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Jul 21

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Entrevista ao Jornal de Garvão, em Fevereiro de 1995

 

J.G. (Jornal de Garvão) – Há quanto tempo toca viola campaniça?

M.B. (Manuel Bento) – Comecei a tocar aos 14 anos, portanto há 55 anos.

J.G. – O que o incentivou a tocar viola campaniça?

M.B. – Era a cultura do nosso povo. Naquela altura ou tocávamos flauta ou viola, era o nosso desporto. O meu pai já tocava, e ao ver o meu pai tocar, resolvi seguir a arte. O meu pai tinha um comércio de mercearia e taberna, e por vezes, quando o meu pai estava ocupado a trabalhar na taberna, era eu que tocava para os clientes.

J.G. – Qual a origem deste instrumento?

M.B. – Não tenho bem a certeza mas segundo o Dr. José Francisco Colaço, é originário do séc. XI, talvez dos árabes. As regiões onde é mais comum é nos concelhos de Castro Verde, Ourique e Odemira.

J.G. – Faz ideia de quantas pessoas tocam este instrumento?

M.B.- Sinceramente, não. Mas que eu conheça tocam ainda viola campaniça o Sr. Bento da Parreira, o Sr. Adílio do Monte Ruivo, o Sr. Joaquim Simão de Sines, o Sr. Henrique da Fragosa de Ourique, o Sr. Joaquim Rosa das Amoreiras, o Sr. António Jacinto da Figueirinha/Odemira, o Sr. Bernardo da Aldeia das Amoreiras que é aprendiz, o Sr. Manuel Laranjinha e o Sr. Francisco António.

 

VEJO MUITO POUCO INTERESSE POR PARTE DOS JOVENS

 

J.G. – Como vê o interesse dos jovens, e população em geral, relativamente à música regional, nomeadamente a viola campaniça?

M.B.- Vejo muito pouco interesse por parte dos jovens, pois já tenho tido casos, como o seu, que vieram cá tentar aprender a tocar, mas depois deixam de cá vir. Até houve uma rapariga que veio cá para aprender, e até já tocava viola clássica, e perguntou-me quanto é que eu levava por lição, e eu disse-lhe para vir porque o que eu queria é que, se ela tivesse gosto em aprender, eu teria gosto em lhe ensinar. Mas como era de longe e se calhar os horários do comboio não lhe serviram, deixou de vir. Por isso, como vê acho que há muito pouco interesse pela viola campaniça.

J.G.- Sabemos que já tem viajado bastante, na divulgação desta arte...

M.B.- Pois, é verdade temos viajado de Norte a Sul, e já tivemos a oportunidade de estar em muitas das regiões do nosso país, mas como pode calcular não me lembro de todas, pois já foram muitas, mas muita das vezes até não vamos, pois veja, ainda há pouco tempo fomos convidados para ir ao Porto, três dias, mas já se torna muito cansativo. Mas convites não nos faltam.

J.G. – Mas também já teve a oportunidade de sair do país para tocar, onde?

M.B. – Sim, é verdade. Tive a oportunidade de ir ao Canadá, onde íamos todos os dias tocar à casa do Alentejo, em Toronto. Também era para termos ido a Itália, mas foi cancelado, sabe-se lá porquê. Fomos também convidados para ir tocar ao Luxemburgo, quando fosse inaugurada a casa do Alentejo, mas ainda não sabemos se vamos ou não.

J.G. – Qual a receptividade das pessoas, nos sítios onde já tocou?

M.B. – A maioria das pessoas têm gostado de ouvir a viola campaniça, olhe, quando nós fomos ao Porto a casa estava cheia, maioritariamente por jovens, e fomos muito bem recebidos, mas vai-se a ver e ninguém falou que quer aprender, ninguém pergunta se há cassetes...

 

O SR. MANUEL ESTAVA TÃO EMBALADO QUE NÃO O QUISEMOS INTERROMPER...

 

...quer dizer, gostam de ouvir mas não querem aprender, mas sabe, as modas da viola campaniça são aquelas modas já antigas, mas eu vejo as pessoas tocarem essas modas com um banjo, com uma guitarra, porque é que também não aprendem a tocá-las com a viola campaniça? Faz-me confusão, as pessoas aplaudirem, gostarem e não querer aprender.

J.G.- Voltando um pouco atrás, já soubemos que foi tocar à televisão...

M.B. – Fui tocar ao concurso da Filha da Cornélia e ao programa do Júlio Isidro (Turno da Noite). Mas gostei mais de ir ao programa do Sr. Júlio Isidro, sabe porquê? Porque lá, a sala era muito fresquinha e estava-se lá muito bem, e na Cornélia, era um calor que não se gramava. E depois ainda tinha outra coisa, no programa do sr. Júlio Isidro, as pessoas da palteia eram atendidos pelas empregadas, e todos tinham lá o seu copo de água, na Cornélia não davam água a ninguém, com o calor daqueles, olhe, outra vez que tenha oportunidade de lá ir já não vou, com um calor daqueles torna-se muito cansativo.

J.G.- Qual foi a sensação de estar na televisão?

M.B. – Olhe, na primeira vez, quando me sentei em frente às câmaras, na “Filha da Cornélia”, senti-me um pouco nervoso, estava lá muito nervoso até, isto é, estar em frente às câmaras e não fazermos aquilo que a ideia nos pede, pois se eu conseguisse fazer melhor fazia, mas não conseguia. Ainda por cima, depois de tocar, os júris que lá estavam diziam que não conheciam aquele instrumento, não podiam pontuar porque não o conheciam, não tinham livro nenhum da viola campaniça. Inclusive um professor de música que fazia parte do júri disse que não podia pontuar porque não percebia, não conhecia o instrumento, gostou, ,mas não se sentia em condições para pontuar uma coisa que não percebia.

Um professor de música que não conhece este instrumento, e todos nós sabemos a quem é que cabe a divulgação dos instrumentos musicais e tipos de música. E tendo em conta que este instrumento e sua música são parte integrante da nossa música tradicional, temos que admitir que é, no mínimo curioso, o seu desconhecimento por parte de pessoas com formação musical.

J.G.- Podemos então dizer que o Sr. Já andou por muitas paragens?

M.B. – É verdade, até já andei de mais, porque sabe, a idade já é um bocadinho avançada, pois quando somos novos, é uma coisa, mas agora, já pensamos de outra forma.

 

ROSA DE CASA NÃO CHEIRA (...) GOSTAVA DE ENCONTAR ALGUÉM QUE TOCASSE MELHOR QUE EU

 

J.G.- Não acha curioso, que apesar de já ter tocado em tantos lados, nem uma vez, em termos de festas, etc, tocou em Garvão, freguesia onde habita?

M.B. – Sabe, é que, costuma-se dizer, rosa de casa não cheira. Não quer dizer que eu não toque, mas quando toco é sempre em casas particulares, ora veja, aqui na Funcheira já tenho tocado, convidei pessoas amigas, dei aqui um jantar e tocou-se aqui o Baldão, mas mais nada. Por isso veja lá se é como eu digo ou não, a rosa de casa não cheira. As pessoas dizem, olha aquilo que ele faz também eu faço, mas eu gostava de os ver tocar, mas as pessoas não aparecem. Olhe, e digo-lhes uma coisa, em todos os lados em que eu vou tocar, gostava muito de encontrar alguém que tocasse melhor que eu. Isso é que eu gostava, pois tinha a oportunidade de aprender qualquer coisa, mas não encontro, e enquanto os jovens não se meterem à frente disto, porque como se costuma dizer, cavalo velho não toma dentadura Porque o velho pouco vai aprender, porque agora dava-se o caso de eu ouvir alguém tocar melhor que eu, podia aprender a florear melhor ou a tirar outro ritmo da viola, mas pouco mais faria. Porque se você vier aqui aprender a tocar, como é novo, se calhar, ainda vai longe, mas agora um velho, esse não vai muito longe.

J.G. – Quer dizer que daqui até Garvão ou nesta zona nem um convite lhe fizeram para você tocar?

M.B. – Não, quer dizer, eu já tenho ido a Garvão tocar, mas sempre a casa de particulares, fora isso, não tenho ido a mais lado nenhum. Este ano é que me convidaram para uma festinha qualquer por causa do aniversário dos miúdos, mas por infelicidade o meu tio não pôde vir, pois eu toco sempre com o meu tio, e como ele não pôde vir eu não fui, pois caso contrário tinha tido muito gosto em ir.

J.G.- Quais os apoios que tem recebido para que possa continuar a divulgar a viola campaniça?

M.B.- Realmente, os apoios não têm sido poucos, ora veja você o que esta gente de Castro Verde tem feito pela viola campaniça, eles têm posto transporte à ordem para que nós possamos andar de Norte a Sul do país, e de vez em quando lá vem qualquer coisa para a ajuda das cordas da viola.

J.G.- E qual é a pessoa ou instituição que está por detrás de todo este apoio?

M.B.- É o Dr. José Francisco Colaço, esse senhor é que tem puxado por nós e não só, pois ele tem lá mais dois  grupos lá em Castro Verde, e nós, eu e o meu tio e a minha esposa, somos reconhecidos como as violas campaniças de Castro Verde, mas não, deveria ser as violas campaniças de Ourique, pois nós, quer eu, quer o meu tio, quer a minha esposa, somos todos naturais da freguesia de Ourique. Mas não acontece assim, porque Ourique não puxou por nós, porque senão éramos as violas campaniças de Ourique. Mas também posso afirmar que a nossa ida ao programa do Sr. Júlio Isidro é obra da Câmarade Ourique. Esta conversa surgiu num almoço em que lá estava o Dr. José Francisco e ao falar-se em nós como sendo as violas campaniças de Castro Verde, surgiu uma senhora, D. Sandra mais propriamente que disse que as violas campaniças não eram de Castro Verde, mas sim de Ourique pois nós éramos naturais de Ourique, e sendo assim vão à televisão e a câmara de Ourique é que os vai lá levar, e assim foi.

J.G.- Além do Dr. José Francisco, não tem tido apoio de mais ninguém, de mais nenhuma instituição?

M.B.- Não, tem sido só Castro Verde e o Dr. José Francisco Colaço através da Cooperativa da Informação e Cultura Cortiçol de Castro Verde, são eles que mais nos têm apoiado.

 

ESTOU DISPOSTO A ENSINAR AOS JOVENS O POUCO QUE SEI

J.G.- Voltemos então aos jovens. Julga que eles serão acapazes de manter viva esta tradição? Estaria disposto a contribuir para isso?

M.B.- Acho que sim, que os jovens são capazes de manter viva a tradição, e quanto a mim estarei disposto a fazer o máximo possível para que eles aprendam. Estou disposto a lhes ensinar o pouco que sei e a partir daí eles puxarão por si próprios e poderão fazer melhor. Mas o jovem terá de ter força de vontade porque se não tiver não chega lá.

J.G.- E que acha por exemplo haver uma escola para aprender a tocar a viola campaniça?

M.B. – Olhe em Castro Verde falou-se nisso, em se montar uma escola, em que eu mais o meu tio íamos lá uma vez por semana, ensinar a quatro ou cinco jovens, ou até mais, mas isso morreu porque não encontraram quem se inscrevesse, porque se se inscrevessem lá dez ou doze jovens, isso tinha ido para a frente, por isso é que eu digo que Castro Verde tem feito muito pela viola campaniça, mas não tem conseguido, tanto que eu tenho uma viola em casa que o Dr. José Francisco mandou fazer para eu ensinar a quem quisesse aprender e comprou outra para o meu tio com o mesmo fim, mas então, os jovens não aparecem, que hei-de eu fazer!

J.G.- O Sr. Acha que a viola campaniça é um instrumento em vias de extinção, ou julga que ainda poderá a ser ouvido nas terras alentejanas como no tempo da sua mocidade?

M.B.- Eu acho que se os jovens tiverem vontade este não é um instrumento em vias de extinção. Ainda há por aí muitas violas campaniças. Olhe elas são fabricadas em Braga, não sei se as fabricam em mais algum lado, mas dessas mais antigas sei que existem algumas em casa de alguns particulares, mas não as emprestam, não as vendem nem as dão, e o que servem essas violas se as pessoas não querem aprender. Eu até já disse à minha esposa, quando eu falecer, dá a viola a uma instituição qualquer, em Garvão, em Ourique ou em Castro Verde, para que as pessoas possam aprender, ora então o que é que ela fica aqui em casa a fazer, se as pessoas da família não a quiserem...

J.G.- E quanto aos tocadores, acha que eles vão deixar acabar esta arte?

M.B.- Julgo que não, pois tenho até provas disso, como é o caso do Sr. Bernardo, que é um pouco mais novo que e e que já toca algumas modas e que de hoje para amanhã já é capaz de tocar em qualquer lado. Mas bom mesmo era que fosse um homem de vinte ou dezassete anos, pois tinha mais anos pela frente, mas então...

publicado por José Pereira às 22:06

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Apreciação do vice-presidente do Concelho Superior de Obras Públicas e Minas, em 1915, sobre as propostas de localização da estação de entroncamento da linha do Vale do Sado com a linha do Sul - Garvão ou Funcheira.

 

              Este artigo tem como base um trabalho realizado no âmbito da disciplina de Arqueologia Industrial da licenciatura de Arqueologia por mim frequentado e pelas minhas colegas Patrícia Monteiro e Inês Estevão que em conjunto realizamos a investigação sobre o complexo da Funcheira. Contamos com o apoio do senhor José Luís Mendes como fonte oral e antigo funcionário do complexo ferroviário da Funcheira sendo assim uma excelente fonte para perceber o contexto de funcionamento do complexo ferroviário da Funcheira e também agradecer o apoio e disponibilidade dos arquivos da REFER.

            Com o decorrer da investigação nos arquivos da REFER, deparamo-nos com milhares de caixas com documentos de todo o tipo a nível nacional, principalmente documentos relacionados com obras e aquisição de máquinas de apoio ferroviário.

            Com a exaustiva procura no meio de milhares caixas, deparamo-nos com uma apreciação do vice-presidente do Concelho Superior de Obras Públicas e Minas sobre as propostas de localização da estação de entroncamento da linha do Vale do Sado com a linha do Sul, onde se discute a implantação de uma nova estação. Este documento é datado de 16 de Março de 1915.

                Como já referi, um dos poucos documentos que encontrámos nos Arquivos Ferroviários da REFER sobre a Funcheira foi uma apreciação do Concelho Superior das Obras Públicas e Minas que apresentou ao Concelho de Administração dos Caminhos-de-ferro do Estado o projecto datado de 21 de Janeiro 1915, da estação de entroncamento da linha do Vale do Sado com a linha do Sul, elaborado pelo Serviço de Construção da Direcção dos Caminhos-de-ferro do Sul e Sueste.

Desta apreciação foram estudadas quatro soluções.

            Nas duas primeiras é aproveitada a actual estação de Garvão, ampliando-a.

            Na terceira é colocada a nova estação no ponto de entroncamento, no quilómetro 219,500 da linha do Sul, que corresponde a recta onde está a actual estação da Funcheira.

            Na quarta estabelece-se a estação mais além daquele ponto, ao quilómetro 218.440.20, ao meio de uma recta de 700 metros de extensão, colocada em patamar, que pensamos que seja a zona da rotunda ou do antigo campo de futebol do Funcheirense.

 

            Conforme a memória descritiva do Serviço de Construção, “e com essa opinião o Concelho se conforma”, a estação de Garvão não foi susceptível de ampliação conveniente para garantir as condições de circulação exigidas pelo aumento de tráfego “que há a esperar, em futuro não muito remoto, da exploração que, vai começar na zona servida pela linha do Valle do Sado e do desenvolvimento sucessivo da província do Algarve, tanto pelo que respeita á sua agricultura como á industria de conservas.”

            Este Concelho pôs de parte as duas primeiras soluções, tanto mais que os seus orçamentos eram exagerados.

            As duas últimas soluções, “enquanto às suas condições técnicas, satisfazem bem, e, pode dizer-se, por igual.”

            A apreciação deste Concelho Superior das Obras Públicas e Minas tendeu a favor da terceira, concluiu que a “estação fica mais bem disposta para distribuição do tráfego, visto que é necessário para o serviço local conservar a actual estação de Garvão, e o seu orçamento é um pouco mais reduzido.

            Julgou este Conselho, conformando-se com a opinião do Serviço de Construção e com a Direcção, que é esta a solução mais conveniente.”

 

            Aqui fica a apreciação que no qual teve início a construção do complexo da Funcheira, outrora uma estação muito importante de transbordo, completando a ligação entre a linha do Sul com a linha do Algarve, sendo que se tornava uma paragem obrigatória para quem quisesse fazer este percurso, desempenhando assim o papel inicial de protagonista na bifurcação destas duas linhas ferroviárias, mais tarde com a linha do Sado.

               Noutros tempos, onde a tecnologia que dispomos não era a mesma, o complexo ferroviário da Funcheira albergava centenas de ferroviários, que vê a sua decadência nos finais dos anos 90 até à sua electrificação já no séc. XXI que pós fim a necessidade de ter ali trabalhadores para a sua manutenção. Assim assiste-se hoje a uma paisagem ferroviária abandonada por força do tempo e da globalização, ficando nas nossas memórias as recordações e edificações do seu espaço.

 

José Daniel Malveiro

 

publicado por José Pereira às 21:59

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Resumo

             Pretende este artigo estudar e dar a conhecer um conjunto de estelas discóides, talhadas em xisto grauvaquico, descobertas junto ao Cemitério Velho da vila de Garvão (concelho de Ourique). Estelas estas descobertas fora do muro que delimita o chamado Cemitério Velho, provenientes da necrópole medieval de Garvão. Os enterramentos no Cemitério Velho prolongaram-se até 1937, data do primeiro enterramento  realizado no novo cemitério da vila de Garvão.

            De realçar, neste conjunto de estelas, o facto de dois daqueles monólitos, conterem iconografia gravada, e/ou em relevo, indicando a profissão dos inumados: um agricultor e um besteiro.

 

Introdução

             Os ritos funerários e o culto aos mortos tem sido uma constante da presença humana desde a antiguidade, as cabeceiras de sepultura utilizadas na Idade Média, nos monumentos funerários, representam uma prática constante da humanidade, transversal a várias culturas e épocas: o desejo de imortalizar os mortos. Estas origens, apesar de difícil temporização, encontram-se desde a pré-história.

             Não se conhece quaisquer aspectos relacionados com a referida necrópole medieval, sendo, portanto, este presente artigo inédito sobre esta matéria. A referida Necrópole encontra-se localizada no pequeno cerro a Sul do “castelo” e junto à igreja da localidade. Tem surgido, ao longo dos anos, fragmentos de estelas discóides medievais que os habitantes foram recolhendo e utilizando para as mais diversas tarefas, nomeadamente na construção de muros das habitações ou dos quintais, devendo-se a salvaguarda das estelas, que são o objecto deste estudo, a espíritos mais esclarecidos que as têm salvaguardado, nestes últimos anos, de destinos menos próprios.

                 O Cerro do Castelo de Garvão ocupa um cerro aplanado, em posição inter-fluvial. Rodeiam-no a nascente a Ribeira de Garvão e a poente a Ribeira de S. Martinho, situando-se o ponto de confluência dos dois cursos de água no lado norte do cerro. As ribeiras, que pertencem á bacia hidrográfica do Sado são marcados por regimes irregulares, notando-se, contudo, vertentes íngremes do seu leito ao topo do cerro da necrópole e do castelo que garantem perfeitas condições de defesa ao local, justificando ocupações desde épocas antigas.

                O foral de Garvão data de Fevereiro de 1267 e a vila manteve alguma importância durante o antigo regime, até à extinção do concelho em 1836 e das várias alterações que caracterizaram o regime liberal do século XIX. A passagem da principal estrada de Lisboa para o Algarve: a feira de Garvão (local de comercialização dos rebanhos em regime de transumância que desciam para os pastos do Campo de Ourique), não seriam alheios à importância da vila de Garvão durante o período medieval. Em redor do cemitério velho, hoje desactivado, têm surgido abundantes ruínas e materiais arqueológicos, nomeadamente as estelas discóides que se vai abordar neste artigo.

                Os materiais arqueológicos recolhidos no local, tanto no cerro do cemitério velho como no cerro do castelo, reportam-se ao Bronze Final, à II Idade do Ferro, aos períodos romano, islâmico, medieval e moderno. Os trabalhos arqueológicos realizados em Garvão nos anos 80 proporcionaram a escavação de um importante depósito de oferendas e ex-votos da segunda metade do século III a.C.

           A parte mais importante da ocupação islâmica e, de acordo com trabalhos arqueológicos recentes, parece situar-se a nascente do cemitério velho e junto à igreja da localidade.

             A maioria das presentes Estelas foram achadas, em 1991, no decorrer dos trabalhos de alargamento da via pública, postas a descoberto pela bulldozer da Câmara Municipal, conjuntamente com diversos fragmentos de ossos, cerâmica e várias peças pétreas, numa zona reconhecidamente como prolífera em materiais arqueológicos.

             Duas das estelas deste estudo, a estela seis e sete, foram reutilizadas em construções mais recentes, tendo sido posteriormente identificadas e recolhidas pelo autor.

         O presente artigo tem, pois, como principais objectivos, dar a conhecer um conjunto, inédito e pouco conhecido, das estelas discóides medievais da necrópole de Garvão.

 

Suporte, forma e iconografia das estelas discóides de Garvão

            Os fragmentos correspondestes ás sete estelas discoides de Garvão foram, conforme referi, talhados em xisto, de tom claro, a rocha mais comum na região.

            Estes monólitos exibiam forma bem característica, que alguns autores interpretam como antropomórfica (forma humana), com corpo de contorno circular, ou de disco, e perfil rectangular, com forma cilíndrica, por vezes também nomeados de cabeça assente em pé, ou base, paralepipeda.

            Considero, nas descrições efectuadas, como anversos as superfícies decoradas com motivos aniconicos, e como reversos as superfícies decoradas com motivos cruciformes, de clara conotação sagrada. No anverso de duas estelas mostram decorações cruciformes, como também no reverso da estela nº 4, tal como os contendo, em relevo ou gravados, simbologia relacionada com a ocupação profissional, que se julga ser complemento da sinalética religiosa.

            Os motivos cruciformes que decoram os reversos e dois dos anversos de cinco dos monumentos estudados, repetem-se em três estelas, apresentando uma delas a mesma decoração, tanto no anverso como no reverso. Estes motivos são muito recorrentes tendo sido descritos no catálogo elaborado por J. Beleza Moreira. As cruzes constituem símbolos do cristianismo e são elementos considerados com alto valor apotropaico.

            Em duas estelas que apresentam no reverso motivos cruciformes, nos seus anversos apresentam: Uma um pentagrama em relevo, e a outra um hexagrama que ao centro possui um disco com estrela de seis raios inscrita, ou hexafolio.

               Os pentagramas, ou estrela de cinco pontas, estão relacionadas com a fonte da luminosidade, da fonte de luz, o seu carácter celeste faz das estrelas símbolos de espírito e conflito entre as forças espirituais ou da luz e, as forças materiais ou das trevas. A estrela de cinco pontas, tal como o número cinco, é um símbolo de perfeição e da manifestação central da luz, do centro místico e de um universo em constante expansão, traçada entre o céu e a terra representa o homem renegado, radioso como a luz, no meio das trevas do mundo profano.

                Através dos séculos houve sempre a preferência por uma estrela de cinco pontas, como figura dos astros de aparência menor do que a do sol e da lua. O planeta Vénus tem sido representado assim e é considerado uma estrela matinal e vespertina, ensejou lendas sem conta. Por outro lado, a estrela de cinco pontas sempre foi, desde tempos remotos e até hoje, o distintivo de comandantes militares, e de generais.

            O hexagrama, figura feita de dois triângulos equiláteros sobrepostos, ou entrecruzados, um apontado para cima, outro apontado para baixo, de modo a que o conjunto constitua uma estrela de seis pontas, é uma das representações simbólicas mais universais. Entre os hebreus, cristãos e muçulmanos chama-se Selo de Salomão. Esta figura contém, em primeiro lugar, os quatro elementos: o triângulo com o vértice para cima representa o fogo; o triangulo com o vértice para baixo a agua; o triângulo do fogo truncado pela base do triângulo da água designa o ar; por outro lado, o triangulo da agua truncado pela base do triangulo do fogo correspondendo a terra. O todo, reunido no hexagrama constitui o conjunto dos elementos do universo.

            As rosetas, hexafolios ou rosáceas de várias pétalas, muito frequentes no médio oriente, consideram-se como tendo especificamente um significado profiláctico contra o mau-olhado, por outro lado pode figurar o Sol.

            Dois daqueles monólitos mostram, no anverso e conforme mencionei, representações de artefactos capazes de indicarem a ocupação profissional dos indivíduos cujas sepulturas demarcavam.

            O arado radial indicaria, sem dúvida, a sepultura de um lavrador, ou de alguém associado ao trabalho agrícola. A besta representaria a sepultura de um besteiro, que poderia ter pertencido ao corpo de besteiros do antigo município de Garvão.

              J. Beleza Moreira (1987) na sua descrição de cento de dezanove estelas com artefactos de ofícios, somente identifica trinta e nove estelas cujos motivos se podem atribuir ao ofício de lavrador. Destas trinta e nove estelas, vinte e três mostram imagens claras de arados e destas, somente dezasseis apresentam o arado associado a outros instrumentos e alfaias agrícolas. Não figurando somente o arado, mas incluído numa temática com mais símbolos, como a estela de Garvão parece representar, e que não se encontra no catálogo de J. Beleza Moreira (1987).

            A temática decorativa pode representar o céu ou um arco-íris, Sol ou Lua, terra arável ou água, temática ainda difícil de ser interpretada com fundamentos credíveis.

            As estelas com a representação de Bestas são muitos raras em Portugal. Beleza Moreira (1990 e 1994) identifica duas estelas pertencentes a besteiros. O corpo de Besteiro é uma das mais originais e bem sucedidas experiências da organização militar portuguesa medieval: a milícia dos Besteiros do Conto, criada por D. Dinis em finais do século XIII, marcou presença nas mais importantes operações militares de todo o século XIV e atingia, nas primeiras décadas do século XV, um total de 5000 efectivos provenientes de perto de 300 unidades locais de recrutamento.

 

Ritual Funerário

             As estelas funerárias discóides medievais são indissociáveis dos rituais funerários e das sepulturas dos indivíduos que memoralizavam. Segundo Beleza Moreira (1984), identifica cento e quarenta e oito destes monumentos no Distrito de Beja, sendo este, o Distrito com mais frequência destes monumentos. 

            As sete estelas discóides de Garvão assumem significado especial, não só por estas serem inéditas em Garvão e em todo o concelho de Ourique, mas pelo facto de serem provenientes da necrópole anexa à antiga Igreja do Sagrado Espírito Santo.

          As estelas discóides de Garvão assinalariam sepulturas em fossa, escavadas no solo, e por vezes cobrindo o defunto com lajes de cobertura. Estas sepulturas poderiam possuir pequeno tumulus de terra e, talvez de pequenas pedras, encontrando-se orientadas no sentido nascente-poente, sendo o cadáver depositado, apenas envolto numa mortalha, com a cabeça voltada para aquela última direcção (Gomes e Gomes, 2006).

            Tratar-se-ia, possivelmente de gente autóctone, cuja condição sócio-económica permitia este tipo de estelas decoradas, últimas memorias dos mesmos, que ajudariam a personificar através da indicação profissional.

            As sepulturas, com estelas ou sem elas, formavam junto à Igreja o cemitério da vila de Garvão, integrado durante a Idade Media na topografia urbana possivelmente amuralhada. A orientação das sepulturas e dos cadáveres, com a cabeça voltada para ocidente e pés para oriente é muito comum na Europa, sobretudo a partir do século XI, sendo idêntica á orientação da Igreja de Cristo, voltada para nascente e para o Futuro. Trata-se de aspecto ritual, adoptado pelo Cristianismo, sendo detectado em necrópoles tardo-romanas e visigóticas, mas estando conotado com o movimento solar e com a ideia do seu renascimento diário, Contudo, a face do cadáver deveria olhar o firmamento ou o Céu.

           Este aspecto ritual mencionado, com implicações sócias, reflecte pratica difundida na Europa Cristã.

 

Cronologia

            Segundo Mário e Rosa Varela Gomes, a datação através do método radiocarbono ao esqueleto da sepultura dezassete na sua intervenção em Silves, indica-nos uma cronologia para os séculos XIII ou XIV, tendo em consideração a similaridade entre a estela desta sepultura e as encontradas em Garvão, poderemos apresentar uma data cronológica para a necrópole de Garvão, sensivelmente para a mesma época.

 

Conclusões

          As representações de ofícios em estelas funerárias constituem importantes indicadores da sua importância e da sua distribuição, a uma escala local, contribuindo, também, para a construção de quadros económicos e sociais.

         Este artigo resulta da recolha e do estudo, inédito de sete estelas discóides recolhidas em 1991 junto ao Cemitério Velho da vila de Garvão, lugar presumível da Igreja do Sagrado Espírito Santo.

         Estas cabeceiras de sepultura seriam provenientes do adro da referida Igreja, onde eram efectuados os enterramentos da população em geral, como era hábito, até à revolução Liberal do século XIX.

           A introdução da lei que institui o uso de Cemitérios Públicos e proibiu os enterramentos junto às Igrejas não foi pacífica, provocando várias revoltas populares pela população que queriam continuar a enterrar os seus mortos em solo sagrado.

             No caso concreto de Garvão no sentido de manter o Cemitério no mesmo local, preferiu-se demolir a própria Igreja, ao contrário das outras terras que mantiveram a Igreja e construíram um novo Cemitério noutro local.

             Esta zona, situada em posição elevada, como que dominando a vila, e dentro da cerca defensiva do primitivo núcleo urbano da vila de Garvão, denota uma cronologia bastante recuada em função dos vestígios achados nesta zona, as próprias paredes, do que agora é conhecido por Cemitério Velho, denota a existência de várias construções anteriores aproveitadas na sua construção, nomeadamente a Igreja do Sagrado Espírito Santo.

            O conhecimento desta Igreja é escasso, resumindo-se à menção em vários dicionários chorograficos do século passado como o do Pinho Leal e ao achado de várias peças pétreas como a pia baptismal, três fechos de abobada e as estelas objecto deste artigo.

            Arqueologia não é só desvendar o passado é também construir o futuro, o estudo das Estelas Medievais ou Cabeceiras de Sepulturas pretende contribuir, não só para um melhor entendimento das populações desta localidade em tempos medievais, mas de uma forma geral contribuir para o estudo e divulgação desta prática.

            Procura-se assim, com este trabalho, efectuar a devida inventariação dos achados enquadrando num contexto local os diferentes aspectos destas estelas, nomeadamente os diversos desenhos que as adornam de carácter religioso, profissional ou económico. 

 

Bibliografia

BEIRÃO, C. de M.; SILVA, C. Tavares da; SOARES, J.; Gomes, M. Varela e GOMES R. Varela (1985) – “Deposito Votivo da II Idade do Ferro de Garvão. Noticia da primeira campanha de escavações”. O Arqueólogo Português, S. IV, 3, p.45-136.

DIAS, Jorge. (1982). Os arados Portugueses e as suas prováveis origens. Vila da Maia: Gráfica Maiadouro.

GOMES, M. V.; GOMES, R. V. (2006). Estelas discóides da necrópole da Sé de Silves (Algarve, Portugal). Contexto e cronologia. In: O Arqueólogo Português, Suplemento n.º 3. Lisboa, p. 309-330

MOREIRA, J. B. (1994). Algumas profissões representadas em estelas discoides portuguesas. Cuardenos de Seccíon. Antropologia – Etnografia 10, p. 271-296.

MOREIRA, J. B. (1984). Typologie des stèles discoidales du Portugal. Hil Harriak. Bayonne. P. 319-345 (Actes du Colloque Internacional sur la Stèle Discoidale).

MOREIRA, J. B. (1990). Instrumentos de ofício de lavrador em estelas discoides portuguesas. In Signalisations de Sepultures et Stèles Discoidales. Ve –XIXe Siècles. Carcassonne: Centre d´Arqueologie Médievale du Languedoc. P.191-198.

 

In: José Daniel Malveiro. Estelas Medievais do Distrito de Beja. Mestrado em Arqueologia, UNL-FCSH, Lisboa. 2013.

publicado por José Pereira às 21:42

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Moagem na Estação de Garvão

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Homenagem ao Industrial de Garvão "António de Brito Ramos"

 

 

          O desenvolvimento da Indústria em Garvão, embora de moldes locais, não pode deixar de estar directamente relacionado com o desenvolvimento geral da indústria no Alentejo, no qual está inserido e é parte integrante.

          A influência da nova era industrial, que surgiram nos séculos XVII e XVIII, também chegaram, embora tardiamente, a Garvão.

           Da primitiva produção artesanal, passou-se, nos finais do século XIX, primeira parte do século XX, a uma industrialização sistemática dos produtos Agrícolas, de índole local e regional, que tinham vindo a ser fabricados artesanalmente, e cujo mercado local estava assegurado.

            O eventual desaparecimento de algumas indústrias tradicionais, de uso quotidiano da população e na agricultura, que no século XVIII e XIX, tinham tido algum relevo na região, como é o caso das saboarias, curtumes e o sector têxtil, Lã e Linho, que praticamente se afundou, subsistiu contudo o sector da Cerâmica e Olaria, industrias que ganharam um certo impulso, em algumas zonas do Alentejo, na segunda metade de Oitocentos, devido à expansão da olivicultura e da vinicultura.

 

“MOINHOS E MOAGENS”

          Aos Moinhos de vento e água, de que abundam vários vestígios em redor de Garvão, surgiram assim as primeiras moagens, movidas com motor a vapor, o que alterou significativamente, os hábitos de trabalho e relações sociais, até aí então estabelecidos.

            Pois antes, a implantação de uma unidade moageira, seja ela um moinho de água ou de vento, requeria a escolha de um local propício, junto a um curso de água ou situado num local alto, conforme o caso, o que estaria impreterivelmente dependente para a sua laboração, de que chovesse e as ribeiras corressem para mover as pás do moinho de água Azenha, ou fizesse vento para mover as velas do Moinho.

           A introdução do motor, inicialmente a vapor, veio modificar totalmente este cenário, permitindo assim a construção de moagens mais perto das populações, podendo inclusivamente trabalhar as 24 horas por dia. Ainda hoje em redor da vila, é possível identificar vários Moinhos de Vento, de Azenhas d´Água e inclusivamente Atafonas movidas a sangue.

                No caso concreto de Garvão, tal iniciativa deve-se essencialmente ao industrial António de Brito Ramos, não só a baixa e alta moagem, mas igualmente um lagar de azeite. Na estação de Garvão ainda se pode ver as ruínas da antiga Moagem, que deixou de laborar nos anos 60, quando foi vendida e levada para Alhandra, conjuntamente com um número significativo de famílias, que com a sua partida deixou a vila mais despovoada, criando uma pequena comunidade de naturais de Garvão em Alhandra e no Sobralinho, que ainda hoje persiste.

 

“CORTIÇA”

              No século XVIII, com a aplicação de cortiça ao fabrico de vedantes, iniciou-se no Alentejo uma actividade, que viria a ser das mais importantes e consistentes da economia Alentejana.

                 Iniciada na segunda metade do século XVII, em França por Pierre Perignon que aplicou a cortiça na rolhagem do champanhe que acabara de obter, dando assim inicio á utilização da cortiça como um vedante por excelência, principalmente como rolhas nas garrafas de vinho, que veio a ser utilizado por todos os fabricantes e engarrafadores de vinho, iniciando assim a utilização de um produto de índole florestal, em larga abundância no Alentejo, e que em muito iria transformar e enriquecer a economia, não só do Alentejo mas também com um largo peso na economia Portuguesa.

               Posteriormente a indústria Corticeira viria a ter outro forte incremento, com o aproveitamento das sobras, refugo ou aparas, e cortiças mais fracas em aplicações de uso diário, como palmilhas, buchas dos cartuchos, forros dos chapéus etc.

               Surgiram assim em Garvão ao longo dos tempos, várias Fabricas, cuja cortiça era cozida e afaciada para ser vendida em fardos.

               Numa face inicial, esses fardos eram vendidos para a industria rolheira da zona do Porto, que garantia cerca de 83% dos vedantes exportados, e fora estimulado pelos grandes produtores de vinho da região, cujo mercado inicial seria o do Vinho do Porto, e numa fase posterior para a zona de Lisboa onde se veio a desenvolver também fabricas de rolhas e derivados de cortiça.

 

“VINHA”

              A transformação do produto agrícola básico como a uva, numa indústria de bebidas altamente apreciada, já era conhecida na antiguidade, desde a Índia antiga até á Gália.

                 As lendas atribuem a Dionísio, deus da vegetação e dos campos, na Mitologia Grega, a honra de ter cultivado a vinha pela primeira vez e de ter fabricado vinho. Os Romanos tinham em Baco, o seu Deus do vinho. O Génesis, livro, cuja autoria é atribuída a Moisés, e que corresponde ao antigo testamento, diz que Noé plantou vinha e bebeu vinho.

              A vinha e o trigo, pertencem ás mais velhas culturas que tiveram origem á cerca de 4.000 anos na parte oriental do Mar Negro, na região da Transcaucásia, nos territórios que correspondem actualmente à Geórgia, Arménia e ao Azerbaijão.

             Principiou-se através da colheita de bagas selvagens que o homem foi domesticando e melhorando aos seus gostos.

               No Egipto já se produzia vinho na IV dinastia dos Faraós, os Gregos e Romanos consumiam vinho e contribuíram para a propagação da cultura da videira.

               Os Romanos tinham os seus famosos vinhos, nomeadamente o ”Cuecubum”, o “Surrentinum”, o “Falerno” e o “mamertino” entre outros.

              Depois das conquistas Romanas a cultura da videira generalizou-se pouco a pouco até á Gália, e o fabrico do vinho passou a ser uma fonte de riqueza. O conhecimento das primeiras plantações de vinha de considerável importância, deu-se na Região Francesa de Narbonne, (Lanquedoc), nos anos 125 AEC.

              Estrabão, celebre Geógrafo Grego do mundo antigo, (58 A. C.), dá-nos notícia da cultura da vinha na região do Douro. Apesar de o vinho já ser por aqui conhecido, trazido pelos mercadores Gregos e Fenícios, há já algum tempo.

             Assim o vinho sempre esteve presente, nas economias rurais, e a sua fabricação sempre se deveu a métodos tradicionais.

         A cultura da vinha em Garvão, e a sua transformação em vinho, é conhecida há já bastante tempo, tendo-se em consideração os condicionalismos, de tempo e espaço, atrás expostos, contudo acompanhando a tendência geral do Alentejo a vinha sofreu uma forte expansão na segunda metade do século XIX, sendo considerado um negócio fartamente remunerador, que aliciou ricos e pobres, grandes e pequenos proprietários e outra gente ligada à terra.

               Apesar da Filoxera ter chegado ás vinhas em 1862, dizimando as vinhas e consequentemente, a produção de vinho em certas zonas, estas foram re-enxertadas, utilizando a videira americana como porta enxerto, muito mais resistente ao insecto do que a videira Europeia.

           Ainda na década de 60 do século XX, se assistia á vindima nas várias vinhas da região, transportadas em depósitos em cima de carros de parelha, para o lagar da vila, nomeadamente do Sr. Chico Costa, ou do Sr. José Cunha, aqui era a azafama habitual destas coisas, os moços pequenos a “roubarem” uvas, e os grandes, em calções dentro do tanque a pisarem uva, em amena cantarolaria, bebericando o vinho da safra passada.

            A Adega do Sr. Chico Costa, foi herança do sogro, “Ti Joaquim Diogo”, cuja vinha era na cerca, conhecida precisamente por “Vinha do Ti Joaquim Diogo”, o lagar era na rua Nova. O Sr. Chico Costa foi proprietário da Fabrica de Pirolitos que havia na Vila até aos anos sessenta.

              A Adega do Senhor José Cunha, conhecido comerciante da Vila, situava-se na Travessa do Álamo, e funcionava também como taberna, a vinha era precisamente no Monte da Vinha.

               Todas estas Vinhas e Adegas, foram sucessivamente acabando desde os anos sessenta, até aos nossos dias, tendo a “Adega-Taberna” como função social e pólo central da vida comunitária, sido substituído pelos modernos Cafés.

 

“AZEITE”

           Apesar de hoje em dia não existir qualquer lagar de azeite em Garvão, já houve tempo em que existia mais do que um, nomeadamente o da Moagem, que conforme o nome indica, estava associado á fabrica da moagem, sobre aproveitando o motor lá instalado para mover a moagem, contudo outros houve na vila, que davam trabalho a várias pessoas, e utilizavam o produto dos olivais da região e das pequenas cercas em redor da vila.

           O principal abastecedor do lagar da Moagem era o próprio proprietário, António de Brito Ramos, da sua propriedade da Crimeia, onde pela primeira vez, um proprietário local, procedeu á plantação de um olival em moldes empresariais.

                 Outro Lagar de Azeite, que havia na vila era o que ficava situado no chamado, hoje largo da Amoreira, e então denominado Largo do Lagar, por aí se situar esse lagar, precisamente no centro da vila, e do qual ainda há relativamente pouco tempo restava uma Mó, oferecida pelo Adriano Revés á Associação Cultural e Defesa do Património de Garvão.

               O azeite é conhecido desde a antiguidade, com utilização para as mais variadas formas, foi usado principalmente como tempero na alimentação, como combustível para alumiar as Luzernas Romanas e as candeias dos nossos dias, em uso até ao advento do petróleo já no século XX, foi usado também para as mezinhas tradicionais e desde sempre o azeite serviu para cerimonias religiosas onde os crentes, não só ofereciam o precioso liquido, como também se oleavam como forma de participação desses mesmos rituais religiosos.

 

“TÊXTEIS”

             No caso concreto dos têxteis, e especificamente em Garvão não deixa de ter alguma significância o forte relacionamento provocado pela enorme circulação de rebanhos em regime de transumância, cujos percursos, por pastos de verão e Inverno, uniam o interior do país desde as Beiras até ao extremo sul do Alentejo, sendo a Feira de Garvão um pólo aglutinador de todos estes movimentos pois era o principal mercado do sul do país, assim no Alentejo, teciam-se panos pretos grossos e de outras cores, panos pardos ordinários e Saragoças ao estilo Espanhol.

            No século XIX os concelhos limítrofes de Garvão, concentravam cerca de 80% dos teares activos da região.

             Situação esta que foi totalmente alterada nas décadas seguintes, levando praticamente ao seu desaparecimento em meados do século XX, persistindo ainda hoje, teimosamente em alguns núcleos dispersos no extremo da Serra Algarvia, numa industria inteiramente artesanal e caseira, em que a tradição é passada de pais para filhos.

 

“CERÂMICA E OLARIA”

             A Cerâmica e a olaria, constituem um dos materiais moldados pelo homem, mais antigos da humanidade, foram durante séculos os utensílios domésticos utilizados pelas populações para os mais diversos fins, à qual se deve essencialmente a simplicidade da sua fabricação e a abundância de matéria prima, apesar de ser um material de uma certa fragilidade, era contudo compensado pela sua dureza e resistência ao fogo.

         Como povoação antiga, abundam os vestígios de cerâmica em Garvão.

          As oferendas descobertas no Deposito Votivo do Santuário pré-histórico de Garvão, são na sua grande maioria feitas de cerâmica.

              Foi descoberto um forno de cerâmica, que se presume pré-histórico quando se procedia a obras na Casa do Povo.

               Em vários locais em torno da vila ainda eram visíveis até á relativamente pouco tempo, vários fornos de cerâmica, vulgarmente conhecidos por telheiros, pois sendo as habitações construídas em taipa, (ver caixa com artigo) as telhas era praticamente os únicos materiais que se teriam de comprar, para construir a habitação, e portanto de maior procura, contudo em casas de lavradores mais abastados, usava-se também ladrilhos e mosaicos do tipo “Burro” em barro cozido, que eram fabricados ou cozidos nesses telheiros.

 

CONCLUSÃO E DESINDUSTRIALIZAÇÃO

               Se por um lado foi o surgir da Revolução Industrial, com a introdução de novas tecnologias de produção, nomeadamente a máquina a vapor, que permitiu a adopção de novas e melhores técnicas de fabricação industriais.

                Foi também esse progresso, que permitiu a invasão do mercado local, por produtos fabricados nos grandes centros industriais do país, que se tinham vindo a desenvolver desde o século XVIII. 

              Assim aquilo a que se convencionou chamar a industrialização geral do país, foi feito ás custas da pequena indústria provincial.

              A penetração do comércio local por produtos mais baratos e de uma enorme variedade, produzida nos grandes centros industriais do país, foi fatal para uma indústria rural, ainda em formação e mal consolidada para poder fazer frente á concorrência exterior.

                A disputa pelo comércio local não se fazia sentir só na colocação do produto final, já fabricado e de qualidade ou gostos discutíveis, mas também na obtenção das matérias-primas essenciais á fabricação desses produtos.

                Ora a indústria local até aí sozinha na obtenção de matérias-primas para a sua laboração, e para a colocação dos seus produtos, ressentiu-se, e de uma maneira irrecuperável para a indústria local e regional.

                 A expansão da indústria nacional nos grandes centros urbanos do país, fez-se á custa da pequena indústria regional, mais frágil, desajustada tecnologicamente e de fácil concorrência interna por parte dos industriais urbanos.

                 Embora, empresarialmente e tecnologicamente mais modernos, do que os industriais locais, os industriais urbanos não tinham capacidade para concorrer na colocação dos seus produtos no mercado estrangeiro, onde países mais avançados e desenvolvidos mantinham a liderança e hegemonia industrial e comercial.

                   Viraram então, os industriais urbanos, a sua atenção e produção para um mercado de mais fácil penetração, como o mercado interno, com as enormes perturbações, para a indústria da província, que daí adviriam.

               A grande indústria urbana beneficiou ainda e também das profundas alterações que se vinham a desenvolver no país, se por um lado se assistiu á modernização, com a expansão da rede viária e construção da rede ferroviária ao interior do país, que facilitou a infiltração e escoamento dos seus produtos.

                 Beneficiou também de uma maior consciência empresarial, nomeadamente modos de pagamento mais ou menos dilatados e acesso ao crédito, (enquanto que nos mercados regionais era frequente o pagamento de serviços com a “maquia”, que correspondia ao pagamento com uma parte do produto). Beneficiou também da protecção por parte do governo, que promulgou leis na defesa do mercado interno, (e diga-se que protecção do mercado interno, não é protecção do mercado regional, mas sim protecção contra as importações de produtos estrangeiros), 

                   A conjuntura Nacional e Internacional, a livre concorrência dos produtos, a introdução de novas tecnologias e praticas comerciais e melhores acessos, levou os empresários alentejanos que nos primórdios da revolução industrial nacional, tinham mostrado vontade em investir na nova era, a um patamar impossível de acompanhar.

publicado por José Pereira às 18:07

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 O documento original encontra-se arquivado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, compondo-se de vinte e uma páginas manuscritas em letra caligráfica do século XVIII. Com o código de referência nº PT/TT/TSO-IL/028/00836 , e cota actual do Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 836.

 

“Crime de Solicitação”

          O caso do processo do Frade João da Trindade, de trinta e sete anos, julgado e condenado nos Estaus, sede do tribunal do Santo Ofício, mais conhecido por Inquisição, onde actualmente se situa o teatro D, Maria II, no Rossio em Lisboa, tratou-se de facto do julgamento de um prelado desencaminhado pelos prazeres carnais, (como menciona o respectivo processo), igual, com certeza, a tantos outros que proliferaram pelo país fora, que a inquisição julgaria e na maioria das vezes condenaria, senão à fogueira pelo menos ao degredo, como no caso deste conterrâneo, que aqui se transcreve.

            Interessando a nós, leitores e residentes em Garvão o facto do Frade João da Trindade e alguns familiares seus, serem naturais e residentes no antigo concelho de Garvão, mais concretamente tanto na própria vila sede do concelho como no Monte da Corte em Santa Luzia, (uma das duas freguesias do extinto concelho de Garvão).

            Ao Frade João da Trindade, religioso da ordem de São Francisco da Observância da Província dos Algarves, sacerdote e pregador, morador no convento de Nossa Senhora do Loreto junto a Santiago do Cacém e assistente no Convento de Xabregas de Lisboa Oriental, é-lhe imputada a acusação de “solicitação”, que confessa, na pessoa de Maria Bernarda, também ela moradora no Monte da Corte, Santa Luzia, e ao que parece terceira da ordem de São Francisco.

            De facto, depois de pormenorizadamente relatar o sucedido foi-lhe imposto o degredo de residência com a obrigação de se apresentar regularmente nos Estaus.

 

“Prova de pureza de sangue”

          O caso não se resumiria ao agravo de “solicitação” do Frade João da Trindade, e ao que parece, entre dois religiosos, este teve igualmente de fazer prova de pureza sangue, como se observa no capítulo dedicado à genealogia, para despiste de algum descendente de sangue judio, assim para além dos nomes do pai e da mãe teve igualmente de descrever os nomes dos avós, tanto paternos como maternos, os locais de nascimento, moradas e ocupações.

         Era filho de Jerónimo da Fonseca, capitão da Ordenança de Garvão onde era morador e natural da freguesia de nossa Senhora das Relíquias, termo de Odemira e de Maria bernarda, (por mera coincidência, com o mesmo nome da “solicitada”), natural de Garvão e moradora, também, no Monte da Corte. Tendo como avós paternos Domingos Afonso e D. Clara, cujo sobrenome não sabe, nem profissões, naturalidade ou residência, e dos avós maternos o avô se chamava Ildefonso Correia morador em Garvão e da avó não sabe o nome nem de onde era natural.

          Mais declarou que nunca foi casado nem tem filhos ilegítimos e que foi baptizado na Igreja de Santa Luzia pelo Padre Manuel (?) Ribeiro, sendo seu padrinho João de Aboim Pereira Guerreiro, Mestre de Campo da Comarca do campo de Ourique, e que foi crismado, mas não se lembra onde recebeu o dito sacramento, parece que pelo Padre conhecido por Barata em Bela tendo como padrinho Luís Fernandes.

          Teve de fazer prova igualmente de que sabia ler e do Padre-nosso, Ave-maria, o credo e restantes mandamentos da Madre igreja.     

publicado por José Pereira às 17:34

EM TEMPOS MEDIEVAIS

O Numeramento Geral, em 1527-1532

         

            As relações quotidianas das comunidades rurais, desenvolviam-se em torno dos direitos de terra, tributos, normas sucessórias, e outros aspectos administrativos e judiciais, o registo dos bens e o tombo das propriedades dão-nos uma certa informação sobre as peculiaridades das relações sociais da época.

          Há uma defesa explícita da propriedade das terras das aldeias pelos seus habitantes e dão-nos acesso a muita informação sobre a vida social, cultural e religiosa destas populações.

          Se tivermos presente que a matriz referencial que os oficiais do reino tinham era a religião cristã, as suas instituições, os seus agentes, as suas práticas devocionais e, se o tema dos inquéritos era a inventariação das propriedades, bens e rendimentos dessas populações, não será de admirar que as fontes que nos chegaram até hoje sejam precisamente destas instituições religiosas, Misericórdias, Irmandades, Confrarias e afins.

          O Numeramento Geral, em 1527-1532, pelo rei D. João III, sobre a população e o território, a par de outras inquirições, locais e regionais, por instituições como a Inquisição e a Mesa da Consciência e Ordens, (que procuravam manter a unidade religiosa pela censura e confissão), permite-nos tomar conhecimento, de uma forma geral, sobre o território, a população e os seus hábitos e costumes, implementando as medidas julgadas necessárias para o respectivo ordenamento do reino.

          Os tombos das propriedades, e outros bens, que inventariavam o património fundiário e devocional das confrarias, constituíam registos de conhecimento das suas gentes e da organização territorial. Por sua vez a passagem a escrito destas normas, não só respondiam às inquirições dos oficiais do reino, como dotava a população, tanto de normas e preceitos escritos em defesa dos seus direitos fundiários, como, inclusivamente, regulavam a vida interna dessas populações.

          Permitia conhecer assim tais propriedades, as suas características, bens e rendas e o respectivo registo da informação económica e financeira, tais como as terras que tinham sido doadas às ordens às várias instituições locais, religiosas e militares, templos, ou particulares em troca dos serviços prestados. A ideia sobre a compreensão dos lugares, saberes, gentes e cultura do território português que se desenvolveram no seguimento da reconquista cristã e das relações surgidas no encontro no decorrer do processo da reconquista com os lugares e gentes locais, não só tinha como objectivo estabelecer, do modo mais preciso possível, as rendas e os bens atribuídos aos imóveis, como incutia, inclusivamente, na população um sentido de responsabilidade emanada por uma autoridade superior, por um poder que pretendia transmitir, tanto a sua indispensabilidade, como fixar na memoria das gentes a autoridade com que concedeu tais registos.

          A imposição da ordem passava pela solenidade, pela ritualização com que estas actas eram outorgadas, desde a sua formulação à sua extensão, desde a repetição dos termos jurídicos à irrevocabilidade dos acordos, desde a exaustiva repetição das boas intenções do intervenientes ao solene ritual de posse, tudo se conjugava para transformar a redacção destas actas em actos de poder, não só de imposição da ordem, mas, também, despoja-la de alguma vestígio de contestação que eventualmente pudessem ter.

          A solenidade destes actos oficiais e conferir-lhes alguma dignidade. Estes documentos caracterizam-se pela repetição exaustiva das normas, dos atributos e dos títulos das autoridades que os outorgavam até á exaustão. Tudo nestas actas invoca a rectidão conferida ao documento, as boas intenções dos outorgantes, a irrevogabilidade das decisões, pela justiça na atribuição destes contratos e, evitando contrariedades e conflitos que pudessem por em causa a autoridade e a ordem que as autoridades pretendiam estabelecer.

publicado por José Pereira às 17:14

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E o Culto do Espírito Santo

 

          As cavalhadas, eram corridas de cavalos, onde se apresentavam no local designado para as disputas, com vestimentas de gala e à moda antiga. Outrora, no local do certame, apresentava-se o cavaleiro em trajes vistosos no seu garboso cavalo, acompanhado por um pajem, também vestido de gala, embora de modo diferente e a pé, segurando o cavalo pelas rédeas ou freio.

          Estes torneios, eram feitos com o fim de mostrarem a destreza dos melhores cavaleiros das redondezas. Corriam dois a dois, a par, em alta velocidade para uma meta. Vindos a correr nos seus cavalos, tinham de espetar uma lança num frango ou galinha vivos, os quais estavam dependurados numa corda atada a dois paus, distanciados um do outro de 5 a 6 metros.

          Com o andar dos tempos, este costume, considerado demasiado bárbaro, foi desaparecendo e substituído por outro menos chocante. Em vez dos animais vivos, é colocada uma argola que constitui o alvo e desafio à perícia do cavaleiro, pois se este, vindo a correr, não enfiar a lança na argola, fica desclassificado e desfeiteado perante o povo, que muito gosta desta manifestação.

          Como recompensa do êxito, o vencedor recebe uma grande salva de palmas e um animal vivo (galinha, frango, etc,...). Actualmente, esta actividade ainda é mantida numa ou outra localidade, mas de um modo muito mais simples.

          Até há pouco tempo, ainda se faziam as cavalhadas na freguesia de Gomes Aires”. (in: Monografia da Vila de Almodôvar, António Júlio Gonçalves, Associação Cultural e Desportiva da Juventude Almodovarense, 2000).

          Tempos houve em que os jogos eram mais elaborados, realizando-se inclusivamente nas ruas das vilas, e em vez das farpas era utilizado um pau para enfiar nas argolas, quebrando por vezes, (o desajeitado cavaleiro), as quartas de água, que estavam igualmente penduradas na corda.

          Por outro lado, as reminiscências que nos chegam doutros locais, nomeadamente os Açores e Brasil, locais onde a presença portuguesa impôs os usos e costumes da metrópole, estes festejos evocam uma época em que se desenvolviam em torno das lutas entre cristãos e mouros.

          De facto, se no continente há já muito que se perdeu a origem destas festas, e a sua relação com as festividades religiosas que se celebravam no princípio da nacionalidade. Em cenários mais isolados e imunes às influências externas ainda se assiste à ligação destas festas ao culto do Espírito Santo, (assim como a maioria dos festejos tradicionais das aldeias e vilas têm as suas origens nas confrarias do Espírito Santo local).

          Igualmente a passagem e a aproximação dos cavaleiros, nomeadamente as voltas em torno da igreja local, evocando os dons do Espírito Santo, e do local do “torneio”, era anunciada pelos corneteiros comandados por um “rei”. Seriam igualmente acompanhados por um mordomo e as cores nos trajes usados pelos cavaleiros seriam predominantemente as cores do Espírito Santo, (o branco e o vermelho).

          “Em Vildemoinhos, perto de Viseu, mantêm-se como desfile de cavaleiros vestidos de fato escuro e montando cavalos ajaezados. Resultam, segundo a tradição, de uma promessa feita a São João Baptista pelos moleiros, no caso de conseguirem sentença favorável de água para os seus moinhos, havendo quem pense que têm influência das Cavalhadas da Ribeira Seca. A primeira destas romagens à capela do santo, com os cavaleiros vestindo de negro, como os nobres, e com os cavalos ajaezados, terá sido em 1652. No entanto, no século XX passaram a incluir carros alegóricos, bandas de música, ranchos folclóricos e muitos outros elementos que não faziam parte da tradição.” (in: Cavalhadas em Vildemoinhos)

publicado por José Pereira às 17:02

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