Propriedades da Comenda
No Livro da Misericórdia e do Sagrado Espirito Santo de Garvão tomamos conhecimento da existência da Comenda da vila de Garvão e propriedades pertença desta.
Assim na folha 14, referente às confrontações da herdade do Arzil, “… cuja Erdade parte por huma parte com terras da Capela da Coroa e chamada de Anal, e com terras da Xarneca que são de Conselho desta Vila e com a Erdade de Orta das Masans que hé da Comenda desta Vila e com terras da Erdade de Val de Inxares de baixo de Dom Sebastião Maldonado, e por outra que hé pelo Nascente com terras do mesmo Dom Sebastião e com farrigial dos Erdeiros de Manoel Fernandes de Val de Inxares, e com terras de Dona Maria Bernarda de Odemira”
Na folha 22, referente à Courela do Maó páso, “…. e confronta a dita courela com a Erdade do pixouto, e a Erdade de Carvalheira de baixo e terras da Comenda e ribeira que vem das Amoreiras”.
A origem das ordens militares, criadas no século XII, está associada às cruzadas e à Reconquista cristã da Península Ibérica. Caracterizam-se como braços armados da cristandade. Os seus cavaleiros deveriam seguir uma vida regrada pelas leis cristãs, assim como os monges, com votos de castidade, pobreza e obediência.
A Ordem de Santiago, criada em 1290, cuja administração, denominada de Mestrado, estava sob a responsabilidade do mestre e era de facto, conjuntamente com as outras ordens militares em Portugal, o braço armado da Coroa portuguesa.
Durante a reconquista, entre os vários funcionários públicos do concelho, constava o cargo de Alcaide, (do árabe al-qā'id, «o líder») com responsabilidade não só na defesa da povoação e do território, mas igualmente, como chefe das forças militares do concelho, cavaleiros, peões e besteiros, tinha a responsabilidade de organizar os fossados em terras inimigas.
O Alcaide vivia geralmente no Castelo com a sua família, tendo igualmente a responsabilidade na sua conservação, e apesar de não responder perante o concelho, pois era de facto nomeado pelo rei, era-lhes contudo concedido terras na área do concelho para rendimento e uso próprio.
Com o decorrer do tempo, findas as guerras com os muçulmanos, perdeu o seu carácter bélico e tornou-se gradualmente um mero magistrado judicial de nomeação régia o que causava várias dissabores entre os vizinhos concelhios, levando os procuradores dos municípios às Cortes a se queixaram ao monarca dos abusos cometidos pelos alcaides, tendo o rei então nomeado um outro alcaide, designado por alcaide menor, entre os homens-bons (vizinhos) do concelho, para vigiar a actividade do alcaide, entretanto re-designado alcaide maior.
Ao longo dos séculos, diversas reformas foram esvaziando de poderes desta magistratura, tornando-a meramente honorífica. A distribuição de comendas foi uma importante ferramenta para que os monarcas portugueses conseguissem mais serviços de vassalagem da aristrocacia com relevância no rendimento desta e no processo de concentração linhagística nas mesmas.
De facto em Comendas das Ordens Militares na Idade Média, Actas do Seminário Internacional Porto, 3 e 4 de Novembro de 2008, nomeia vários titulares da comenda de Garvão da família Mascarenhas, de bisavô para bisneto e na família Moniz de pai para filho.
Fernão Martins Mascarenhas I, comendador
da Represa e Garvão, Comendador mor e
pertencente aos Treze na Ordem de Santiago,
pelo menos desde Janeiro de 1422 . Veio mais
tarde a ascender à Comenda mor desta milícia,
(Ordem de Santiago), tendo exercido estas
funções entre os anos de 1440 e 1454.
Era filho de Martim Vaz Mascarenhas Ide Évora. P.163
Fernão Martins Mascarenhas I, foi pai de
Martim Vaz Mascarenhas II, agraciado por
seu pai com a comenda de Aljustrel, a
31 de Janeiro de 1444. P. 173
Dos filhos de Martim Vaz Mascarenhas II, refira-se
Álvaro Mascarenhas II, comendador de Samora Correia
e membro dos Treze na Ordem de Santiago, que
casou com Mécia de Vasconcelos, filha de Vasco Pereira,
de quem herdou a referido comenda.
Desta união nasceu Luís Mascarenhas , que veio a receber
o hábito na Ordem de Santiago a 17 de Maio de 1510.
Mencionado como comendador de Garvão, Arrábida
e Belmonte na Ordem de Santiago. P.173
Mais informa a referida publicação, na página 180.
Sucedeu a Fernão Martins Mascarenhas na
administração da comenda de Garvão Vasco
Martins Moniz e em seguida, seu filho Cristóvão Moniz.
Surge igualmente na página 102 uma disposição do Mestre da Ordem de Santiago:
O Mestre estabelece o prazo de um ano para que na Igreja de
Garvão houvesse um missal , cortinas e armários.
(Se nesta igreja só foi apontada a falta de um missal, já em
Ourique, no ano de 1511, foi sublinhada a falta de
outros livros, como foi o caso, por exemplo, de dois mis-
sais do costume de Évora e de um Domingal.
(IAN/TT., Ordem de Santiago, Códice nº 183, fl. 105).
Quando da extinção do concelho de Garvão, pelo Decreto de 6 de Novembro de 1836, era comenda dos Condes de Basto.
Assim, esvaziado das suas funções iniciais, o alcaide da reconquista, dará lugar ao comendador nos séculos seguintes, cargo honorífico com que o rei procurava agraciar os nobres, cavaleiros e aristocracia em geral. No século XVIII D. Maria I procurando sanar o aumento do número de concessão de hábitos e o consequente desprestígio que as ordens adquiriram, institui uma hierarquia nas principais Ordens do Reino, Cristo, Aviz e Santiago, criando, para além dos já existentes cavaleiros, os comendadores e grão-cruzes, que perfaziam uma ordem hierárquica. Com isso, enquanto a Coroa podia continuar a distribuir em profusão os hábitos de cavaleiros, a nobreza poderia resguardar para si títulos distintos e mais valiosos hierarquicamente: de comendadores e grão-cruzes, o que permitia a Coroa angariar muitos serviços sem desprestigiar por completo as ordens.
Estes cargos, mediante compensação financeira, eram concedidos inclusivamente àqueles que não tinham condições para serem cavaleiros, aqueles que nela investissem garantiam para si e para seus filhos o direito de requerer o hábito de comendador. Quando a comenda era concedida, o agraciado deveria investir-se do hábito. Este era a insígnia que tornava possível a exibição no ambiente social do símbolo distintivo. Constituía-se de manto e medalhas da ordem à qual o cavaleiro pertencia. Com a reforma de D Maria I, foram instituídas distinções entre as medalhas e mantos de cavaleiros, comendadores e grão-cruzes.
Dos vários factores que terão contribuído para que indivíduos pertencentes à nobreza, procurassem ingressar nas Ordens Militares, são de salientar, entre outros, os seguintes:
- A fragmentação da propriedade decorrente das partilhas igualitárias, praticada pelo menos até finais do séc. XIV, que contribuiu para a diminuição dos recursos que os diferentes beneficiados poderiam usufruir;
- A institucionalização do morgadio, que por impossibilitar a divisão do núcleo patrimonial, determinava que apenas o filho primogénito varão fosse o único beneficiário, ficando os restantes herdeiros cerceados, muitas das vezes, de meios de subsistência;
- A subida ao poder da Dinastia de Avis, e a entrega da administração das Ordens Militares aos Infantes que levou, muitos sectores da nobreza a olhar para o ingresso nestas instituições como uma possibilidade de aceder a cargos e a dignidades de relevo, aos centros de decisão – a Corte – e à principal fonte do poder – o Rei.
- A possibilidade de quem ingressava nestas instituições poder dar continuidade a uma das suas principais funções – a guerra –, orientada para luta contra o Infiel, inimigo do nome de Cristo;
- As reformas de que foram alvo algumas destas instituições – Avis e Cristo – que ao isentar os seus freires cavaleiros do voto de castidade, as tornou mais atractivas a determinados sectores da sociedade que viam nestas restrições um entrave de peso, para nelas ingressar;
- E o acesso a novas fontes de rendimento, e a possibilidade de administrar, muitas vezes a título vitalício, vastas áreas geográficas pertencentes a estas instituições – ou seja, as Comendas.