Moagem na Estação de Garvão
Homenagem ao Industrial de Garvão "António de Brito Ramos"
O desenvolvimento da Indústria em Garvão, embora de moldes locais, não pode deixar de estar directamente relacionado com o desenvolvimento geral da indústria no Alentejo, no qual está inserido e é parte integrante.
A influência da nova era industrial, que surgiram nos séculos XVII e XVIII, também chegaram, embora tardiamente, a Garvão.
Da primitiva produção artesanal, passou-se, nos finais do século XIX, primeira parte do século XX, a uma industrialização sistemática dos produtos Agrícolas, de índole local e regional, que tinham vindo a ser fabricados artesanalmente, e cujo mercado local estava assegurado.
O eventual desaparecimento de algumas indústrias tradicionais, de uso quotidiano da população e na agricultura, que no século XVIII e XIX, tinham tido algum relevo na região, como é o caso das saboarias, curtumes e o sector têxtil, Lã e Linho, que praticamente se afundou, subsistiu contudo o sector da Cerâmica e Olaria, industrias que ganharam um certo impulso, em algumas zonas do Alentejo, na segunda metade de Oitocentos, devido à expansão da olivicultura e da vinicultura.
“MOINHOS E MOAGENS”
Aos Moinhos de vento e água, de que abundam vários vestígios em redor de Garvão, surgiram assim as primeiras moagens, movidas com motor a vapor, o que alterou significativamente, os hábitos de trabalho e relações sociais, até aí então estabelecidos.
Pois antes, a implantação de uma unidade moageira, seja ela um moinho de água ou de vento, requeria a escolha de um local propício, junto a um curso de água ou situado num local alto, conforme o caso, o que estaria impreterivelmente dependente para a sua laboração, de que chovesse e as ribeiras corressem para mover as pás do moinho de água Azenha, ou fizesse vento para mover as velas do Moinho.
A introdução do motor, inicialmente a vapor, veio modificar totalmente este cenário, permitindo assim a construção de moagens mais perto das populações, podendo inclusivamente trabalhar as 24 horas por dia. Ainda hoje em redor da vila, é possível identificar vários Moinhos de Vento, de Azenhas d´Água e inclusivamente Atafonas movidas a sangue.
No caso concreto de Garvão, tal iniciativa deve-se essencialmente ao industrial António de Brito Ramos, não só a baixa e alta moagem, mas igualmente um lagar de azeite. Na estação de Garvão ainda se pode ver as ruínas da antiga Moagem, que deixou de laborar nos anos 60, quando foi vendida e levada para Alhandra, conjuntamente com um número significativo de famílias, que com a sua partida deixou a vila mais despovoada, criando uma pequena comunidade de naturais de Garvão em Alhandra e no Sobralinho, que ainda hoje persiste.
“CORTIÇA”
No século XVIII, com a aplicação de cortiça ao fabrico de vedantes, iniciou-se no Alentejo uma actividade, que viria a ser das mais importantes e consistentes da economia Alentejana.
Iniciada na segunda metade do século XVII, em França por Pierre Perignon que aplicou a cortiça na rolhagem do champanhe que acabara de obter, dando assim inicio á utilização da cortiça como um vedante por excelência, principalmente como rolhas nas garrafas de vinho, que veio a ser utilizado por todos os fabricantes e engarrafadores de vinho, iniciando assim a utilização de um produto de índole florestal, em larga abundância no Alentejo, e que em muito iria transformar e enriquecer a economia, não só do Alentejo mas também com um largo peso na economia Portuguesa.
Posteriormente a indústria Corticeira viria a ter outro forte incremento, com o aproveitamento das sobras, refugo ou aparas, e cortiças mais fracas em aplicações de uso diário, como palmilhas, buchas dos cartuchos, forros dos chapéus etc.
Surgiram assim em Garvão ao longo dos tempos, várias Fabricas, cuja cortiça era cozida e afaciada para ser vendida em fardos.
Numa face inicial, esses fardos eram vendidos para a industria rolheira da zona do Porto, que garantia cerca de 83% dos vedantes exportados, e fora estimulado pelos grandes produtores de vinho da região, cujo mercado inicial seria o do Vinho do Porto, e numa fase posterior para a zona de Lisboa onde se veio a desenvolver também fabricas de rolhas e derivados de cortiça.
“VINHA”
A transformação do produto agrícola básico como a uva, numa indústria de bebidas altamente apreciada, já era conhecida na antiguidade, desde a Índia antiga até á Gália.
As lendas atribuem a Dionísio, deus da vegetação e dos campos, na Mitologia Grega, a honra de ter cultivado a vinha pela primeira vez e de ter fabricado vinho. Os Romanos tinham em Baco, o seu Deus do vinho. O Génesis, livro, cuja autoria é atribuída a Moisés, e que corresponde ao antigo testamento, diz que Noé plantou vinha e bebeu vinho.
A vinha e o trigo, pertencem ás mais velhas culturas que tiveram origem á cerca de 4.000 anos na parte oriental do Mar Negro, na região da Transcaucásia, nos territórios que correspondem actualmente à Geórgia, Arménia e ao Azerbaijão.
Principiou-se através da colheita de bagas selvagens que o homem foi domesticando e melhorando aos seus gostos.
No Egipto já se produzia vinho na IV dinastia dos Faraós, os Gregos e Romanos consumiam vinho e contribuíram para a propagação da cultura da videira.
Os Romanos tinham os seus famosos vinhos, nomeadamente o ”Cuecubum”, o “Surrentinum”, o “Falerno” e o “mamertino” entre outros.
Depois das conquistas Romanas a cultura da videira generalizou-se pouco a pouco até á Gália, e o fabrico do vinho passou a ser uma fonte de riqueza. O conhecimento das primeiras plantações de vinha de considerável importância, deu-se na Região Francesa de Narbonne, (Lanquedoc), nos anos 125 AEC.
Estrabão, celebre Geógrafo Grego do mundo antigo, (58 A. C.), dá-nos notícia da cultura da vinha na região do Douro. Apesar de o vinho já ser por aqui conhecido, trazido pelos mercadores Gregos e Fenícios, há já algum tempo.
Assim o vinho sempre esteve presente, nas economias rurais, e a sua fabricação sempre se deveu a métodos tradicionais.
A cultura da vinha em Garvão, e a sua transformação em vinho, é conhecida há já bastante tempo, tendo-se em consideração os condicionalismos, de tempo e espaço, atrás expostos, contudo acompanhando a tendência geral do Alentejo a vinha sofreu uma forte expansão na segunda metade do século XIX, sendo considerado um negócio fartamente remunerador, que aliciou ricos e pobres, grandes e pequenos proprietários e outra gente ligada à terra.
Apesar da Filoxera ter chegado ás vinhas em 1862, dizimando as vinhas e consequentemente, a produção de vinho em certas zonas, estas foram re-enxertadas, utilizando a videira americana como porta enxerto, muito mais resistente ao insecto do que a videira Europeia.
Ainda na década de 60 do século XX, se assistia á vindima nas várias vinhas da região, transportadas em depósitos em cima de carros de parelha, para o lagar da vila, nomeadamente do Sr. Chico Costa, ou do Sr. José Cunha, aqui era a azafama habitual destas coisas, os moços pequenos a “roubarem” uvas, e os grandes, em calções dentro do tanque a pisarem uva, em amena cantarolaria, bebericando o vinho da safra passada.
A Adega do Sr. Chico Costa, foi herança do sogro, “Ti Joaquim Diogo”, cuja vinha era na cerca, conhecida precisamente por “Vinha do Ti Joaquim Diogo”, o lagar era na rua Nova. O Sr. Chico Costa foi proprietário da Fabrica de Pirolitos que havia na Vila até aos anos sessenta.
A Adega do Senhor José Cunha, conhecido comerciante da Vila, situava-se na Travessa do Álamo, e funcionava também como taberna, a vinha era precisamente no Monte da Vinha.
Todas estas Vinhas e Adegas, foram sucessivamente acabando desde os anos sessenta, até aos nossos dias, tendo a “Adega-Taberna” como função social e pólo central da vida comunitária, sido substituído pelos modernos Cafés.
“AZEITE”
Apesar de hoje em dia não existir qualquer lagar de azeite em Garvão, já houve tempo em que existia mais do que um, nomeadamente o da Moagem, que conforme o nome indica, estava associado á fabrica da moagem, sobre aproveitando o motor lá instalado para mover a moagem, contudo outros houve na vila, que davam trabalho a várias pessoas, e utilizavam o produto dos olivais da região e das pequenas cercas em redor da vila.
O principal abastecedor do lagar da Moagem era o próprio proprietário, António de Brito Ramos, da sua propriedade da Crimeia, onde pela primeira vez, um proprietário local, procedeu á plantação de um olival em moldes empresariais.
Outro Lagar de Azeite, que havia na vila era o que ficava situado no chamado, hoje largo da Amoreira, e então denominado Largo do Lagar, por aí se situar esse lagar, precisamente no centro da vila, e do qual ainda há relativamente pouco tempo restava uma Mó, oferecida pelo Adriano Revés á Associação Cultural e Defesa do Património de Garvão.
O azeite é conhecido desde a antiguidade, com utilização para as mais variadas formas, foi usado principalmente como tempero na alimentação, como combustível para alumiar as Luzernas Romanas e as candeias dos nossos dias, em uso até ao advento do petróleo já no século XX, foi usado também para as mezinhas tradicionais e desde sempre o azeite serviu para cerimonias religiosas onde os crentes, não só ofereciam o precioso liquido, como também se oleavam como forma de participação desses mesmos rituais religiosos.
“TÊXTEIS”
No caso concreto dos têxteis, e especificamente em Garvão não deixa de ter alguma significância o forte relacionamento provocado pela enorme circulação de rebanhos em regime de transumância, cujos percursos, por pastos de verão e Inverno, uniam o interior do país desde as Beiras até ao extremo sul do Alentejo, sendo a Feira de Garvão um pólo aglutinador de todos estes movimentos pois era o principal mercado do sul do país, assim no Alentejo, teciam-se panos pretos grossos e de outras cores, panos pardos ordinários e Saragoças ao estilo Espanhol.
No século XIX os concelhos limítrofes de Garvão, concentravam cerca de 80% dos teares activos da região.
Situação esta que foi totalmente alterada nas décadas seguintes, levando praticamente ao seu desaparecimento em meados do século XX, persistindo ainda hoje, teimosamente em alguns núcleos dispersos no extremo da Serra Algarvia, numa industria inteiramente artesanal e caseira, em que a tradição é passada de pais para filhos.
“CERÂMICA E OLARIA”
A Cerâmica e a olaria, constituem um dos materiais moldados pelo homem, mais antigos da humanidade, foram durante séculos os utensílios domésticos utilizados pelas populações para os mais diversos fins, à qual se deve essencialmente a simplicidade da sua fabricação e a abundância de matéria prima, apesar de ser um material de uma certa fragilidade, era contudo compensado pela sua dureza e resistência ao fogo.
Como povoação antiga, abundam os vestígios de cerâmica em Garvão.
As oferendas descobertas no Deposito Votivo do Santuário pré-histórico de Garvão, são na sua grande maioria feitas de cerâmica.
Foi descoberto um forno de cerâmica, que se presume pré-histórico quando se procedia a obras na Casa do Povo.
Em vários locais em torno da vila ainda eram visíveis até á relativamente pouco tempo, vários fornos de cerâmica, vulgarmente conhecidos por telheiros, pois sendo as habitações construídas em taipa, (ver caixa com artigo) as telhas era praticamente os únicos materiais que se teriam de comprar, para construir a habitação, e portanto de maior procura, contudo em casas de lavradores mais abastados, usava-se também ladrilhos e mosaicos do tipo “Burro” em barro cozido, que eram fabricados ou cozidos nesses telheiros.
CONCLUSÃO E DESINDUSTRIALIZAÇÃO
Se por um lado foi o surgir da Revolução Industrial, com a introdução de novas tecnologias de produção, nomeadamente a máquina a vapor, que permitiu a adopção de novas e melhores técnicas de fabricação industriais.
Foi também esse progresso, que permitiu a invasão do mercado local, por produtos fabricados nos grandes centros industriais do país, que se tinham vindo a desenvolver desde o século XVIII.
Assim aquilo a que se convencionou chamar a industrialização geral do país, foi feito ás custas da pequena indústria provincial.
A penetração do comércio local por produtos mais baratos e de uma enorme variedade, produzida nos grandes centros industriais do país, foi fatal para uma indústria rural, ainda em formação e mal consolidada para poder fazer frente á concorrência exterior.
A disputa pelo comércio local não se fazia sentir só na colocação do produto final, já fabricado e de qualidade ou gostos discutíveis, mas também na obtenção das matérias-primas essenciais á fabricação desses produtos.
Ora a indústria local até aí sozinha na obtenção de matérias-primas para a sua laboração, e para a colocação dos seus produtos, ressentiu-se, e de uma maneira irrecuperável para a indústria local e regional.
A expansão da indústria nacional nos grandes centros urbanos do país, fez-se á custa da pequena indústria regional, mais frágil, desajustada tecnologicamente e de fácil concorrência interna por parte dos industriais urbanos.
Embora, empresarialmente e tecnologicamente mais modernos, do que os industriais locais, os industriais urbanos não tinham capacidade para concorrer na colocação dos seus produtos no mercado estrangeiro, onde países mais avançados e desenvolvidos mantinham a liderança e hegemonia industrial e comercial.
Viraram então, os industriais urbanos, a sua atenção e produção para um mercado de mais fácil penetração, como o mercado interno, com as enormes perturbações, para a indústria da província, que daí adviriam.
A grande indústria urbana beneficiou ainda e também das profundas alterações que se vinham a desenvolver no país, se por um lado se assistiu á modernização, com a expansão da rede viária e construção da rede ferroviária ao interior do país, que facilitou a infiltração e escoamento dos seus produtos.
Beneficiou também de uma maior consciência empresarial, nomeadamente modos de pagamento mais ou menos dilatados e acesso ao crédito, (enquanto que nos mercados regionais era frequente o pagamento de serviços com a “maquia”, que correspondia ao pagamento com uma parte do produto). Beneficiou também da protecção por parte do governo, que promulgou leis na defesa do mercado interno, (e diga-se que protecção do mercado interno, não é protecção do mercado regional, mas sim protecção contra as importações de produtos estrangeiros),
A conjuntura Nacional e Internacional, a livre concorrência dos produtos, a introdução de novas tecnologias e praticas comerciais e melhores acessos, levou os empresários alentejanos que nos primórdios da revolução industrial nacional, tinham mostrado vontade em investir na nova era, a um patamar impossível de acompanhar.