua função. O campanário surgia, assim, no cume da fachada das cadeias concelhias, quando instaladas em edifícios independentes, como em Mirandela, Aguiar da Beira, Vila de Rei, Punhete (hoje Constância, Alandroal ou Aljustrel, tal como no cume de açougues como os de Garvão, de Colos (Odemira) - ou mesmo o tão monumental açougue de Évora, adiante referido.[3]
Também muito raros, encontrámos brasões realizados na velha técnica do esgrafito, como na casa da câmara de Garvão, a que também foi removida a coroa real. Realizados em materiais brandos e de fácil modelação, os brasões em estuque ou em esgrafito parece terem sido sempre rodeados de ornatos de gosto ora mais erudito, ora mais popular e podem ter sido usados em muitas zonas do país e não apenas nas regiões de cal abundante. [4]
No Alentejo, o acesso ao piso nobre das antigas casas da câmara de Vila Nova da Baronia (Alvito) e Garvão proporciona uma variante destas entradas duplas. Com efeito, nos dois casos as portas rasgadas no piso térreo de uma parede adjacente às fachadas dão acesso a escadas descobertas que conduzem aos patamares cimeiros por onde se acede verdadeiramente aos respectivos pisos nobres.[5]
[1] P. 376
[2] P. 827
[3] P. 392
[4] p.407 e 408
[5] P. 565