Entrevista ao Jornal de Garvão, em Fevereiro de 1995
J.G. (Jornal de Garvão) – Há quanto tempo toca viola campaniça?
M.B. (Manuel Bento) – Comecei a tocar aos 14 anos, portanto há 55 anos.
J.G. – O que o incentivou a tocar viola campaniça?
M.B. – Era a cultura do nosso povo. Naquela altura ou tocávamos flauta ou viola, era o nosso desporto. O meu pai já tocava, e ao ver o meu pai tocar, resolvi seguir a arte. O meu pai tinha um comércio de mercearia e taberna, e por vezes, quando o meu pai estava ocupado a trabalhar na taberna, era eu que tocava para os clientes.
J.G. – Qual a origem deste instrumento?
M.B. – Não tenho bem a certeza mas segundo o Dr. José Francisco Colaço, é originário do séc. XI, talvez dos árabes. As regiões onde é mais comum é nos concelhos de Castro Verde, Ourique e Odemira.
J.G. – Faz ideia de quantas pessoas tocam este instrumento?
M.B.- Sinceramente, não. Mas que eu conheça tocam ainda viola campaniça o Sr. Bento da Parreira, o Sr. Adílio do Monte Ruivo, o Sr. Joaquim Simão de Sines, o Sr. Henrique da Fragosa de Ourique, o Sr. Joaquim Rosa das Amoreiras, o Sr. António Jacinto da Figueirinha/Odemira, o Sr. Bernardo da Aldeia das Amoreiras que é aprendiz, o Sr. Manuel Laranjinha e o Sr. Francisco António.
VEJO MUITO POUCO INTERESSE POR PARTE DOS JOVENS
J.G. – Como vê o interesse dos jovens, e população em geral, relativamente à música regional, nomeadamente a viola campaniça?
M.B.- Vejo muito pouco interesse por parte dos jovens, pois já tenho tido casos, como o seu, que vieram cá tentar aprender a tocar, mas depois deixam de cá vir. Até houve uma rapariga que veio cá para aprender, e até já tocava viola clássica, e perguntou-me quanto é que eu levava por lição, e eu disse-lhe para vir porque o que eu queria é que, se ela tivesse gosto em aprender, eu teria gosto em lhe ensinar. Mas como era de longe e se calhar os horários do comboio não lhe serviram, deixou de vir. Por isso, como vê acho que há muito pouco interesse pela viola campaniça.
J.G.- Sabemos que já tem viajado bastante, na divulgação desta arte...
M.B.- Pois, é verdade temos viajado de Norte a Sul, e já tivemos a oportunidade de estar em muitas das regiões do nosso país, mas como pode calcular não me lembro de todas, pois já foram muitas, mas muita das vezes até não vamos, pois veja, ainda há pouco tempo fomos convidados para ir ao Porto, três dias, mas já se torna muito cansativo. Mas convites não nos faltam.
J.G. – Mas também já teve a oportunidade de sair do país para tocar, onde?
M.B. – Sim, é verdade. Tive a oportunidade de ir ao Canadá, onde íamos todos os dias tocar à casa do Alentejo, em Toronto. Também era para termos ido a Itália, mas foi cancelado, sabe-se lá porquê. Fomos também convidados para ir tocar ao Luxemburgo, quando fosse inaugurada a casa do Alentejo, mas ainda não sabemos se vamos ou não.
J.G. – Qual a receptividade das pessoas, nos sítios onde já tocou?
M.B. – A maioria das pessoas têm gostado de ouvir a viola campaniça, olhe, quando nós fomos ao Porto a casa estava cheia, maioritariamente por jovens, e fomos muito bem recebidos, mas vai-se a ver e ninguém falou que quer aprender, ninguém pergunta se há cassetes...
O SR. MANUEL ESTAVA TÃO EMBALADO QUE NÃO O QUISEMOS INTERROMPER...
...quer dizer, gostam de ouvir mas não querem aprender, mas sabe, as modas da viola campaniça são aquelas modas já antigas, mas eu vejo as pessoas tocarem essas modas com um banjo, com uma guitarra, porque é que também não aprendem a tocá-las com a viola campaniça? Faz-me confusão, as pessoas aplaudirem, gostarem e não querer aprender.
J.G.- Voltando um pouco atrás, já soubemos que foi tocar à televisão...
M.B. – Fui tocar ao concurso da Filha da Cornélia e ao programa do Júlio Isidro (Turno da Noite). Mas gostei mais de ir ao programa do Sr. Júlio Isidro, sabe porquê? Porque lá, a sala era muito fresquinha e estava-se lá muito bem, e na Cornélia, era um calor que não se gramava. E depois ainda tinha outra coisa, no programa do sr. Júlio Isidro, as pessoas da palteia eram atendidos pelas empregadas, e todos tinham lá o seu copo de água, na Cornélia não davam água a ninguém, com o calor daqueles, olhe, outra vez que tenha oportunidade de lá ir já não vou, com um calor daqueles torna-se muito cansativo.
J.G.- Qual foi a sensação de estar na televisão?
M.B. – Olhe, na primeira vez, quando me sentei em frente às câmaras, na “Filha da Cornélia”, senti-me um pouco nervoso, estava lá muito nervoso até, isto é, estar em frente às câmaras e não fazermos aquilo que a ideia nos pede, pois se eu conseguisse fazer melhor fazia, mas não conseguia. Ainda por cima, depois de tocar, os júris que lá estavam diziam que não conheciam aquele instrumento, não podiam pontuar porque não o conheciam, não tinham livro nenhum da viola campaniça. Inclusive um professor de música que fazia parte do júri disse que não podia pontuar porque não percebia, não conhecia o instrumento, gostou, ,mas não se sentia em condições para pontuar uma coisa que não percebia.
Um professor de música que não conhece este instrumento, e todos nós sabemos a quem é que cabe a divulgação dos instrumentos musicais e tipos de música. E tendo em conta que este instrumento e sua música são parte integrante da nossa música tradicional, temos que admitir que é, no mínimo curioso, o seu desconhecimento por parte de pessoas com formação musical.
J.G.- Podemos então dizer que o Sr. Já andou por muitas paragens?
M.B. – É verdade, até já andei de mais, porque sabe, a idade já é um bocadinho avançada, pois quando somos novos, é uma coisa, mas agora, já pensamos de outra forma.
ROSA DE CASA NÃO CHEIRA (...) GOSTAVA DE ENCONTAR ALGUÉM QUE TOCASSE MELHOR QUE EU
J.G.- Não acha curioso, que apesar de já ter tocado em tantos lados, nem uma vez, em termos de festas, etc, tocou em Garvão, freguesia onde habita?
M.B. – Sabe, é que, costuma-se dizer, rosa de casa não cheira. Não quer dizer que eu não toque, mas quando toco é sempre em casas particulares, ora veja, aqui na Funcheira já tenho tocado, convidei pessoas amigas, dei aqui um jantar e tocou-se aqui o Baldão, mas mais nada. Por isso veja lá se é como eu digo ou não, a rosa de casa não cheira. As pessoas dizem, olha aquilo que ele faz também eu faço, mas eu gostava de os ver tocar, mas as pessoas não aparecem. Olhe, e digo-lhes uma coisa, em todos os lados em que eu vou tocar, gostava muito de encontrar alguém que tocasse melhor que eu. Isso é que eu gostava, pois tinha a oportunidade de aprender qualquer coisa, mas não encontro, e enquanto os jovens não se meterem à frente disto, porque como se costuma dizer, cavalo velho não toma dentadura Porque o velho pouco vai aprender, porque agora dava-se o caso de eu ouvir alguém tocar melhor que eu, podia aprender a florear melhor ou a tirar outro ritmo da viola, mas pouco mais faria. Porque se você vier aqui aprender a tocar, como é novo, se calhar, ainda vai longe, mas agora um velho, esse não vai muito longe.
J.G. – Quer dizer que daqui até Garvão ou nesta zona nem um convite lhe fizeram para você tocar?
M.B. – Não, quer dizer, eu já tenho ido a Garvão tocar, mas sempre a casa de particulares, fora isso, não tenho ido a mais lado nenhum. Este ano é que me convidaram para uma festinha qualquer por causa do aniversário dos miúdos, mas por infelicidade o meu tio não pôde vir, pois eu toco sempre com o meu tio, e como ele não pôde vir eu não fui, pois caso contrário tinha tido muito gosto em ir.
J.G.- Quais os apoios que tem recebido para que possa continuar a divulgar a viola campaniça?
M.B.- Realmente, os apoios não têm sido poucos, ora veja você o que esta gente de Castro Verde tem feito pela viola campaniça, eles têm posto transporte à ordem para que nós possamos andar de Norte a Sul do país, e de vez em quando lá vem qualquer coisa para a ajuda das cordas da viola.
J.G.- E qual é a pessoa ou instituição que está por detrás de todo este apoio?
M.B.- É o Dr. José Francisco Colaço, esse senhor é que tem puxado por nós e não só, pois ele tem lá mais dois grupos lá em Castro Verde, e nós, eu e o meu tio e a minha esposa, somos reconhecidos como as violas campaniças de Castro Verde, mas não, deveria ser as violas campaniças de Ourique, pois nós, quer eu, quer o meu tio, quer a minha esposa, somos todos naturais da freguesia de Ourique. Mas não acontece assim, porque Ourique não puxou por nós, porque senão éramos as violas campaniças de Ourique. Mas também posso afirmar que a nossa ida ao programa do Sr. Júlio Isidro é obra da Câmarade Ourique. Esta conversa surgiu num almoço em que lá estava o Dr. José Francisco e ao falar-se em nós como sendo as violas campaniças de Castro Verde, surgiu uma senhora, D. Sandra mais propriamente que disse que as violas campaniças não eram de Castro Verde, mas sim de Ourique pois nós éramos naturais de Ourique, e sendo assim vão à televisão e a câmara de Ourique é que os vai lá levar, e assim foi.
J.G.- Além do Dr. José Francisco, não tem tido apoio de mais ninguém, de mais nenhuma instituição?
M.B.- Não, tem sido só Castro Verde e o Dr. José Francisco Colaço através da Cooperativa da Informação e Cultura Cortiçol de Castro Verde, são eles que mais nos têm apoiado.
ESTOU DISPOSTO A ENSINAR AOS JOVENS O POUCO QUE SEI
J.G.- Voltemos então aos jovens. Julga que eles serão acapazes de manter viva esta tradição? Estaria disposto a contribuir para isso?
M.B.- Acho que sim, que os jovens são capazes de manter viva a tradição, e quanto a mim estarei disposto a fazer o máximo possível para que eles aprendam. Estou disposto a lhes ensinar o pouco que sei e a partir daí eles puxarão por si próprios e poderão fazer melhor. Mas o jovem terá de ter força de vontade porque se não tiver não chega lá.
J.G.- E que acha por exemplo haver uma escola para aprender a tocar a viola campaniça?
M.B. – Olhe em Castro Verde falou-se nisso, em se montar uma escola, em que eu mais o meu tio íamos lá uma vez por semana, ensinar a quatro ou cinco jovens, ou até mais, mas isso morreu porque não encontraram quem se inscrevesse, porque se se inscrevessem lá dez ou doze jovens, isso tinha ido para a frente, por isso é que eu digo que Castro Verde tem feito muito pela viola campaniça, mas não tem conseguido, tanto que eu tenho uma viola em casa que o Dr. José Francisco mandou fazer para eu ensinar a quem quisesse aprender e comprou outra para o meu tio com o mesmo fim, mas então, os jovens não aparecem, que hei-de eu fazer!
J.G.- O Sr. Acha que a viola campaniça é um instrumento em vias de extinção, ou julga que ainda poderá a ser ouvido nas terras alentejanas como no tempo da sua mocidade?
M.B.- Eu acho que se os jovens tiverem vontade este não é um instrumento em vias de extinção. Ainda há por aí muitas violas campaniças. Olhe elas são fabricadas em Braga, não sei se as fabricam em mais algum lado, mas dessas mais antigas sei que existem algumas em casa de alguns particulares, mas não as emprestam, não as vendem nem as dão, e o que servem essas violas se as pessoas não querem aprender. Eu até já disse à minha esposa, quando eu falecer, dá a viola a uma instituição qualquer, em Garvão, em Ourique ou em Castro Verde, para que as pessoas possam aprender, ora então o que é que ela fica aqui em casa a fazer, se as pessoas da família não a quiserem...
J.G.- E quanto aos tocadores, acha que eles vão deixar acabar esta arte?
M.B.- Julgo que não, pois tenho até provas disso, como é o caso do Sr. Bernardo, que é um pouco mais novo que e e que já toca algumas modas e que de hoje para amanhã já é capaz de tocar em qualquer lado. Mas bom mesmo era que fosse um homem de vinte ou dezassete anos, pois tinha mais anos pela frente, mas então...