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Jul 21

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Moagem na Estação de Garvão

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Homenagem ao Industrial de Garvão "António de Brito Ramos"

 

 

          O desenvolvimento da Indústria em Garvão, embora de moldes locais, não pode deixar de estar directamente relacionado com o desenvolvimento geral da indústria no Alentejo, no qual está inserido e é parte integrante.

          A influência da nova era industrial, que surgiram nos séculos XVII e XVIII, também chegaram, embora tardiamente, a Garvão.

           Da primitiva produção artesanal, passou-se, nos finais do século XIX, primeira parte do século XX, a uma industrialização sistemática dos produtos Agrícolas, de índole local e regional, que tinham vindo a ser fabricados artesanalmente, e cujo mercado local estava assegurado.

            O eventual desaparecimento de algumas indústrias tradicionais, de uso quotidiano da população e na agricultura, que no século XVIII e XIX, tinham tido algum relevo na região, como é o caso das saboarias, curtumes e o sector têxtil, Lã e Linho, que praticamente se afundou, subsistiu contudo o sector da Cerâmica e Olaria, industrias que ganharam um certo impulso, em algumas zonas do Alentejo, na segunda metade de Oitocentos, devido à expansão da olivicultura e da vinicultura.

 

“MOINHOS E MOAGENS”

          Aos Moinhos de vento e água, de que abundam vários vestígios em redor de Garvão, surgiram assim as primeiras moagens, movidas com motor a vapor, o que alterou significativamente, os hábitos de trabalho e relações sociais, até aí então estabelecidos.

            Pois antes, a implantação de uma unidade moageira, seja ela um moinho de água ou de vento, requeria a escolha de um local propício, junto a um curso de água ou situado num local alto, conforme o caso, o que estaria impreterivelmente dependente para a sua laboração, de que chovesse e as ribeiras corressem para mover as pás do moinho de água Azenha, ou fizesse vento para mover as velas do Moinho.

           A introdução do motor, inicialmente a vapor, veio modificar totalmente este cenário, permitindo assim a construção de moagens mais perto das populações, podendo inclusivamente trabalhar as 24 horas por dia. Ainda hoje em redor da vila, é possível identificar vários Moinhos de Vento, de Azenhas d´Água e inclusivamente Atafonas movidas a sangue.

                No caso concreto de Garvão, tal iniciativa deve-se essencialmente ao industrial António de Brito Ramos, não só a baixa e alta moagem, mas igualmente um lagar de azeite. Na estação de Garvão ainda se pode ver as ruínas da antiga Moagem, que deixou de laborar nos anos 60, quando foi vendida e levada para Alhandra, conjuntamente com um número significativo de famílias, que com a sua partida deixou a vila mais despovoada, criando uma pequena comunidade de naturais de Garvão em Alhandra e no Sobralinho, que ainda hoje persiste.

 

“CORTIÇA”

              No século XVIII, com a aplicação de cortiça ao fabrico de vedantes, iniciou-se no Alentejo uma actividade, que viria a ser das mais importantes e consistentes da economia Alentejana.

                 Iniciada na segunda metade do século XVII, em França por Pierre Perignon que aplicou a cortiça na rolhagem do champanhe que acabara de obter, dando assim inicio á utilização da cortiça como um vedante por excelência, principalmente como rolhas nas garrafas de vinho, que veio a ser utilizado por todos os fabricantes e engarrafadores de vinho, iniciando assim a utilização de um produto de índole florestal, em larga abundância no Alentejo, e que em muito iria transformar e enriquecer a economia, não só do Alentejo mas também com um largo peso na economia Portuguesa.

               Posteriormente a indústria Corticeira viria a ter outro forte incremento, com o aproveitamento das sobras, refugo ou aparas, e cortiças mais fracas em aplicações de uso diário, como palmilhas, buchas dos cartuchos, forros dos chapéus etc.

               Surgiram assim em Garvão ao longo dos tempos, várias Fabricas, cuja cortiça era cozida e afaciada para ser vendida em fardos.

               Numa face inicial, esses fardos eram vendidos para a industria rolheira da zona do Porto, que garantia cerca de 83% dos vedantes exportados, e fora estimulado pelos grandes produtores de vinho da região, cujo mercado inicial seria o do Vinho do Porto, e numa fase posterior para a zona de Lisboa onde se veio a desenvolver também fabricas de rolhas e derivados de cortiça.

 

“VINHA”

              A transformação do produto agrícola básico como a uva, numa indústria de bebidas altamente apreciada, já era conhecida na antiguidade, desde a Índia antiga até á Gália.

                 As lendas atribuem a Dionísio, deus da vegetação e dos campos, na Mitologia Grega, a honra de ter cultivado a vinha pela primeira vez e de ter fabricado vinho. Os Romanos tinham em Baco, o seu Deus do vinho. O Génesis, livro, cuja autoria é atribuída a Moisés, e que corresponde ao antigo testamento, diz que Noé plantou vinha e bebeu vinho.

              A vinha e o trigo, pertencem ás mais velhas culturas que tiveram origem á cerca de 4.000 anos na parte oriental do Mar Negro, na região da Transcaucásia, nos territórios que correspondem actualmente à Geórgia, Arménia e ao Azerbaijão.

             Principiou-se através da colheita de bagas selvagens que o homem foi domesticando e melhorando aos seus gostos.

               No Egipto já se produzia vinho na IV dinastia dos Faraós, os Gregos e Romanos consumiam vinho e contribuíram para a propagação da cultura da videira.

               Os Romanos tinham os seus famosos vinhos, nomeadamente o ”Cuecubum”, o “Surrentinum”, o “Falerno” e o “mamertino” entre outros.

              Depois das conquistas Romanas a cultura da videira generalizou-se pouco a pouco até á Gália, e o fabrico do vinho passou a ser uma fonte de riqueza. O conhecimento das primeiras plantações de vinha de considerável importância, deu-se na Região Francesa de Narbonne, (Lanquedoc), nos anos 125 AEC.

              Estrabão, celebre Geógrafo Grego do mundo antigo, (58 A. C.), dá-nos notícia da cultura da vinha na região do Douro. Apesar de o vinho já ser por aqui conhecido, trazido pelos mercadores Gregos e Fenícios, há já algum tempo.

             Assim o vinho sempre esteve presente, nas economias rurais, e a sua fabricação sempre se deveu a métodos tradicionais.

         A cultura da vinha em Garvão, e a sua transformação em vinho, é conhecida há já bastante tempo, tendo-se em consideração os condicionalismos, de tempo e espaço, atrás expostos, contudo acompanhando a tendência geral do Alentejo a vinha sofreu uma forte expansão na segunda metade do século XIX, sendo considerado um negócio fartamente remunerador, que aliciou ricos e pobres, grandes e pequenos proprietários e outra gente ligada à terra.

               Apesar da Filoxera ter chegado ás vinhas em 1862, dizimando as vinhas e consequentemente, a produção de vinho em certas zonas, estas foram re-enxertadas, utilizando a videira americana como porta enxerto, muito mais resistente ao insecto do que a videira Europeia.

           Ainda na década de 60 do século XX, se assistia á vindima nas várias vinhas da região, transportadas em depósitos em cima de carros de parelha, para o lagar da vila, nomeadamente do Sr. Chico Costa, ou do Sr. José Cunha, aqui era a azafama habitual destas coisas, os moços pequenos a “roubarem” uvas, e os grandes, em calções dentro do tanque a pisarem uva, em amena cantarolaria, bebericando o vinho da safra passada.

            A Adega do Sr. Chico Costa, foi herança do sogro, “Ti Joaquim Diogo”, cuja vinha era na cerca, conhecida precisamente por “Vinha do Ti Joaquim Diogo”, o lagar era na rua Nova. O Sr. Chico Costa foi proprietário da Fabrica de Pirolitos que havia na Vila até aos anos sessenta.

              A Adega do Senhor José Cunha, conhecido comerciante da Vila, situava-se na Travessa do Álamo, e funcionava também como taberna, a vinha era precisamente no Monte da Vinha.

               Todas estas Vinhas e Adegas, foram sucessivamente acabando desde os anos sessenta, até aos nossos dias, tendo a “Adega-Taberna” como função social e pólo central da vida comunitária, sido substituído pelos modernos Cafés.

 

“AZEITE”

           Apesar de hoje em dia não existir qualquer lagar de azeite em Garvão, já houve tempo em que existia mais do que um, nomeadamente o da Moagem, que conforme o nome indica, estava associado á fabrica da moagem, sobre aproveitando o motor lá instalado para mover a moagem, contudo outros houve na vila, que davam trabalho a várias pessoas, e utilizavam o produto dos olivais da região e das pequenas cercas em redor da vila.

           O principal abastecedor do lagar da Moagem era o próprio proprietário, António de Brito Ramos, da sua propriedade da Crimeia, onde pela primeira vez, um proprietário local, procedeu á plantação de um olival em moldes empresariais.

                 Outro Lagar de Azeite, que havia na vila era o que ficava situado no chamado, hoje largo da Amoreira, e então denominado Largo do Lagar, por aí se situar esse lagar, precisamente no centro da vila, e do qual ainda há relativamente pouco tempo restava uma Mó, oferecida pelo Adriano Revés á Associação Cultural e Defesa do Património de Garvão.

               O azeite é conhecido desde a antiguidade, com utilização para as mais variadas formas, foi usado principalmente como tempero na alimentação, como combustível para alumiar as Luzernas Romanas e as candeias dos nossos dias, em uso até ao advento do petróleo já no século XX, foi usado também para as mezinhas tradicionais e desde sempre o azeite serviu para cerimonias religiosas onde os crentes, não só ofereciam o precioso liquido, como também se oleavam como forma de participação desses mesmos rituais religiosos.

 

“TÊXTEIS”

             No caso concreto dos têxteis, e especificamente em Garvão não deixa de ter alguma significância o forte relacionamento provocado pela enorme circulação de rebanhos em regime de transumância, cujos percursos, por pastos de verão e Inverno, uniam o interior do país desde as Beiras até ao extremo sul do Alentejo, sendo a Feira de Garvão um pólo aglutinador de todos estes movimentos pois era o principal mercado do sul do país, assim no Alentejo, teciam-se panos pretos grossos e de outras cores, panos pardos ordinários e Saragoças ao estilo Espanhol.

            No século XIX os concelhos limítrofes de Garvão, concentravam cerca de 80% dos teares activos da região.

             Situação esta que foi totalmente alterada nas décadas seguintes, levando praticamente ao seu desaparecimento em meados do século XX, persistindo ainda hoje, teimosamente em alguns núcleos dispersos no extremo da Serra Algarvia, numa industria inteiramente artesanal e caseira, em que a tradição é passada de pais para filhos.

 

“CERÂMICA E OLARIA”

             A Cerâmica e a olaria, constituem um dos materiais moldados pelo homem, mais antigos da humanidade, foram durante séculos os utensílios domésticos utilizados pelas populações para os mais diversos fins, à qual se deve essencialmente a simplicidade da sua fabricação e a abundância de matéria prima, apesar de ser um material de uma certa fragilidade, era contudo compensado pela sua dureza e resistência ao fogo.

         Como povoação antiga, abundam os vestígios de cerâmica em Garvão.

          As oferendas descobertas no Deposito Votivo do Santuário pré-histórico de Garvão, são na sua grande maioria feitas de cerâmica.

              Foi descoberto um forno de cerâmica, que se presume pré-histórico quando se procedia a obras na Casa do Povo.

               Em vários locais em torno da vila ainda eram visíveis até á relativamente pouco tempo, vários fornos de cerâmica, vulgarmente conhecidos por telheiros, pois sendo as habitações construídas em taipa, (ver caixa com artigo) as telhas era praticamente os únicos materiais que se teriam de comprar, para construir a habitação, e portanto de maior procura, contudo em casas de lavradores mais abastados, usava-se também ladrilhos e mosaicos do tipo “Burro” em barro cozido, que eram fabricados ou cozidos nesses telheiros.

 

CONCLUSÃO E DESINDUSTRIALIZAÇÃO

               Se por um lado foi o surgir da Revolução Industrial, com a introdução de novas tecnologias de produção, nomeadamente a máquina a vapor, que permitiu a adopção de novas e melhores técnicas de fabricação industriais.

                Foi também esse progresso, que permitiu a invasão do mercado local, por produtos fabricados nos grandes centros industriais do país, que se tinham vindo a desenvolver desde o século XVIII. 

              Assim aquilo a que se convencionou chamar a industrialização geral do país, foi feito ás custas da pequena indústria provincial.

              A penetração do comércio local por produtos mais baratos e de uma enorme variedade, produzida nos grandes centros industriais do país, foi fatal para uma indústria rural, ainda em formação e mal consolidada para poder fazer frente á concorrência exterior.

                A disputa pelo comércio local não se fazia sentir só na colocação do produto final, já fabricado e de qualidade ou gostos discutíveis, mas também na obtenção das matérias-primas essenciais á fabricação desses produtos.

                Ora a indústria local até aí sozinha na obtenção de matérias-primas para a sua laboração, e para a colocação dos seus produtos, ressentiu-se, e de uma maneira irrecuperável para a indústria local e regional.

                 A expansão da indústria nacional nos grandes centros urbanos do país, fez-se á custa da pequena indústria regional, mais frágil, desajustada tecnologicamente e de fácil concorrência interna por parte dos industriais urbanos.

                 Embora, empresarialmente e tecnologicamente mais modernos, do que os industriais locais, os industriais urbanos não tinham capacidade para concorrer na colocação dos seus produtos no mercado estrangeiro, onde países mais avançados e desenvolvidos mantinham a liderança e hegemonia industrial e comercial.

                   Viraram então, os industriais urbanos, a sua atenção e produção para um mercado de mais fácil penetração, como o mercado interno, com as enormes perturbações, para a indústria da província, que daí adviriam.

               A grande indústria urbana beneficiou ainda e também das profundas alterações que se vinham a desenvolver no país, se por um lado se assistiu á modernização, com a expansão da rede viária e construção da rede ferroviária ao interior do país, que facilitou a infiltração e escoamento dos seus produtos.

                 Beneficiou também de uma maior consciência empresarial, nomeadamente modos de pagamento mais ou menos dilatados e acesso ao crédito, (enquanto que nos mercados regionais era frequente o pagamento de serviços com a “maquia”, que correspondia ao pagamento com uma parte do produto). Beneficiou também da protecção por parte do governo, que promulgou leis na defesa do mercado interno, (e diga-se que protecção do mercado interno, não é protecção do mercado regional, mas sim protecção contra as importações de produtos estrangeiros), 

                   A conjuntura Nacional e Internacional, a livre concorrência dos produtos, a introdução de novas tecnologias e praticas comerciais e melhores acessos, levou os empresários alentejanos que nos primórdios da revolução industrial nacional, tinham mostrado vontade em investir na nova era, a um patamar impossível de acompanhar.

publicado por José Pereira às 18:07

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 O documento original encontra-se arquivado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, compondo-se de vinte e uma páginas manuscritas em letra caligráfica do século XVIII. Com o código de referência nº PT/TT/TSO-IL/028/00836 , e cota actual do Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 836.

 

“Crime de Solicitação”

          O caso do processo do Frade João da Trindade, de trinta e sete anos, julgado e condenado nos Estaus, sede do tribunal do Santo Ofício, mais conhecido por Inquisição, onde actualmente se situa o teatro D, Maria II, no Rossio em Lisboa, tratou-se de facto do julgamento de um prelado desencaminhado pelos prazeres carnais, (como menciona o respectivo processo), igual, com certeza, a tantos outros que proliferaram pelo país fora, que a inquisição julgaria e na maioria das vezes condenaria, senão à fogueira pelo menos ao degredo, como no caso deste conterrâneo, que aqui se transcreve.

            Interessando a nós, leitores e residentes em Garvão o facto do Frade João da Trindade e alguns familiares seus, serem naturais e residentes no antigo concelho de Garvão, mais concretamente tanto na própria vila sede do concelho como no Monte da Corte em Santa Luzia, (uma das duas freguesias do extinto concelho de Garvão).

            Ao Frade João da Trindade, religioso da ordem de São Francisco da Observância da Província dos Algarves, sacerdote e pregador, morador no convento de Nossa Senhora do Loreto junto a Santiago do Cacém e assistente no Convento de Xabregas de Lisboa Oriental, é-lhe imputada a acusação de “solicitação”, que confessa, na pessoa de Maria Bernarda, também ela moradora no Monte da Corte, Santa Luzia, e ao que parece terceira da ordem de São Francisco.

            De facto, depois de pormenorizadamente relatar o sucedido foi-lhe imposto o degredo de residência com a obrigação de se apresentar regularmente nos Estaus.

 

“Prova de pureza de sangue”

          O caso não se resumiria ao agravo de “solicitação” do Frade João da Trindade, e ao que parece, entre dois religiosos, este teve igualmente de fazer prova de pureza sangue, como se observa no capítulo dedicado à genealogia, para despiste de algum descendente de sangue judio, assim para além dos nomes do pai e da mãe teve igualmente de descrever os nomes dos avós, tanto paternos como maternos, os locais de nascimento, moradas e ocupações.

         Era filho de Jerónimo da Fonseca, capitão da Ordenança de Garvão onde era morador e natural da freguesia de nossa Senhora das Relíquias, termo de Odemira e de Maria bernarda, (por mera coincidência, com o mesmo nome da “solicitada”), natural de Garvão e moradora, também, no Monte da Corte. Tendo como avós paternos Domingos Afonso e D. Clara, cujo sobrenome não sabe, nem profissões, naturalidade ou residência, e dos avós maternos o avô se chamava Ildefonso Correia morador em Garvão e da avó não sabe o nome nem de onde era natural.

          Mais declarou que nunca foi casado nem tem filhos ilegítimos e que foi baptizado na Igreja de Santa Luzia pelo Padre Manuel (?) Ribeiro, sendo seu padrinho João de Aboim Pereira Guerreiro, Mestre de Campo da Comarca do campo de Ourique, e que foi crismado, mas não se lembra onde recebeu o dito sacramento, parece que pelo Padre conhecido por Barata em Bela tendo como padrinho Luís Fernandes.

          Teve de fazer prova igualmente de que sabia ler e do Padre-nosso, Ave-maria, o credo e restantes mandamentos da Madre igreja.     

publicado por José Pereira às 17:34

EM TEMPOS MEDIEVAIS

O Numeramento Geral, em 1527-1532

         

            As relações quotidianas das comunidades rurais, desenvolviam-se em torno dos direitos de terra, tributos, normas sucessórias, e outros aspectos administrativos e judiciais, o registo dos bens e o tombo das propriedades dão-nos uma certa informação sobre as peculiaridades das relações sociais da época.

          Há uma defesa explícita da propriedade das terras das aldeias pelos seus habitantes e dão-nos acesso a muita informação sobre a vida social, cultural e religiosa destas populações.

          Se tivermos presente que a matriz referencial que os oficiais do reino tinham era a religião cristã, as suas instituições, os seus agentes, as suas práticas devocionais e, se o tema dos inquéritos era a inventariação das propriedades, bens e rendimentos dessas populações, não será de admirar que as fontes que nos chegaram até hoje sejam precisamente destas instituições religiosas, Misericórdias, Irmandades, Confrarias e afins.

          O Numeramento Geral, em 1527-1532, pelo rei D. João III, sobre a população e o território, a par de outras inquirições, locais e regionais, por instituições como a Inquisição e a Mesa da Consciência e Ordens, (que procuravam manter a unidade religiosa pela censura e confissão), permite-nos tomar conhecimento, de uma forma geral, sobre o território, a população e os seus hábitos e costumes, implementando as medidas julgadas necessárias para o respectivo ordenamento do reino.

          Os tombos das propriedades, e outros bens, que inventariavam o património fundiário e devocional das confrarias, constituíam registos de conhecimento das suas gentes e da organização territorial. Por sua vez a passagem a escrito destas normas, não só respondiam às inquirições dos oficiais do reino, como dotava a população, tanto de normas e preceitos escritos em defesa dos seus direitos fundiários, como, inclusivamente, regulavam a vida interna dessas populações.

          Permitia conhecer assim tais propriedades, as suas características, bens e rendas e o respectivo registo da informação económica e financeira, tais como as terras que tinham sido doadas às ordens às várias instituições locais, religiosas e militares, templos, ou particulares em troca dos serviços prestados. A ideia sobre a compreensão dos lugares, saberes, gentes e cultura do território português que se desenvolveram no seguimento da reconquista cristã e das relações surgidas no encontro no decorrer do processo da reconquista com os lugares e gentes locais, não só tinha como objectivo estabelecer, do modo mais preciso possível, as rendas e os bens atribuídos aos imóveis, como incutia, inclusivamente, na população um sentido de responsabilidade emanada por uma autoridade superior, por um poder que pretendia transmitir, tanto a sua indispensabilidade, como fixar na memoria das gentes a autoridade com que concedeu tais registos.

          A imposição da ordem passava pela solenidade, pela ritualização com que estas actas eram outorgadas, desde a sua formulação à sua extensão, desde a repetição dos termos jurídicos à irrevocabilidade dos acordos, desde a exaustiva repetição das boas intenções do intervenientes ao solene ritual de posse, tudo se conjugava para transformar a redacção destas actas em actos de poder, não só de imposição da ordem, mas, também, despoja-la de alguma vestígio de contestação que eventualmente pudessem ter.

          A solenidade destes actos oficiais e conferir-lhes alguma dignidade. Estes documentos caracterizam-se pela repetição exaustiva das normas, dos atributos e dos títulos das autoridades que os outorgavam até á exaustão. Tudo nestas actas invoca a rectidão conferida ao documento, as boas intenções dos outorgantes, a irrevogabilidade das decisões, pela justiça na atribuição destes contratos e, evitando contrariedades e conflitos que pudessem por em causa a autoridade e a ordem que as autoridades pretendiam estabelecer.

publicado por José Pereira às 17:14

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E o Culto do Espírito Santo

 

          As cavalhadas, eram corridas de cavalos, onde se apresentavam no local designado para as disputas, com vestimentas de gala e à moda antiga. Outrora, no local do certame, apresentava-se o cavaleiro em trajes vistosos no seu garboso cavalo, acompanhado por um pajem, também vestido de gala, embora de modo diferente e a pé, segurando o cavalo pelas rédeas ou freio.

          Estes torneios, eram feitos com o fim de mostrarem a destreza dos melhores cavaleiros das redondezas. Corriam dois a dois, a par, em alta velocidade para uma meta. Vindos a correr nos seus cavalos, tinham de espetar uma lança num frango ou galinha vivos, os quais estavam dependurados numa corda atada a dois paus, distanciados um do outro de 5 a 6 metros.

          Com o andar dos tempos, este costume, considerado demasiado bárbaro, foi desaparecendo e substituído por outro menos chocante. Em vez dos animais vivos, é colocada uma argola que constitui o alvo e desafio à perícia do cavaleiro, pois se este, vindo a correr, não enfiar a lança na argola, fica desclassificado e desfeiteado perante o povo, que muito gosta desta manifestação.

          Como recompensa do êxito, o vencedor recebe uma grande salva de palmas e um animal vivo (galinha, frango, etc,...). Actualmente, esta actividade ainda é mantida numa ou outra localidade, mas de um modo muito mais simples.

          Até há pouco tempo, ainda se faziam as cavalhadas na freguesia de Gomes Aires”. (in: Monografia da Vila de Almodôvar, António Júlio Gonçalves, Associação Cultural e Desportiva da Juventude Almodovarense, 2000).

          Tempos houve em que os jogos eram mais elaborados, realizando-se inclusivamente nas ruas das vilas, e em vez das farpas era utilizado um pau para enfiar nas argolas, quebrando por vezes, (o desajeitado cavaleiro), as quartas de água, que estavam igualmente penduradas na corda.

          Por outro lado, as reminiscências que nos chegam doutros locais, nomeadamente os Açores e Brasil, locais onde a presença portuguesa impôs os usos e costumes da metrópole, estes festejos evocam uma época em que se desenvolviam em torno das lutas entre cristãos e mouros.

          De facto, se no continente há já muito que se perdeu a origem destas festas, e a sua relação com as festividades religiosas que se celebravam no princípio da nacionalidade. Em cenários mais isolados e imunes às influências externas ainda se assiste à ligação destas festas ao culto do Espírito Santo, (assim como a maioria dos festejos tradicionais das aldeias e vilas têm as suas origens nas confrarias do Espírito Santo local).

          Igualmente a passagem e a aproximação dos cavaleiros, nomeadamente as voltas em torno da igreja local, evocando os dons do Espírito Santo, e do local do “torneio”, era anunciada pelos corneteiros comandados por um “rei”. Seriam igualmente acompanhados por um mordomo e as cores nos trajes usados pelos cavaleiros seriam predominantemente as cores do Espírito Santo, (o branco e o vermelho).

          “Em Vildemoinhos, perto de Viseu, mantêm-se como desfile de cavaleiros vestidos de fato escuro e montando cavalos ajaezados. Resultam, segundo a tradição, de uma promessa feita a São João Baptista pelos moleiros, no caso de conseguirem sentença favorável de água para os seus moinhos, havendo quem pense que têm influência das Cavalhadas da Ribeira Seca. A primeira destas romagens à capela do santo, com os cavaleiros vestindo de negro, como os nobres, e com os cavalos ajaezados, terá sido em 1652. No entanto, no século XX passaram a incluir carros alegóricos, bandas de música, ranchos folclóricos e muitos outros elementos que não faziam parte da tradição.” (in: Cavalhadas em Vildemoinhos)

publicado por José Pereira às 17:02

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