07
Jul 21

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Local do Arzil

 

             Ao se consultar os mapas antigos referentes à vila de Garvão ou em torno da área do extinto concelho, deparamo-nos com denominações de lugares que nos leva a ponderar sobre a origem desse vocábulo.

              A busca da origem ou significado de certas denominações, por vezes encontra barreiras para o seu devido entendimento, quando o paradigma estudado é essencialmente latinista e cristão, embora, já se observe nos meios académicos, alguns estudos obre outras fontes, nomeadamente sobre os povos e as respectivas línguas que se falavam na Península Ibérica anteriores à ocupação Romana.

              Segundo Ana Margarida Arruda, a investigação sobre a época pré-romana servia apenas uma historiografia de pendor marcadamente nacionalista, que procurava quase exclusivamente as evidências arqueológicas dos «primeiros heróis nacionais», os Lusitanos.[1]

 

               Por outro lado, nunca será demais recordar que esta invisibilidade foi também decorrente do reforço de uma postura ideológica de cariz marcadamente nacionalista, ditada por um cenário político de contornos ditatoriais nascido em Portugal com a implantação, em 1928, do que veio a chamar-se «Estado Novo». Com efeito, o marasmo que, entre os anos 30 e 80, atingiu a investigação arqueológica no âmbito da Idade do Ferro orientalizante deve relacionar-se com um conjunto de razões de âmbito sócio-político, que determinou o sentido dos trabalhos publicados.[2]

 

              Outra questão é a possibilidade de se conseguir ainda hoje descortinar algumas palavras cuja origem remonta a esses tempos? Já no século XIX o Cardeal D. Francisco de S. Luiz Saraiva, publicou um trabalho intitulado "Glossário de Vocábulos Portuguezes Derivados de Línguas Orientaes e Africanas Excepto a Árabe". Os estudos de autores mais recentes apontam igualmente nesse sentido.

               Por outro lado, tanto a conservação na toponímia, como no linguajar comum, de formas verbais pré-romanas que foram sistematicamente objeto de latinização e apesar da sua perdurabilidade, nem sempre se consegue descortinar a raiz da palavra em questão, ou porque a deturpação é tal que se presta a várias interpretações, ou não há, de facto, uma unanimidade nos meios académicos para o seu significado.

               Teremos assim, para o estudo de certos vocábulos que se usa atualmente na língua portuguesa, de procurar não só na herança Romana e Árabe, mas igualmente nas línguas germânicas, celtas, fenícias ou orientalizantes, assim como nas primitivas línguas Ibéricas.

              Existe atualmente toda uma série de palavras, divulgadas por certos autores que se conseguem identificar com esses povos que em diversas épocas habitaram a Península Ibérica.

               Sobre o significado de certas nomeações topográficas em Garvão, em artigo anterior examinou-se o vocábulo Andorde referente ao “Pego D´Andorde”, na base do Cerro do Castelo e do Santuário da idade do ferro, relacionado com Adónis[3], contudo abundam outras denominações cuja explicação se torna igualmente difícil, nomeadamente o local da Badanela e o Barranco da Badanela, na Herdade do Arzil, em Garvão.

               Existe igualmente noutras localidades, nomeadamente a Ribeira da Badanela em Ponta Delgada, a Safra da Badanela em Nisa, ruas da Badanela, em Viseu e em Monte Real, Leiria, e em vários locais na Galiza, assim como a variante Madanela.

              A explicação mais lógica seria derivar de badana de animal ou pele de animal de má qualidade, mas devido à enorme concentração de vestígios pré-históricos e cerâmicas romanas nas proximidades e ser um lugar abundante em água, teremos de considerar igualmente outras explicações.

              Existe uma certa tendência para os locais denominados por Badanela ou Madanela, se encontrarem em locais relacionados com água ou colheita, é o caso do Arzil, local de uma antiga lagoa, ou safra[4] da Badanela, Ribeira da Badanela e as várias praias na Galiza denominadas por Madanela.

            Segundo a informação disponibilizada em Arqueotoponimia, Toponimia Preromana, hdronimia paleoeuropea, etnografia, megalitismo y arte rupestre, de 30 de diciembre de 2012.

 

                Madanela, con 60 ocurrencias registradas en la base de datos de Toponimia de Galicia, 95 si contamos los topónimos Madalena en los que se ha operado transposición silábica, es diminutivo de meda, término con el que se designa principalmente al almiar, o montón de heno (medeiro). También se aplica a elevaciones del terreno (Cabezo da Meda) y a túmulos megalíticos "usque in mamoa da meda" (año 1130). Estas medas o elevaciones solían utilizarse, por su visibilidad, como limes territorial. El sustantivo madanela es, por outra parte, como diminutivo de meda, "montón cónico", un candidato perfecto para explicar el nombre que reciben los dulces llamados madalenas.

                Respecto al nombre Magdalena que tienen varias playas de Galicia (Cedeira, Cabanas), por el que me pregunta un conocido: todas ellas son, por supuesto, madanelas, formaciones dunares costeras que en otros lugares como Canarias o Portugal se conocen con otro derivado de meda, médano o médão.

 

[1] Ana Margarida Arruda. Fenícios e Púnicos em Portugal Problemas e Perspectivas. Lisboa, 2008. P. 13.

[2] Idem, ibidem.

[3] Embora seja geralmente associado à mitologia grega, Adónis teve origem na mitologia fenícia, na região da actual Síria. Na Bíblia, Ezequiel faz-lhe referência usando o nome semita de Tammuz. Crê-se que próprio nome ‘Adónis’ tenha origem na palavra Adonai, palavra hebraica que significa ‘Meu Senhor’.

[4] Safra: Período do ano em que se faz a pesca de determinada espécie

publicado por José Pereira às 16:12

04
Jul 21

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Barco no pego D´Andorde no ano de 1947

 

           Raramente nos debruçamos sobre o significado do nome de certos locais que ao longo dos anos conhecemos, localizamos e frequentamos.

             Contudo se o nome porque denominamos esses locais na actualidade, não tem um significado aparente aos olhos de hoje, terá tido, com certeza, uma razão aquando da sua nomeação, mas que cujo significado hoje desconhecemos apesar de, por vezes, se continuar a assistir a uma continuidade de certas praticas remotas.

           Porém, convém realçar que tem de se olhar com algum cuidado, quando se tenta encontrar uma explicação satisfatória, para a nomeação de tantos lugares e expressões que hoje desconhecemos.

             No mundo Celta, certos pegos nas ribeiras, poços e fontes de água eram locais sagrados e de peregrinação, como se observava no Pego do Sino junto ao Castro da Cola, onde as populações locais, até aos anos sessenta do século XX, lhe atribuíam propriedades curativas e se banhavam para curar alguma maleita que os atormentava, de notar que a raiz da palavra sino se encontra igualmente em Sintra, a montanha da lua e no monte Sinai com o mesmo significado, monte da lua.

            Igualmente em Garvão e em referência aos locais sagrados junto a cursos de água encontra-se o Pego Dandorde ou D´Andorde, na base do serro, (denominado Castelo), onde supostamente se situava um santuário pré-cristão e em cuja encosta se localiza o Depósito Votivo, (local onde o enorme número de oferendas, no santuário, eram guardados).

             Este pego D´Andorde, local que ainda na primeira metade do século XX era local de visitas/recreio da população de Garvão, (havia inclusivamente um barco), no inicio da Primavera, reverte, obviamente, para um período anterior em que este pego se revestia de alguma sacralidade senão mesmo peregrinação que se perpetuou no tempo e cuja memória local o associa como local de prazer e de recreio atá aos anos cinquenta/sessenta do século passado. 

              Sobre a origem da palavra D´Andorde, poder-se-á tecer várias considerações, contudo o mito em torno do deus grego Adónis; por ser de origem fenícia; por ser uma palavra semita Adonai, que significa “senhor” ou “deus” e por esse culto se encontrar igualmente na Península Ibérica, teremos de colocar esta palavra como uma das hipóteses que eventualmente terão degenerado em Andorde.

         De acordo com a mitologia grega, Adônis era um jovem de extrema beleza que nasceu de relações incestuosas, mais tarde passou a despertar o amor de Perséfone e Afrodite. O culto de Adónis era celebrado em toda a Fenícia e, especialmente, em Biblos. Os devotos do culto a esta divindade plantavam pela Primavera os chamados “Jardins de Adonis”, cujo objetivo era de simbolizar a renovação da natureza. Adônis tornou-se o simbolo da vegetação que morre no inverno e se renova na Primavera.

          Nos antigos festejos da primavera, (hoje denominados 1º de Maio, dia do trabalhador), esse tipo de espírito da vegetação era geralmente representado junto a árvores, fontes e outros lugares sagradas e por dançarinos e dançarinas vestidos e adornados com motivos florais; folhas verdes, ramos e flores, encarnavam o espirito da vegetação, da renovação da vida depois dos meses de trevas do Inverno.

publicado por José Pereira às 16:08

Ver Publicações (31).jpg

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Propriedades da Comenda 

 

            No Livro da Misericórdia e do Sagrado Espirito Santo de Garvão tomamos conhecimento da existência da Comenda da vila de Garvão e propriedades pertença desta.

          Assim na folha 14, referente às confrontações da herdade do Arzil, “… cuja Erdade parte por huma parte com terras da Capela da Coroa e chamada de Anal, e com terras da Xarneca que são de Conselho desta Vila e com a Erdade de Orta das Masans que hé da Comenda desta Vila e com terras da Erdade de Val de Inxares de baixo de Dom Sebastião Maldonado, e por outra que hé pelo Nascente com terras do mesmo Dom Sebastião e com farrigial dos Erdeiros de Manoel Fernandes de Val de Inxares, e com terras de Dona Maria Bernarda de Odemira”

            Na folha 22, referente à Courela do Maó páso, “…. e confronta a dita courela com a Erdade do pixouto, e a Erdade de Carvalheira de baixo e terras da Comenda e ribeira que vem das Amoreiras”.

             A origem das ordens militares, criadas no século XII, está associada às cruzadas e à Reconquista cristã da Península Ibérica. Caracterizam-se como braços armados da cristandade. Os seus cavaleiros deveriam seguir uma vida regrada pelas leis cristãs, assim como os monges, com votos de castidade, pobreza e obediência.

           A Ordem de Santiago, criada em 1290, cuja administração, denominada de Mestrado, estava sob a responsabilidade do mestre e era de facto, conjuntamente com as outras ordens militares em Portugal, o braço armado da Coroa portuguesa.

            Durante a reconquista, entre os vários funcionários públicos do concelho, constava o cargo de Alcaide, (do árabe al-qā'id, «o líder») com responsabilidade não só na defesa da povoação e do território, mas igualmente, como chefe das forças militares do concelho, cavaleiros, peões e besteiros, tinha a responsabilidade de organizar os fossados em terras inimigas.

              O Alcaide vivia geralmente no Castelo com a sua família, tendo igualmente a responsabilidade na sua conservação, e apesar de não responder perante o concelho, pois era de facto nomeado pelo rei, era-lhes contudo concedido terras na área do concelho para rendimento e uso próprio.

           Com o decorrer do tempo, findas as guerras com os muçulmanos, perdeu o seu carácter bélico e tornou-se gradualmente um mero magistrado judicial de nomeação régia o que causava várias dissabores entre os vizinhos concelhios, levando os procuradores dos municípios às Cortes a se queixaram ao monarca dos abusos cometidos pelos alcaides, tendo o rei então nomeado um outro alcaide, designado por alcaide menor, entre os homens-bons (vizinhos) do concelho, para vigiar a actividade do alcaide, entretanto re-designado alcaide maior.

            Ao longo dos séculos, diversas reformas foram esvaziando de poderes desta magistratura, tornando-a meramente honorífica. A distribuição de comendas foi uma importante ferramenta para que os monarcas portugueses conseguissem mais serviços de vassalagem da aristrocacia  com relevância no rendimento desta e no processo de concentração linhagística nas mesmas.

           De facto em Comendas das Ordens Militares na Idade Média, Actas do Seminário Internacional Porto, 3 e 4 de Novembro de 2008, nomeia vários titulares da comenda de Garvão da família Mascarenhas, de bisavô para bisneto e na família Moniz de pai para filho.

 

Fernão Martins Mascarenhas I, comendador

da Represa e Garvão, Comendador mor e

pertencente aos Treze na Ordem de Santiago,

pelo menos desde Janeiro de 1422 . Veio mais

tarde a ascender à Comenda mor desta milícia,

(Ordem de Santiago), tendo exercido estas

funções entre os anos de 1440 e 1454.

Era filho de Martim Vaz Mascarenhas Ide Évora. P.163

 

Fernão Martins Mascarenhas I, foi pai de

Martim Vaz Mascarenhas II, agraciado por

seu pai com a comenda de Aljustrel, a

31 de Janeiro de 1444. P. 173

 

Dos filhos de Martim Vaz Mascarenhas II, refira-se

Álvaro Mascarenhas II, comendador de Samora Correia

e membro dos Treze na Ordem de Santiago, que

casou com Mécia de Vasconcelos, filha de Vasco Pereira,

de quem herdou a referido comenda.

Desta união nasceu Luís Mascarenhas , que veio a receber

o hábito na Ordem de Santiago a 17 de Maio de 1510.

Mencionado como comendador de Garvão, Arrábida

e Belmonte na Ordem de Santiago. P.173

 

Mais informa a referida publicação, na página 180.

Sucedeu a Fernão Martins Mascarenhas na

administração da comenda de Garvão Vasco

Martins Moniz e em seguida, seu filho Cristóvão Moniz.

 

Surge igualmente na página 102 uma disposição do Mestre da Ordem de Santiago:

O Mestre estabelece o prazo de um ano para que na Igreja de

Garvão houvesse um missal , cortinas e armários.

(Se nesta igreja só foi apontada a falta de um missal, já em

Ourique, no ano de 1511,  foi sublinhada a falta de

outros livros, como foi o caso, por exemplo, de dois mis-

sais do costume de Évora e de um Domingal.

(IAN/TT., Ordem de Santiago, Códice nº 183, fl. 105).

 

        Quando da extinção do concelho de Garvão, pelo Decreto de 6 de Novembro de 1836, era comenda dos Condes de Basto.

 

           Assim, esvaziado das suas funções iniciais, o alcaide da reconquista, dará lugar ao comendador nos séculos seguintes, cargo honorífico com que o rei procurava agraciar os nobres, cavaleiros e aristocracia em geral. No século XVIII D. Maria I procurando sanar o aumento do número de concessão de hábitos e o consequente desprestígio que as ordens adquiriram, institui uma hierarquia nas principais Ordens do Reino,  Cristo, Aviz e Santiago, criando, para além dos já existentes cavaleiros, os comendadores e grão-cruzes, que perfaziam uma ordem hierárquica. Com isso, enquanto a Coroa podia continuar a distribuir em profusão os hábitos de cavaleiros, a nobreza poderia resguardar para si títulos distintos e mais valiosos hierarquicamente: de comendadores e grão-cruzes, o que permitia a Coroa angariar muitos serviços sem desprestigiar por completo as ordens. 

                Estes cargos, mediante compensação financeira, eram concedidos inclusivamente àqueles que não tinham condições para serem cavaleiros, aqueles que nela investissem garantiam para si e para seus filhos o direito de requerer o hábito de comendador. Quando a comenda era concedida, o agraciado deveria investir-se do hábito. Este era a insígnia que tornava possível a exibição no ambiente social do símbolo distintivo. Constituía-se de manto e medalhas da ordem à qual o cavaleiro pertencia. Com a reforma de D Maria I, foram instituídas distinções entre as medalhas e mantos de cavaleiros, comendadores e grão-cruzes.   

             Dos vários factores que terão contribuído para que indivíduos pertencentes à nobreza, procurassem ingressar nas Ordens Militares, são de salientar, entre outros, os seguintes:

          - A fragmentação da propriedade decorrente das partilhas igualitárias, praticada pelo menos até finais do séc. XIV, que contribuiu para a diminuição dos recursos que os diferentes beneficiados poderiam usufruir;

           - A institucionalização do morgadio, que por impossibilitar a divisão do núcleo patrimonial, determinava que apenas o filho primogénito varão fosse o único beneficiário, ficando os restantes herdeiros cerceados, muitas das vezes, de meios de subsistência;

          - A subida ao poder da Dinastia de Avis, e a entrega da administração das Ordens Militares aos Infantes que levou, muitos sectores da nobreza a olhar para o ingresso nestas instituições como uma possibilidade de aceder a cargos e a dignidades de relevo, aos centros de decisão – a Corte – e à principal fonte do poder – o Rei.

            - A possibilidade de quem ingressava nestas instituições poder dar continuidade a uma das suas principais funções – a guerra –, orientada para luta contra o Infiel, inimigo do nome de Cristo;

           - As reformas de que foram alvo algumas destas instituições – Avis e Cristo – que ao isentar os seus freires cavaleiros do voto de castidade, as tornou mais atractivas a determinados sectores da sociedade que viam nestas restrições um entrave de peso, para nelas ingressar;

      - E o acesso a novas fontes de rendimento, e a possibilidade de administrar, muitas vezes a título vitalício, vastas áreas geográficas pertencentes a estas instituições – ou seja, as Comendas.

publicado por José Pereira às 15:59

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ENQUADRAMENTO  LOCAL

 

           O Castro da Cola, encontra-se classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1910, traduzindo assim a sua importância em termos nacionais. Difere dos restantes itinerários arqueológicos devido à forma como foi planificada a sua promoção e organização da visita, já que abarca circuitos, que conduzem o visitante a diversos pontos de interesse turístico.

             Situa-se no interior do Baixo Alentejo, mais exactamente no concelho de Ourique, num território onde o Rio Mira e as suas margens abrigaram populações desde os tempos mais remotos, desenvolvendo actividades ligadas à agricultura, as quais estabeleciam um ténue contacto entre a terra e o rio que fertilizava  “uma zona pouco povoada, onde algumas aldeias dispersas pelo território (o Castro da Cola foi uma delas até ao século XIII) organizaram o povoamento” (IPPAR - Roteiros da Arqueologia Portuguesa: 2002; 9). Neste contexto destacam-se as pequenas explorações agrícolas complementadas com pequenas casas, formando o tão conhecido monte alentejano.

         Integram este circuito um conjunto de quinze sítios:

Fernão Vaz 1 - Neo-Calcolítico (Monumento Funerário Megalítico);

Fernão Vaz 2 - Neo-Clacolítico (Monumento Funerário Megalítico);

Cortadouro – Idade do Ferro e época indeterminada (Povoado);

Nora Velha 1 - Neo-Calcolítico, com reutilizações nas Idades do Bronze e Ferro (Monumento Funerário Megalítico);

Alcaria 1 – A e B - Idade do Bronze (Necrópole e estrutura associada);

Alcaria 2 - Idade do Bronze (Necrópole);

Atalaia - Idade do Bronze (Necrópole);

Fernão Vaz - Idade do Ferro, com uma ocupação posterior Medieval/Islâmica (Povoado);

Porto das Lajes - Idade do Ferro (Povoado);

Fernão Vaz - Idade do Ferro (Necrópole);

Casarão - Idade do Ferro (Monumento Funerário);

Pego da Sobreira - Idade do Ferro (Monumento Funerário);

Vaga da Cascalheira - Idade do Ferro (Necrópole);

Nora Velha 2 - Idade do Ferro (Necrópole);

Castro da Cola - Neolítico até à Época Medieval (Povoado).

            Este sítios ilustram diversas épocas e revelam a evolução humana ao longo dos tempos, numa área onde o clima era seco e no qual a água era um bem precioso e raro. Os pontos de interesse inseridos no itinerário arqueológico encontram-se dispersos em torno de um deles, que dá o nome ao próprio Circuito – o Castro da Cola.

           O CIRCUITO ARQUEOLÓGICO

           O circuito possui quinze pontos de relevância (já referidos), mas nem todos estão disponíveis para o visitante comum, devido aos difíceis acessos. Deste modo, o IPPAR pretende adquirir, num futuro próximo, um jipe para colmatar tais dificuldades, garantindo assim o acesso a todos os sítios mesmo os mais complicados como é o caso da Alcaria de Fernão Vaz, ainda não disponível ao comum turista/visitante.

           Face ao exposto, passaremos a descrever somente o que nos foi possível visitar – o Castro da Cola, ou seja o ponto central. Mesmo aqui encontrámos inúmeras dificuldades, nomeadamente a própria leitura (imediata) das ruínas dada a existência de inúmeras ervas que coabitam, descontroladamente, com os vestígios, pouco perceptíveis aos olhos do turista.

           PRECARIEDADE DO PERCURSO E SINALÉTICA EM DIFÍCIL ACESSO

          O difícil acesso e a deficitária leitura das placas dispostas pelo Castro da Cola, quase inviabilizam a compreensão do sítio. Torna-se imperativo o acompanhamento efectivo de um guia para que seja possível usufruir do local.

         O PERCURSO E AS PLACAS EXPLICATIVAS NO CASTRO DA COLA.

          As placas explicativas apresentam a mensagem principal escrita apenas em português. Os desenhos referentes ao que se está a visualizar no terreno não são de fácil apreensão, devido à projecção de números que identificam os compartimentos do Castro, o que poderá conduzir a umas interpretações desajustadas.

            INTERVENÇÃO E  MUSEALIZAÇÃO

           O Castro da Cola,  “foi um dos sítios arqueológicos portugueses que primeiro despertou a atenção dos antiquários” (IPPAR - Roteiros da Arqueologia Portuguesa: 2002; 7). Foram muitas as investigações realizadas neste terreno. No entanto, recorda-se a primeira escavação efectuada, a qual  “deve-se a Abel Viana (...) ao longo de muitos anos, e em condições (...) de uma extraordinária  dificuldade e de grande sacrifício pessoal, este investigador, notável pela sua capacidade de compreensão da realidade humana em que trabalhava (...) escavou o castro e vários monumentos ao redor” (IPPAR - Roteiros da Arqueologia Portuguesa: 2002; 7).

            Este investigador foi o impulsionador da descoberta e posterior inventariação das peças recolhidas. A sua obra foi continuada pelo arqueólogo Caetano de Mello Beirão o qual, na década de 70, realizou descobertas importantíssimas sobre a Idade do Ferro. Pode-se, pois, afirmar que  “a este arqueólogo se deve a primeira ideia de um parque arqueológico, hoje materializada no Circuito Arqueológico da Cola.” (IPPAR - Roteiros da Arqueologia Portuguesa: 2002; 7)

             Deste projecto a maior intervenção realizada consistiu na construção do Centro de Acolhimento e de Interpretação e no planeamento de um circuito delineado em pontos arqueológicos de indiscutível interesse. Todas estas intervenções ajudaram na concretização dos principais objectivos que fundamentam a definição actual do  Museu-Território.

               OS  VISITANTES

           Em reposta a este novo tipo de musealização, surge um visitante mais exigente em novos aspectos museológicos e informativos. Deste modo, teremos que criar estratégias apelativas e promocionais a fim de cativar os turistas, promovendo a sua deslocação ao circuito arqueológico estudado. Com base na perspectiva e testemunho do guia do circuito, é preciso aplicar métodos promocionais mais agressivos, promover conjuntamente este produto com outras potencialidades da região e, apostar fortemente na formação de recursos humanos, ou seja, em guias.

         Assim como exemplo, atrever-nos-íamos a afirmar que o Circuito Arqueológico da Cola é um espaço, actualmente, pouco apelativo e acessível. Graças ao recente Centro de Acolhimento e Interpretação e ao esforço na planificação do circuito, pretende-se num futuro próximo, com a aquisição de jipes, ou dos meios de transportes adequados que seja dada a possibilidade ao turista de sentir-se motivado e atraído para este tipo de produto.

           Com base na tipologia de Alberto Angela (1988) 15 e na experiência e testemunho do nosso guia/recepcionista ao Castro da Cola, podemos afirmar que os tipos de mercado correspondentes ao circuito são as  famílias , incluindo as  crianças , integradas nas visitas escolares ou nas famílias.

             Baseado no inquérito enviado ao Circuito Arqueológico da Cola identificamos uma grande oscilação no número de visitantes anuais, realçando o decréscimo registado no ano de 2003 e a posterior retoma no ano seguinte.

             É fulcral salientar o facto de não existir uma avaliação de mercado que nos possa auxiliar na importância do investimento que o IPPAR tem vindo a efectuar nos últimos 5 anos, com o objectivo de valorizar e estreitar a relação patrimonial entre o público e a população local. Como tal é urgente criar meios de análise que conduzam à avaliação e/ou adopção de estratégias eficazes para atingir o fim principal – atracção de turistas/visitantes.

          De acordo com a análise SWOT realizada durante a visita ao sítio arqueológico evidenciamos como principais fragilidades:

- A falta de sinalética durante o percurso exterior;

- A inexistência de informação turística noutras línguas estrangeiras;

- A precaridade nos acessos.

            Contudo, no inquérito preenchido pela entidade denotámos algumas disparidades comparativamente com a nossa análise. Por exemplo, quando a entidade refere a existência de idiomas na sinalização, que não detectámos, ou de placas identificativas no decorrer do percurso possibilitando a realização de trilhos autoguiados. De facto foi extremamente difícil realizar a visita sem o auxílio do guia/recepcionista do Centro de Acolhimento e Interpretação.

 

In: Sítios Arqueológicos E Centros De Interpretação, Em Portugal – Alentejo E Algarve

Patrícia Mareco, 2007

 

publicado por José Pereira às 15:00

Ao efectuar uma prisão

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Documento da Chancelaria de D. Afonso V, Livro 30, fólio 12.

 

             Segundo Luís Miguel Duarte, Justiça e Criminalidade no Portugal Medievo. Em Garvão (…), pai e filho, avisados de uma rixa, "sayram com senhas lanças nas mãaos pêra averem d'estremar" os desavindos. E encontraram alguns homens "apegados em huum Estevam Junqueiro seu primo parecendo lhe que davam nelle e lhe[s] diseram que o leixassem e elles o leixaram nom cuidando que elle estava presso".

            O alcaide, Estêvão Luís Viseu presenciou o incidente. Mais tarde, "foram dizer" ao juiz da vila que pai e filho tinham tirado o preso, Estêvão Junqueiro, da posse do alcaide. O juiz manifestou o propósito de prender de imediato os dois, ao que o suplicante, Afonso Eanes Carrasco (o filho) respondeu "que nom avia porque porque elle nom sabia que o Junqueiro estava preso nem o tirara salvo quanto lhe parecera que davam nelle e que hy estava o dicto Estevam Junqueiro que elle juiz bem poderia mandar prender o que elle juiz fazer nam quisera por nom teer delle querella nem denunciaçam algua soomente porque diziam que alevantara arroydo".

            A candura do relato é prejudicada pelo facto de, contra Afonso Eanes Carrasco, penderem mais três acusações de violência - mas fica a história (Chanc. Af. V, L. 30, fól. 126).

            A figura do Alcaide, como representante do rei, governador de vilas dotadas de fortificações depois da reconquista cristã em Portugal aparece amiúde na Carta de Foral de Garvão. A denominação derivou, contudo, do árabe, Al-Kaid ou Al-caid, pois na altura da presença muçulmana conheciam-se como alcaides os governadores de províncias ou de praças.

               A partir da época cristã, os alcaides (também chamados, num período inicial e por inspiração romana, de pretores, e depois de alcaides-mores ou maiores) viram a sua jurisdição alargada até abranger os territórios vizinhos.

               Estes funcionários pertenciam à nobreza e tinham como missão a defesa militar da vila e o desempenho de funções judiciais e administrativas, prestando contas diretamente ao rei. Nas alturas em que se tinha de ausentar da vila, era nomeado para o substituir um alcaide-pequeno ou alcaide-menor.

                O rei D. Dinis chegou a emitir forais em que impedia os alcaides de desempenhar funções judiciais, restringindo-os às militares. O título de alcaide era hereditário e tornou-se, a partir do século XVII, apenas sinal de honra e prestígio, visto que as funções que tradicionalmente desempenhara deixaram de existir. Estas mesmas funções, de gestão e coordenação, fizeram com que o título fosse assimilado em outros âmbitos, como a justiça (alcaide da vara), a educação das crianças da nobreza (alcaide dos donzéis) e os ofícios marítimos (alcaide do navio), por exemplo.

               Em relação aos presos o Foral de Garvão determina que o alcaide manteria na sua posse os bens do detido mesmo que apresentasse fiador antes ou depois do encarceramento no castelo, contudo, como se observou, só aos juízes cabia a ordem de captura, assim como teriam de ter conhecimento se à sua revelia alguém fosse preso e teriam de investigar, ao alcaide se não obedecesse às ordens dos juízes era-lhe vedado o direito de receber direitos de carceragem, “Todo homem que o alcayde prende e der fiador ante que ao Castello uaa daremno com todo o seu. E se fiador non acha e o leuam ao Castello depoys que der fiador daremno com todo seu. e se poys lly podem poer perante os juizes que feytor é daquillo que li apoem dê V soldos de aliubádigo e se llo non podem poer non nos dê.” (fl. 7r)

                  Contudo, as pelejas causadas pelos vizinhos nos termos da vila ou fora da área do concelho, os mesmos costumes estipulam igualmente de que terão de ser resolvidas pelo alcaide, no lugar dos Juizes, desde que estes não fossem capazes de o resolver, “Peleia que pelegem vezinos na villa ou fóra da uila se foren y os juyzes emfiinnos pera dereyto que façam dereyto perantelles. e se os juyzes se sy non acertarem traue en eles o alcayde e enfiios pera dereyto dos juyzes. e se for de morte non nos dê por fiadores e uiirem os juyzes e fazerem y com no alcayde todo dereyto aquelo que iaz en sa carta.”. (fl. 7r)

 

publicado por José Pereira às 14:52

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Faleceu há 50 anos

 

             Volvidos 50 anos sobre o falecimento do Arqueólogo Abel Viana (1896-1964), pretende este jornal homenagear esta figura marcante e incontornável da Arqueologia Portuguesa e evocar a sua generosa herança e o seu contributo em termos de produção científica e bibliográfica. Os seus trabalhos extrapolaram em muitos os limites geográficos do seu Minho natal, nos quais se destacam as investigações realizadas na região do Algarve e Alentejo, o exemplo do empenho laborioso no estudo, salvaguarda e divulgação do património local/regional, garantindo assim às gerações vindouras o acesso a testemunhos imprescindíveis para o conhecimento da ocupação humana no nosso país.

               No Alentejo produziu grande parte das suas investigações históricas e arqueológicas, principalmente na região de Beja, embora nunca tenha perdido o contacto com o Algarve e o seu Minho natal. Referente a Garvão dá a conhecer pela primeira vez os monumentos megalíticos que se encontram em torno da vila nas publicações “Monumentos megalíticos dos arredores do concelho de Ourique” editadas pelos anos cinquenta do século passado. Os materiais arqueológicos que encontrou foram entregues a museus públicos como o Museu dos Serviços Geológicos em Lisboa, os museus de Elvas, Faro, Lagos, o Museu de Viana do castelo, o Museu – Biblioteca da Fundação da Casa de Bragança e o Museu Regional de Beja, cumprindo a promessa de preservação, salvaguarda e divulgação da nossa herança histórica e cultural.

               O último grande trabalho a que se dedicou foram as escavações arqueológicas do castro de Nossa Senhora da Cola, no concelho de Ourique. Sob o patrocínio da Fundação Gulbenkian, começou os trabalhos em 1958 baseado nas primeiras referências de André de Resende, D. Frei Manuel do Cenáculo e Leite de Vasconcelos. Colocou a muralha a descoberto, restaurou-a, procedeu à escavação do local e inventariou os materiais aí encontrados. Estudou todo o conjunto da Cola (castelo, fortificações secundárias e respetivas necrópoles) descobrindo o que restou de um monumento megalítico no Barranco da Nora Velha e uma necrópole da Idade do Bronze na Herdade da Atalaia. Neste conjunto encontrou materiais arqueológicos das sucessivas ocupações: neolítico, romano, visigótico e islâmico. Alguns destes importantes achados deram entrada no Museu Regional de Beja.

             Depois de seis longos anos de trabalho na Cola, fez a última visita ao local em janeiro de 1964, integrado numa visita com o ministro das Obras Públicas. Todo o esforço e empenho que colocou na descoberta, estudo e divulgação das ruínas tinham valido a pena, assim o expressa numa carta enviada a um amigo e discípulo:

              “Foi grande o dia para Ourique, uma verdadeira data histórica. E para a Senhora da Cola Idem. No ‘Diário do Alentejo’ terás visto aquele passo do ministro no qual assinalou a contribuição importante que para o património arqueológico do País representa o castro da Cola que há muito desejava visitar e cuja defesa e valorização eram apoiados com fundamentado interesse pelo Ministério das Obras Públicas. Vê lá tu! E eu com tantas atrapalhações, porque o dinheiro tem sido pouco e pago tão tarde que tenho andado sempre com milhares de escudos adiantados do meu bolso e a incerteza de que mos paguem! Isto é assim mesmo meu velho: temos que nos arriscar e sacrificar muito, até que nos vejam e nos façam justiça. Agora parece que a coisa carrila devidamente. Antes que arrefeça, vou-me desunhar em relatórios, exposições, sugestões, petições, (...).”

            Não chegou a concretizar este último sonho, faleceu na madrugada de 17 de fevereiro de 1964. Por sua expressa vontade foi sepultado em Beja, a sua amada Pax Julia. Tinha 68 anos.

 

publicado por José Pereira às 14:47

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A Caminho da Feira de Garvão

 

            Há patinhas d’um ladrão, naquele tempo as coisas eram levadas da breca, em se juntando a Zefinha de Portel, ceguinha, apoiada no seu velho companheiro Faísca, o Norberto Gateiro da Chada-Velha, o Adelino do Monte da Vinha e outros tangedores mendicantes, era certo que iria dar cantoria, e, já agora, que bem soava ouvi-los, mas também era certo que em o vinho começando a fermentar naquelas cabecinhas, mais cedo ou mais tarde iria dar pancadaria.

            A Zefinha, coitada, ceguinha, bem se tentava abrigar dos porradões que soavam à sua volta, o Faísca bem tentava, coitado, escapulir dos bordões que no ar zuniam e segurando no braço da ceguinha para lá a encaminhava para fora daquele reboliço todo.

            Quem não se dava muito bem com aquilo tudo era o António Emídio, tinha vindo de propósito da Aldeia de Palheiros para a anual feira de Garvão e o acostumado cante ao baldão, desgarrada ou despique como lhe quiserem chamar, de viola à tiracolo metia-se direito ao Curral Velho, uma copada com um bom pedaço de conduto no Encalho e em menos de nada, que é como quem diz ao fim de uma semana ou duas, estava na Feira de Garvão.

            A visita ao compadre Zé na taberna do Saraiva também era uma obrigação, senão na ida pelo menos na volta, apesar de depois de umas boas cantorias agarrado à viola sobrarem sempre umas boas sopas e faltar sempre o bom vinho, a ti’Maria do Saraiva é que não o largava, era malina, queria era “Balho”, mas então quem é que se agarrava atracado a um pedaço de mulher daquelas, usava uma cinta de lã preta para segurar a saia que dava duas voltas à cintura de qualquer homem, uma vez desancou de tal maneira o Blei do Vale de Mu que se não a tivessem agarrado tinha-o enforcado com a cinta de uma oliveira abaixo.

            Então o malandro, assim relatava a criatura, não tem vergonha depois do bailarico em que os rodopios da ti’Maria até faziam o Blei levantar os pés no ar com a cabeça bem enterrada nos farfalhudos peitos, valendo-lhe a providencial cinta, onde se agarrava, até que esta se desmanchou e por pouco não ficava a mulher em trajes menores, (se os havia), diante daquele pagode todo, e ainda por cima com o outro a querer beija-la, o pior não eram as tentativas beijoriqueiras do Blei, o pior era quando o raio do tabaco queimava os poucos pêlos que sobressaíam das bexigas na cara da ti’Maria, aí é que estava o caldo entornado, “tamas o que é isto, tás parvo ou quê”, assim dizia de sua justiça, e dizendo isto afinca-lhe três bordoadas que o deixaram espojado nos restos da calçada do monte, entre ais para aqui e uis para ali, o certo é que os polaropos que tinha na cabeça já ninguém lhos tirava.

            Mas valia a pena, quem é que arredava pé, diante de tal cantoria, da Corte Malhão vinha o Miguel Guerreiro, do Monte da Viúvas em Almodôvar vinha o Belchior, e até das bandas de Alcoutim vinha o Romanito cego, e muito cantavam aquelas alminhas, a Ti’Mariana da estação d’Ourique não tocava, nunca teve muito jeito para aquilo, mas arrufava bem e era certo que quem se metesse com ela à despique ou à desgarrada, tinha que puxar muito bem pela cachimónia para lhe dar a volta, e aquilo é que era cantar, animavam as vendas das aldeias e os bailes no caminho para as feiras, ganhavam umas coroas aqui e umas sopas ali, dormiam ora em palheiros ora ao relento, mas não era disso que cantavam, "Não quero que vás à monda", "Avoa, pombinha avoa", "Oh que festa linda festa", "Fui colher uma romã", "Baile do pézinho" ou "Quero ir para o altinho, qu'eu daqui não vejo bem, quero ir ver o meu amor, se ele adora mais alguém", assim cantavam as modas e picados por uns e por outros lá vinham à baila os despiques, salpicados aqui e acolá com alguns versos mais atrevidos para consolo e galhofada da assistência.

            Até o desgraçado do Finfas e o Figueiredo parvo de Panóias, com o seu sorriso cacofónico, por lá apareciam, esses eram pedintes, corriam atrás das moças e dos moços.

            O Manuel Inácio Verónica das Amoreiras-Gare andava de “balho” em “balho” pelas terras vizinhas, e lá arranjava sempre maneira para que a sua volta nos fins de Abril, princípios de Maio ir dar a Garvão, este ano chegou mais cedo, bem o trombicaram no baile do “Vale Ganim”, para lá o arrastaram desde o Chaparral à pressa para ir tocar num baile-promessa e quando lá chegou já o magala Almerindo dos Arraiois estava em cima da mesa agarrado a um harmónio, como aquilo soava mais alto que a viola, para lá lhe deram umas migas para ele se calar, mas não, não se sentia bem com o outro todo arrufado em cima da mesa a debitar aqueles fados que tinha aprendido lá para a cidade, “nam senhor, aqui nam fico”, e arrancou direito ao monte Major onde o velho amigo Estopa lhe arranjaria, com certeza, dormida nas arramadas junto ao gado e com um pouco de sorte, depois de umas cantorias valentes agarrado à viola, para lá lhe arranjaria, também, qualquer coisa quente que se coma.

publicado por José Pereira às 14:36

01
Jul 21

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Entrevista ao Jornal de Garvão, em Fevereiro de 1995

 

J.G. (Jornal de Garvão) – Há quanto tempo toca viola campaniça?

M.B. (Manuel Bento) – Comecei a tocar aos 14 anos, portanto há 55 anos.

J.G. – O que o incentivou a tocar viola campaniça?

M.B. – Era a cultura do nosso povo. Naquela altura ou tocávamos flauta ou viola, era o nosso desporto. O meu pai já tocava, e ao ver o meu pai tocar, resolvi seguir a arte. O meu pai tinha um comércio de mercearia e taberna, e por vezes, quando o meu pai estava ocupado a trabalhar na taberna, era eu que tocava para os clientes.

J.G. – Qual a origem deste instrumento?

M.B. – Não tenho bem a certeza mas segundo o Dr. José Francisco Colaço, é originário do séc. XI, talvez dos árabes. As regiões onde é mais comum é nos concelhos de Castro Verde, Ourique e Odemira.

J.G. – Faz ideia de quantas pessoas tocam este instrumento?

M.B.- Sinceramente, não. Mas que eu conheça tocam ainda viola campaniça o Sr. Bento da Parreira, o Sr. Adílio do Monte Ruivo, o Sr. Joaquim Simão de Sines, o Sr. Henrique da Fragosa de Ourique, o Sr. Joaquim Rosa das Amoreiras, o Sr. António Jacinto da Figueirinha/Odemira, o Sr. Bernardo da Aldeia das Amoreiras que é aprendiz, o Sr. Manuel Laranjinha e o Sr. Francisco António.

 

VEJO MUITO POUCO INTERESSE POR PARTE DOS JOVENS

 

J.G. – Como vê o interesse dos jovens, e população em geral, relativamente à música regional, nomeadamente a viola campaniça?

M.B.- Vejo muito pouco interesse por parte dos jovens, pois já tenho tido casos, como o seu, que vieram cá tentar aprender a tocar, mas depois deixam de cá vir. Até houve uma rapariga que veio cá para aprender, e até já tocava viola clássica, e perguntou-me quanto é que eu levava por lição, e eu disse-lhe para vir porque o que eu queria é que, se ela tivesse gosto em aprender, eu teria gosto em lhe ensinar. Mas como era de longe e se calhar os horários do comboio não lhe serviram, deixou de vir. Por isso, como vê acho que há muito pouco interesse pela viola campaniça.

J.G.- Sabemos que já tem viajado bastante, na divulgação desta arte...

M.B.- Pois, é verdade temos viajado de Norte a Sul, e já tivemos a oportunidade de estar em muitas das regiões do nosso país, mas como pode calcular não me lembro de todas, pois já foram muitas, mas muita das vezes até não vamos, pois veja, ainda há pouco tempo fomos convidados para ir ao Porto, três dias, mas já se torna muito cansativo. Mas convites não nos faltam.

J.G. – Mas também já teve a oportunidade de sair do país para tocar, onde?

M.B. – Sim, é verdade. Tive a oportunidade de ir ao Canadá, onde íamos todos os dias tocar à casa do Alentejo, em Toronto. Também era para termos ido a Itália, mas foi cancelado, sabe-se lá porquê. Fomos também convidados para ir tocar ao Luxemburgo, quando fosse inaugurada a casa do Alentejo, mas ainda não sabemos se vamos ou não.

J.G. – Qual a receptividade das pessoas, nos sítios onde já tocou?

M.B. – A maioria das pessoas têm gostado de ouvir a viola campaniça, olhe, quando nós fomos ao Porto a casa estava cheia, maioritariamente por jovens, e fomos muito bem recebidos, mas vai-se a ver e ninguém falou que quer aprender, ninguém pergunta se há cassetes...

 

O SR. MANUEL ESTAVA TÃO EMBALADO QUE NÃO O QUISEMOS INTERROMPER...

 

...quer dizer, gostam de ouvir mas não querem aprender, mas sabe, as modas da viola campaniça são aquelas modas já antigas, mas eu vejo as pessoas tocarem essas modas com um banjo, com uma guitarra, porque é que também não aprendem a tocá-las com a viola campaniça? Faz-me confusão, as pessoas aplaudirem, gostarem e não querer aprender.

J.G.- Voltando um pouco atrás, já soubemos que foi tocar à televisão...

M.B. – Fui tocar ao concurso da Filha da Cornélia e ao programa do Júlio Isidro (Turno da Noite). Mas gostei mais de ir ao programa do Sr. Júlio Isidro, sabe porquê? Porque lá, a sala era muito fresquinha e estava-se lá muito bem, e na Cornélia, era um calor que não se gramava. E depois ainda tinha outra coisa, no programa do sr. Júlio Isidro, as pessoas da palteia eram atendidos pelas empregadas, e todos tinham lá o seu copo de água, na Cornélia não davam água a ninguém, com o calor daqueles, olhe, outra vez que tenha oportunidade de lá ir já não vou, com um calor daqueles torna-se muito cansativo.

J.G.- Qual foi a sensação de estar na televisão?

M.B. – Olhe, na primeira vez, quando me sentei em frente às câmaras, na “Filha da Cornélia”, senti-me um pouco nervoso, estava lá muito nervoso até, isto é, estar em frente às câmaras e não fazermos aquilo que a ideia nos pede, pois se eu conseguisse fazer melhor fazia, mas não conseguia. Ainda por cima, depois de tocar, os júris que lá estavam diziam que não conheciam aquele instrumento, não podiam pontuar porque não o conheciam, não tinham livro nenhum da viola campaniça. Inclusive um professor de música que fazia parte do júri disse que não podia pontuar porque não percebia, não conhecia o instrumento, gostou, ,mas não se sentia em condições para pontuar uma coisa que não percebia.

Um professor de música que não conhece este instrumento, e todos nós sabemos a quem é que cabe a divulgação dos instrumentos musicais e tipos de música. E tendo em conta que este instrumento e sua música são parte integrante da nossa música tradicional, temos que admitir que é, no mínimo curioso, o seu desconhecimento por parte de pessoas com formação musical.

J.G.- Podemos então dizer que o Sr. Já andou por muitas paragens?

M.B. – É verdade, até já andei de mais, porque sabe, a idade já é um bocadinho avançada, pois quando somos novos, é uma coisa, mas agora, já pensamos de outra forma.

 

ROSA DE CASA NÃO CHEIRA (...) GOSTAVA DE ENCONTAR ALGUÉM QUE TOCASSE MELHOR QUE EU

 

J.G.- Não acha curioso, que apesar de já ter tocado em tantos lados, nem uma vez, em termos de festas, etc, tocou em Garvão, freguesia onde habita?

M.B. – Sabe, é que, costuma-se dizer, rosa de casa não cheira. Não quer dizer que eu não toque, mas quando toco é sempre em casas particulares, ora veja, aqui na Funcheira já tenho tocado, convidei pessoas amigas, dei aqui um jantar e tocou-se aqui o Baldão, mas mais nada. Por isso veja lá se é como eu digo ou não, a rosa de casa não cheira. As pessoas dizem, olha aquilo que ele faz também eu faço, mas eu gostava de os ver tocar, mas as pessoas não aparecem. Olhe, e digo-lhes uma coisa, em todos os lados em que eu vou tocar, gostava muito de encontrar alguém que tocasse melhor que eu. Isso é que eu gostava, pois tinha a oportunidade de aprender qualquer coisa, mas não encontro, e enquanto os jovens não se meterem à frente disto, porque como se costuma dizer, cavalo velho não toma dentadura Porque o velho pouco vai aprender, porque agora dava-se o caso de eu ouvir alguém tocar melhor que eu, podia aprender a florear melhor ou a tirar outro ritmo da viola, mas pouco mais faria. Porque se você vier aqui aprender a tocar, como é novo, se calhar, ainda vai longe, mas agora um velho, esse não vai muito longe.

J.G. – Quer dizer que daqui até Garvão ou nesta zona nem um convite lhe fizeram para você tocar?

M.B. – Não, quer dizer, eu já tenho ido a Garvão tocar, mas sempre a casa de particulares, fora isso, não tenho ido a mais lado nenhum. Este ano é que me convidaram para uma festinha qualquer por causa do aniversário dos miúdos, mas por infelicidade o meu tio não pôde vir, pois eu toco sempre com o meu tio, e como ele não pôde vir eu não fui, pois caso contrário tinha tido muito gosto em ir.

J.G.- Quais os apoios que tem recebido para que possa continuar a divulgar a viola campaniça?

M.B.- Realmente, os apoios não têm sido poucos, ora veja você o que esta gente de Castro Verde tem feito pela viola campaniça, eles têm posto transporte à ordem para que nós possamos andar de Norte a Sul do país, e de vez em quando lá vem qualquer coisa para a ajuda das cordas da viola.

J.G.- E qual é a pessoa ou instituição que está por detrás de todo este apoio?

M.B.- É o Dr. José Francisco Colaço, esse senhor é que tem puxado por nós e não só, pois ele tem lá mais dois  grupos lá em Castro Verde, e nós, eu e o meu tio e a minha esposa, somos reconhecidos como as violas campaniças de Castro Verde, mas não, deveria ser as violas campaniças de Ourique, pois nós, quer eu, quer o meu tio, quer a minha esposa, somos todos naturais da freguesia de Ourique. Mas não acontece assim, porque Ourique não puxou por nós, porque senão éramos as violas campaniças de Ourique. Mas também posso afirmar que a nossa ida ao programa do Sr. Júlio Isidro é obra da Câmarade Ourique. Esta conversa surgiu num almoço em que lá estava o Dr. José Francisco e ao falar-se em nós como sendo as violas campaniças de Castro Verde, surgiu uma senhora, D. Sandra mais propriamente que disse que as violas campaniças não eram de Castro Verde, mas sim de Ourique pois nós éramos naturais de Ourique, e sendo assim vão à televisão e a câmara de Ourique é que os vai lá levar, e assim foi.

J.G.- Além do Dr. José Francisco, não tem tido apoio de mais ninguém, de mais nenhuma instituição?

M.B.- Não, tem sido só Castro Verde e o Dr. José Francisco Colaço através da Cooperativa da Informação e Cultura Cortiçol de Castro Verde, são eles que mais nos têm apoiado.

 

ESTOU DISPOSTO A ENSINAR AOS JOVENS O POUCO QUE SEI

J.G.- Voltemos então aos jovens. Julga que eles serão acapazes de manter viva esta tradição? Estaria disposto a contribuir para isso?

M.B.- Acho que sim, que os jovens são capazes de manter viva a tradição, e quanto a mim estarei disposto a fazer o máximo possível para que eles aprendam. Estou disposto a lhes ensinar o pouco que sei e a partir daí eles puxarão por si próprios e poderão fazer melhor. Mas o jovem terá de ter força de vontade porque se não tiver não chega lá.

J.G.- E que acha por exemplo haver uma escola para aprender a tocar a viola campaniça?

M.B. – Olhe em Castro Verde falou-se nisso, em se montar uma escola, em que eu mais o meu tio íamos lá uma vez por semana, ensinar a quatro ou cinco jovens, ou até mais, mas isso morreu porque não encontraram quem se inscrevesse, porque se se inscrevessem lá dez ou doze jovens, isso tinha ido para a frente, por isso é que eu digo que Castro Verde tem feito muito pela viola campaniça, mas não tem conseguido, tanto que eu tenho uma viola em casa que o Dr. José Francisco mandou fazer para eu ensinar a quem quisesse aprender e comprou outra para o meu tio com o mesmo fim, mas então, os jovens não aparecem, que hei-de eu fazer!

J.G.- O Sr. Acha que a viola campaniça é um instrumento em vias de extinção, ou julga que ainda poderá a ser ouvido nas terras alentejanas como no tempo da sua mocidade?

M.B.- Eu acho que se os jovens tiverem vontade este não é um instrumento em vias de extinção. Ainda há por aí muitas violas campaniças. Olhe elas são fabricadas em Braga, não sei se as fabricam em mais algum lado, mas dessas mais antigas sei que existem algumas em casa de alguns particulares, mas não as emprestam, não as vendem nem as dão, e o que servem essas violas se as pessoas não querem aprender. Eu até já disse à minha esposa, quando eu falecer, dá a viola a uma instituição qualquer, em Garvão, em Ourique ou em Castro Verde, para que as pessoas possam aprender, ora então o que é que ela fica aqui em casa a fazer, se as pessoas da família não a quiserem...

J.G.- E quanto aos tocadores, acha que eles vão deixar acabar esta arte?

M.B.- Julgo que não, pois tenho até provas disso, como é o caso do Sr. Bernardo, que é um pouco mais novo que e e que já toca algumas modas e que de hoje para amanhã já é capaz de tocar em qualquer lado. Mas bom mesmo era que fosse um homem de vinte ou dezassete anos, pois tinha mais anos pela frente, mas então...

publicado por José Pereira às 22:06

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Apreciação do vice-presidente do Concelho Superior de Obras Públicas e Minas, em 1915, sobre as propostas de localização da estação de entroncamento da linha do Vale do Sado com a linha do Sul - Garvão ou Funcheira.

 

              Este artigo tem como base um trabalho realizado no âmbito da disciplina de Arqueologia Industrial da licenciatura de Arqueologia por mim frequentado e pelas minhas colegas Patrícia Monteiro e Inês Estevão que em conjunto realizamos a investigação sobre o complexo da Funcheira. Contamos com o apoio do senhor José Luís Mendes como fonte oral e antigo funcionário do complexo ferroviário da Funcheira sendo assim uma excelente fonte para perceber o contexto de funcionamento do complexo ferroviário da Funcheira e também agradecer o apoio e disponibilidade dos arquivos da REFER.

            Com o decorrer da investigação nos arquivos da REFER, deparamo-nos com milhares de caixas com documentos de todo o tipo a nível nacional, principalmente documentos relacionados com obras e aquisição de máquinas de apoio ferroviário.

            Com a exaustiva procura no meio de milhares caixas, deparamo-nos com uma apreciação do vice-presidente do Concelho Superior de Obras Públicas e Minas sobre as propostas de localização da estação de entroncamento da linha do Vale do Sado com a linha do Sul, onde se discute a implantação de uma nova estação. Este documento é datado de 16 de Março de 1915.

                Como já referi, um dos poucos documentos que encontrámos nos Arquivos Ferroviários da REFER sobre a Funcheira foi uma apreciação do Concelho Superior das Obras Públicas e Minas que apresentou ao Concelho de Administração dos Caminhos-de-ferro do Estado o projecto datado de 21 de Janeiro 1915, da estação de entroncamento da linha do Vale do Sado com a linha do Sul, elaborado pelo Serviço de Construção da Direcção dos Caminhos-de-ferro do Sul e Sueste.

Desta apreciação foram estudadas quatro soluções.

            Nas duas primeiras é aproveitada a actual estação de Garvão, ampliando-a.

            Na terceira é colocada a nova estação no ponto de entroncamento, no quilómetro 219,500 da linha do Sul, que corresponde a recta onde está a actual estação da Funcheira.

            Na quarta estabelece-se a estação mais além daquele ponto, ao quilómetro 218.440.20, ao meio de uma recta de 700 metros de extensão, colocada em patamar, que pensamos que seja a zona da rotunda ou do antigo campo de futebol do Funcheirense.

 

            Conforme a memória descritiva do Serviço de Construção, “e com essa opinião o Concelho se conforma”, a estação de Garvão não foi susceptível de ampliação conveniente para garantir as condições de circulação exigidas pelo aumento de tráfego “que há a esperar, em futuro não muito remoto, da exploração que, vai começar na zona servida pela linha do Valle do Sado e do desenvolvimento sucessivo da província do Algarve, tanto pelo que respeita á sua agricultura como á industria de conservas.”

            Este Concelho pôs de parte as duas primeiras soluções, tanto mais que os seus orçamentos eram exagerados.

            As duas últimas soluções, “enquanto às suas condições técnicas, satisfazem bem, e, pode dizer-se, por igual.”

            A apreciação deste Concelho Superior das Obras Públicas e Minas tendeu a favor da terceira, concluiu que a “estação fica mais bem disposta para distribuição do tráfego, visto que é necessário para o serviço local conservar a actual estação de Garvão, e o seu orçamento é um pouco mais reduzido.

            Julgou este Conselho, conformando-se com a opinião do Serviço de Construção e com a Direcção, que é esta a solução mais conveniente.”

 

            Aqui fica a apreciação que no qual teve início a construção do complexo da Funcheira, outrora uma estação muito importante de transbordo, completando a ligação entre a linha do Sul com a linha do Algarve, sendo que se tornava uma paragem obrigatória para quem quisesse fazer este percurso, desempenhando assim o papel inicial de protagonista na bifurcação destas duas linhas ferroviárias, mais tarde com a linha do Sado.

               Noutros tempos, onde a tecnologia que dispomos não era a mesma, o complexo ferroviário da Funcheira albergava centenas de ferroviários, que vê a sua decadência nos finais dos anos 90 até à sua electrificação já no séc. XXI que pós fim a necessidade de ter ali trabalhadores para a sua manutenção. Assim assiste-se hoje a uma paisagem ferroviária abandonada por força do tempo e da globalização, ficando nas nossas memórias as recordações e edificações do seu espaço.

 

José Daniel Malveiro

 

publicado por José Pereira às 21:59

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Resumo

             Pretende este artigo estudar e dar a conhecer um conjunto de estelas discóides, talhadas em xisto grauvaquico, descobertas junto ao Cemitério Velho da vila de Garvão (concelho de Ourique). Estelas estas descobertas fora do muro que delimita o chamado Cemitério Velho, provenientes da necrópole medieval de Garvão. Os enterramentos no Cemitério Velho prolongaram-se até 1937, data do primeiro enterramento  realizado no novo cemitério da vila de Garvão.

            De realçar, neste conjunto de estelas, o facto de dois daqueles monólitos, conterem iconografia gravada, e/ou em relevo, indicando a profissão dos inumados: um agricultor e um besteiro.

 

Introdução

             Os ritos funerários e o culto aos mortos tem sido uma constante da presença humana desde a antiguidade, as cabeceiras de sepultura utilizadas na Idade Média, nos monumentos funerários, representam uma prática constante da humanidade, transversal a várias culturas e épocas: o desejo de imortalizar os mortos. Estas origens, apesar de difícil temporização, encontram-se desde a pré-história.

             Não se conhece quaisquer aspectos relacionados com a referida necrópole medieval, sendo, portanto, este presente artigo inédito sobre esta matéria. A referida Necrópole encontra-se localizada no pequeno cerro a Sul do “castelo” e junto à igreja da localidade. Tem surgido, ao longo dos anos, fragmentos de estelas discóides medievais que os habitantes foram recolhendo e utilizando para as mais diversas tarefas, nomeadamente na construção de muros das habitações ou dos quintais, devendo-se a salvaguarda das estelas, que são o objecto deste estudo, a espíritos mais esclarecidos que as têm salvaguardado, nestes últimos anos, de destinos menos próprios.

                 O Cerro do Castelo de Garvão ocupa um cerro aplanado, em posição inter-fluvial. Rodeiam-no a nascente a Ribeira de Garvão e a poente a Ribeira de S. Martinho, situando-se o ponto de confluência dos dois cursos de água no lado norte do cerro. As ribeiras, que pertencem á bacia hidrográfica do Sado são marcados por regimes irregulares, notando-se, contudo, vertentes íngremes do seu leito ao topo do cerro da necrópole e do castelo que garantem perfeitas condições de defesa ao local, justificando ocupações desde épocas antigas.

                O foral de Garvão data de Fevereiro de 1267 e a vila manteve alguma importância durante o antigo regime, até à extinção do concelho em 1836 e das várias alterações que caracterizaram o regime liberal do século XIX. A passagem da principal estrada de Lisboa para o Algarve: a feira de Garvão (local de comercialização dos rebanhos em regime de transumância que desciam para os pastos do Campo de Ourique), não seriam alheios à importância da vila de Garvão durante o período medieval. Em redor do cemitério velho, hoje desactivado, têm surgido abundantes ruínas e materiais arqueológicos, nomeadamente as estelas discóides que se vai abordar neste artigo.

                Os materiais arqueológicos recolhidos no local, tanto no cerro do cemitério velho como no cerro do castelo, reportam-se ao Bronze Final, à II Idade do Ferro, aos períodos romano, islâmico, medieval e moderno. Os trabalhos arqueológicos realizados em Garvão nos anos 80 proporcionaram a escavação de um importante depósito de oferendas e ex-votos da segunda metade do século III a.C.

           A parte mais importante da ocupação islâmica e, de acordo com trabalhos arqueológicos recentes, parece situar-se a nascente do cemitério velho e junto à igreja da localidade.

             A maioria das presentes Estelas foram achadas, em 1991, no decorrer dos trabalhos de alargamento da via pública, postas a descoberto pela bulldozer da Câmara Municipal, conjuntamente com diversos fragmentos de ossos, cerâmica e várias peças pétreas, numa zona reconhecidamente como prolífera em materiais arqueológicos.

             Duas das estelas deste estudo, a estela seis e sete, foram reutilizadas em construções mais recentes, tendo sido posteriormente identificadas e recolhidas pelo autor.

         O presente artigo tem, pois, como principais objectivos, dar a conhecer um conjunto, inédito e pouco conhecido, das estelas discóides medievais da necrópole de Garvão.

 

Suporte, forma e iconografia das estelas discóides de Garvão

            Os fragmentos correspondestes ás sete estelas discoides de Garvão foram, conforme referi, talhados em xisto, de tom claro, a rocha mais comum na região.

            Estes monólitos exibiam forma bem característica, que alguns autores interpretam como antropomórfica (forma humana), com corpo de contorno circular, ou de disco, e perfil rectangular, com forma cilíndrica, por vezes também nomeados de cabeça assente em pé, ou base, paralepipeda.

            Considero, nas descrições efectuadas, como anversos as superfícies decoradas com motivos aniconicos, e como reversos as superfícies decoradas com motivos cruciformes, de clara conotação sagrada. No anverso de duas estelas mostram decorações cruciformes, como também no reverso da estela nº 4, tal como os contendo, em relevo ou gravados, simbologia relacionada com a ocupação profissional, que se julga ser complemento da sinalética religiosa.

            Os motivos cruciformes que decoram os reversos e dois dos anversos de cinco dos monumentos estudados, repetem-se em três estelas, apresentando uma delas a mesma decoração, tanto no anverso como no reverso. Estes motivos são muito recorrentes tendo sido descritos no catálogo elaborado por J. Beleza Moreira. As cruzes constituem símbolos do cristianismo e são elementos considerados com alto valor apotropaico.

            Em duas estelas que apresentam no reverso motivos cruciformes, nos seus anversos apresentam: Uma um pentagrama em relevo, e a outra um hexagrama que ao centro possui um disco com estrela de seis raios inscrita, ou hexafolio.

               Os pentagramas, ou estrela de cinco pontas, estão relacionadas com a fonte da luminosidade, da fonte de luz, o seu carácter celeste faz das estrelas símbolos de espírito e conflito entre as forças espirituais ou da luz e, as forças materiais ou das trevas. A estrela de cinco pontas, tal como o número cinco, é um símbolo de perfeição e da manifestação central da luz, do centro místico e de um universo em constante expansão, traçada entre o céu e a terra representa o homem renegado, radioso como a luz, no meio das trevas do mundo profano.

                Através dos séculos houve sempre a preferência por uma estrela de cinco pontas, como figura dos astros de aparência menor do que a do sol e da lua. O planeta Vénus tem sido representado assim e é considerado uma estrela matinal e vespertina, ensejou lendas sem conta. Por outro lado, a estrela de cinco pontas sempre foi, desde tempos remotos e até hoje, o distintivo de comandantes militares, e de generais.

            O hexagrama, figura feita de dois triângulos equiláteros sobrepostos, ou entrecruzados, um apontado para cima, outro apontado para baixo, de modo a que o conjunto constitua uma estrela de seis pontas, é uma das representações simbólicas mais universais. Entre os hebreus, cristãos e muçulmanos chama-se Selo de Salomão. Esta figura contém, em primeiro lugar, os quatro elementos: o triângulo com o vértice para cima representa o fogo; o triangulo com o vértice para baixo a agua; o triângulo do fogo truncado pela base do triângulo da água designa o ar; por outro lado, o triangulo da agua truncado pela base do triangulo do fogo correspondendo a terra. O todo, reunido no hexagrama constitui o conjunto dos elementos do universo.

            As rosetas, hexafolios ou rosáceas de várias pétalas, muito frequentes no médio oriente, consideram-se como tendo especificamente um significado profiláctico contra o mau-olhado, por outro lado pode figurar o Sol.

            Dois daqueles monólitos mostram, no anverso e conforme mencionei, representações de artefactos capazes de indicarem a ocupação profissional dos indivíduos cujas sepulturas demarcavam.

            O arado radial indicaria, sem dúvida, a sepultura de um lavrador, ou de alguém associado ao trabalho agrícola. A besta representaria a sepultura de um besteiro, que poderia ter pertencido ao corpo de besteiros do antigo município de Garvão.

              J. Beleza Moreira (1987) na sua descrição de cento de dezanove estelas com artefactos de ofícios, somente identifica trinta e nove estelas cujos motivos se podem atribuir ao ofício de lavrador. Destas trinta e nove estelas, vinte e três mostram imagens claras de arados e destas, somente dezasseis apresentam o arado associado a outros instrumentos e alfaias agrícolas. Não figurando somente o arado, mas incluído numa temática com mais símbolos, como a estela de Garvão parece representar, e que não se encontra no catálogo de J. Beleza Moreira (1987).

            A temática decorativa pode representar o céu ou um arco-íris, Sol ou Lua, terra arável ou água, temática ainda difícil de ser interpretada com fundamentos credíveis.

            As estelas com a representação de Bestas são muitos raras em Portugal. Beleza Moreira (1990 e 1994) identifica duas estelas pertencentes a besteiros. O corpo de Besteiro é uma das mais originais e bem sucedidas experiências da organização militar portuguesa medieval: a milícia dos Besteiros do Conto, criada por D. Dinis em finais do século XIII, marcou presença nas mais importantes operações militares de todo o século XIV e atingia, nas primeiras décadas do século XV, um total de 5000 efectivos provenientes de perto de 300 unidades locais de recrutamento.

 

Ritual Funerário

             As estelas funerárias discóides medievais são indissociáveis dos rituais funerários e das sepulturas dos indivíduos que memoralizavam. Segundo Beleza Moreira (1984), identifica cento e quarenta e oito destes monumentos no Distrito de Beja, sendo este, o Distrito com mais frequência destes monumentos. 

            As sete estelas discóides de Garvão assumem significado especial, não só por estas serem inéditas em Garvão e em todo o concelho de Ourique, mas pelo facto de serem provenientes da necrópole anexa à antiga Igreja do Sagrado Espírito Santo.

          As estelas discóides de Garvão assinalariam sepulturas em fossa, escavadas no solo, e por vezes cobrindo o defunto com lajes de cobertura. Estas sepulturas poderiam possuir pequeno tumulus de terra e, talvez de pequenas pedras, encontrando-se orientadas no sentido nascente-poente, sendo o cadáver depositado, apenas envolto numa mortalha, com a cabeça voltada para aquela última direcção (Gomes e Gomes, 2006).

            Tratar-se-ia, possivelmente de gente autóctone, cuja condição sócio-económica permitia este tipo de estelas decoradas, últimas memorias dos mesmos, que ajudariam a personificar através da indicação profissional.

            As sepulturas, com estelas ou sem elas, formavam junto à Igreja o cemitério da vila de Garvão, integrado durante a Idade Media na topografia urbana possivelmente amuralhada. A orientação das sepulturas e dos cadáveres, com a cabeça voltada para ocidente e pés para oriente é muito comum na Europa, sobretudo a partir do século XI, sendo idêntica á orientação da Igreja de Cristo, voltada para nascente e para o Futuro. Trata-se de aspecto ritual, adoptado pelo Cristianismo, sendo detectado em necrópoles tardo-romanas e visigóticas, mas estando conotado com o movimento solar e com a ideia do seu renascimento diário, Contudo, a face do cadáver deveria olhar o firmamento ou o Céu.

           Este aspecto ritual mencionado, com implicações sócias, reflecte pratica difundida na Europa Cristã.

 

Cronologia

            Segundo Mário e Rosa Varela Gomes, a datação através do método radiocarbono ao esqueleto da sepultura dezassete na sua intervenção em Silves, indica-nos uma cronologia para os séculos XIII ou XIV, tendo em consideração a similaridade entre a estela desta sepultura e as encontradas em Garvão, poderemos apresentar uma data cronológica para a necrópole de Garvão, sensivelmente para a mesma época.

 

Conclusões

          As representações de ofícios em estelas funerárias constituem importantes indicadores da sua importância e da sua distribuição, a uma escala local, contribuindo, também, para a construção de quadros económicos e sociais.

         Este artigo resulta da recolha e do estudo, inédito de sete estelas discóides recolhidas em 1991 junto ao Cemitério Velho da vila de Garvão, lugar presumível da Igreja do Sagrado Espírito Santo.

         Estas cabeceiras de sepultura seriam provenientes do adro da referida Igreja, onde eram efectuados os enterramentos da população em geral, como era hábito, até à revolução Liberal do século XIX.

           A introdução da lei que institui o uso de Cemitérios Públicos e proibiu os enterramentos junto às Igrejas não foi pacífica, provocando várias revoltas populares pela população que queriam continuar a enterrar os seus mortos em solo sagrado.

             No caso concreto de Garvão no sentido de manter o Cemitério no mesmo local, preferiu-se demolir a própria Igreja, ao contrário das outras terras que mantiveram a Igreja e construíram um novo Cemitério noutro local.

             Esta zona, situada em posição elevada, como que dominando a vila, e dentro da cerca defensiva do primitivo núcleo urbano da vila de Garvão, denota uma cronologia bastante recuada em função dos vestígios achados nesta zona, as próprias paredes, do que agora é conhecido por Cemitério Velho, denota a existência de várias construções anteriores aproveitadas na sua construção, nomeadamente a Igreja do Sagrado Espírito Santo.

            O conhecimento desta Igreja é escasso, resumindo-se à menção em vários dicionários chorograficos do século passado como o do Pinho Leal e ao achado de várias peças pétreas como a pia baptismal, três fechos de abobada e as estelas objecto deste artigo.

            Arqueologia não é só desvendar o passado é também construir o futuro, o estudo das Estelas Medievais ou Cabeceiras de Sepulturas pretende contribuir, não só para um melhor entendimento das populações desta localidade em tempos medievais, mas de uma forma geral contribuir para o estudo e divulgação desta prática.

            Procura-se assim, com este trabalho, efectuar a devida inventariação dos achados enquadrando num contexto local os diferentes aspectos destas estelas, nomeadamente os diversos desenhos que as adornam de carácter religioso, profissional ou económico. 

 

Bibliografia

BEIRÃO, C. de M.; SILVA, C. Tavares da; SOARES, J.; Gomes, M. Varela e GOMES R. Varela (1985) – “Deposito Votivo da II Idade do Ferro de Garvão. Noticia da primeira campanha de escavações”. O Arqueólogo Português, S. IV, 3, p.45-136.

DIAS, Jorge. (1982). Os arados Portugueses e as suas prováveis origens. Vila da Maia: Gráfica Maiadouro.

GOMES, M. V.; GOMES, R. V. (2006). Estelas discóides da necrópole da Sé de Silves (Algarve, Portugal). Contexto e cronologia. In: O Arqueólogo Português, Suplemento n.º 3. Lisboa, p. 309-330

MOREIRA, J. B. (1994). Algumas profissões representadas em estelas discoides portuguesas. Cuardenos de Seccíon. Antropologia – Etnografia 10, p. 271-296.

MOREIRA, J. B. (1984). Typologie des stèles discoidales du Portugal. Hil Harriak. Bayonne. P. 319-345 (Actes du Colloque Internacional sur la Stèle Discoidale).

MOREIRA, J. B. (1990). Instrumentos de ofício de lavrador em estelas discoides portuguesas. In Signalisations de Sepultures et Stèles Discoidales. Ve –XIXe Siècles. Carcassonne: Centre d´Arqueologie Médievale du Languedoc. P.191-198.

 

In: José Daniel Malveiro. Estelas Medievais do Distrito de Beja. Mestrado em Arqueologia, UNL-FCSH, Lisboa. 2013.

publicado por José Pereira às 21:42

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