21
Nov 19

O Cavalo na Quinta da Estação de Garvão

          Numa das paredes interiores que rodeiam “A Quinta”, na estação de Garvão, até há relativamente pouco tempo ainda se notava a pintura, em tamanho real, de um cavalo, (na parede à esquerda de quando se entra pelo portão, diante da ponte da Estação), e ás perguntas mais curiosas de quem o terá feito? a resposta era sempre a mesma, de que “foram os militares quando lá estiveram”, sem contudo precisar quais ou quando.
          Na memória da população, nos anos sessenta do século passado, ainda se falava na presença de militares neste local, ou da permanência prolongada destes, embora sem se puderem identificar com a referida pintura.
         O que se sabe, é que pelas lutas liberais do século XIX, o exército do Duque de Terceira, apoiante da causa liberal, depois do desembarque da expedição liberal em Cacela, no Algarve, em 24 de Junho de 1833, pernoitou em Garvão de 14 a 17 de Julho de 1833, na sua caminhada rumo a Lisboa a qual tomou em 24 de Julho de 1833, sem qualquer oposição, depois do Duque da Terceira ter desbaratado as tropas inimigas, comandadas pelo brigadeiro absolutista Telles Jordão, na margem esquerda do Tejo, no que ficou conhecido como os combates da Cova da Piedade e de Cacilhas.1

 

Destes consta que a Divisão Expedicionaria, tendo deixado completamente tranquilo o Algarve, sahira no dia 12 de S. Bartholomeu, viera pernoitar a S. Marcos, donde sahindo o dia 13 viera ficar a Stª Clara, e no dia 14 a Garvão. Neste ponto fez a junção com ella a Brigada de Artilharia que partira de Faro com esse destino, e no dia 17 partio o Duque para Messejana, donde datou os últimos despachos.2

        

        Sabe-se igualmente que antes da chegada a Garvão do Duque da Terceira,3 o comandante das tropas absolutistas, encarregado da defesa do Alentejo e Algarve, Visconde de Molelos,4 tinha ou teve por alguns dias, o seu quartel-general em Garvão.

 

No mesmo dia 3 de Julho vim no conhecimento de que o General Mollelos se tinha retirado por S. Martinho das Amoreiras até Gravão, onde convergem as estradas, que vem do Algarve por Almodovar e Ourique, e por Santa Clara, a ultima das quaes o inimigo tinha devastado na sua passagem com huma barbaridade verdadeiramente atroz.5

 

No dia 4 o Visconde de mollelos officiou do seu Quartel General em Garvão, pedindo quanto antes gente, dinheiro, e polvora, por quanto se achava só, cercado de rebeldes, e sem meios nenhuns para se defender.6

 

          Sabe-se assim que tanto as forças absolutistas do rei D. Miguel, como as forças liberais afectas a D. Pedro, durante alguns dias fizeram quartel em Garvão. Ficando esta “Quinta” junto à Estrada Real do Algarve, não nos poderá surpreender que pernoitassem neste lugar, pelo menos algumas forças mais importantes, protegidas pelos muros altos da “Quinta”, caso já existissem por esta altura.
         Quanto à pintura do cavalo, numa das paredes interiores da “Quinta”, teria o seu interesse em se tentar identificar a origem dessa pintura e a possível relação com estes militares e com este período conturbado da história portuguesa nesta parte do Alentejo.

 

1 - Joaquim Telles Jordão, brigadeiro absolutista, foi reconhecido como o odioso comandante da prisão de São Julião da Barra, lugar de detenção dos presos liberais. A forma violenta com que tratou os presos, com cruéis abusos e torturas, mereceram o repúdio e ódio dos liberais e foi morto a golpes de espada pelo coronel liberal Romão José Soares.

2 - Chronica constitucional do Porto, Volume 3. 1833. P. 101.

3 - Marechal António José de Sousa Manuel de Meneses Severim de Noronha, 7.º Conde de Juro e Herdade, 1.º Marquês de Vila Flor e 1.º Duque da Terceira.

4 - O Visconde de Molelos, recebeu o título de barão em 17 de dezembro de 1815. Secretário militar de D. Miguel, era governador do Algarve com a patente de marechal-de-campo quando se verificou o desembarque dos liberais em Cacela, a 24 de junho de 1833. Devido a um erro tático permitiu o seu avanço sobre Lisboa, onde entram a 24 de julho desse ano, o que se tornou fatal para a causa miguelista. Morreu na sua terra natal a 7 de dezembro de 1852.

5 - Chronica constitucional do Porto, Volume 3. 1833. P. 178.

6 - Chronica constitucional do Porto, Volume 3. 1833. P. 68.

 

publicado por José Pereira Malveiro às 07:05

17
Nov 19

As Grandes Vias da Lusitânia

          Mario Saa, escritor alentejano de Avis, nasceu em 1893 e faleceu em 1971, menciona na sua obra, As Grandes Vias da Lusitânia: O Itinerário de Antonino Pio, a vila de Garvão e as várias vias romanas que por aqui passavam.
          Obra publicada entre 1957-1967, em seis tomos O seu interesse pela arqueologia e a investigação que realizou sobre vias romanas deram origem à sua obra de maior importância, «As Grandes Vias da Lusitânia», em seis volumes, o produto de mais de 20 anos de investigações e prospecções arqueológicas que é, ainda hoje, uma obra de referência.
          Este itinerário, datável, muito provavelmente, do tempo do imperador Caracala (princípios do século III), tem servido de base ao estudo da rede viária da Península Ibérica; dado que muitos dos topónimos nele mencionados ainda não foram identificados com segurança, presta-se, por outro lado, a muitas conjecturas. Sobre a rede viária peninsular, cf., por exemplo, ROLDÁN HERVÁS 1975 e SMJERES 1990.(1) 
             Contudo a sua obra, segundo José D´Encarnação, parafraseando Jorge de Alarcão, «a ler com muita cautela».
            E também não foi complacente a apreciação feita aos seis volumes regularmente publicados por Mário Saa, em Lisboa, sob a designação genérica de As Grandes Vias da Lusitânia. Como o subtítulo — (O Itinerário de Antonino Pio) — dá a entender, os volumes são, por um lado, a tentativa de identificar topónimos mencionados naquele Itinerário e, por outro, o relato das viagens empreendidas pelo próprio Mário Saa. Na verdade, as identificações apontadas pelo autor são frequentemente desprovidas de qualquer fundamento; daí que, no seu Portugal Romano (Lisboa, 31983, p. 222), Jorge de Alarcão advirta, a propósito desta obra, «a 1er com muita cautela».
           Assim é, de facto. No entanto, teve um mérito o deambular de Mário Saa pela terra portuguesa: deparou, aqui e além, com ruínas, foram-lhe dando a conhecer coisas antigas, ofereceram-lhe mesmo algumas delas, outras ele próprio recolheu. E, hoje, a colecção que legou ao povo do Ervedal (concelho de Avis) e que se encontra exposta na sua casa (onde viria a falecer a 28 de Janeiro de 1971 e que está transformada em sede da Junta de Freguesia local) constitui interessante repositório a merecer estudo a par da leitura atenta das páginas da sua obra. É que as interpretações poderão, efectivamente, estar erradas, mas o contexto arqueológico em que as peças foram encontradas é bastas vezes anotado. (2)


Pág. 96
«Conforme a tradição, apareceram, em tempos, colunas miliárias em S.ª Margarida do Sado, denotando que por ali haviam passado vias militares romanas. Com efeito assim era. Irrompiam do lugar diversas vias: para Alvalade, rumo a Garvão; para Santiago do Cacém, Impereatoria Salacia; para Grândola, Malecaeca, rumo a Tróia (Caeciliana); para Alcácer do Sal, Miróbriga; para Évora; para Ferreira do Alentejo, rumo a Beja, Pax.»

 

Pág. 140
«Irradiavam de Salir importantes vias, como (…) A de Garvão, com destino a Santiago do Cacém.»

 

Pág. 194
«O traçado romano, e legionário, da Boca do Rio a Évora, por Garvão e Santa Margarida do Sado, foi em parte aproveitado, desde a Serra de Monchique a Garvão pela Estrada Real do Algarve a Lisboa. Para norte de Garvão o traçado da Estrada Real diverge do romano. Esta busca Alvalade, pela margem esquerda da ribeira de S. Romão, enquanto aquele, sobre a margem direita, vai tocando as localidades (…).»

 

Pág. 196
«A trajectória da Boca do Rio a Garvão, e de Garvão para Norte, é de excelentes condições viais. A natureza abrira este caminho. São magníficos os tabuleiros ou plainos das margens do Mira e as depressões e várzeas conduzintes a Garvão; como daqui para Norte as planícies das margens do Sado, com Alvalade, Santa Ana do Roxo, Ermidas, Santa Margarida do Sado, Caneiras do Roxo, Vila Nova da Baronia, Viana do Alentejo. O costumado documentário romano, em destruições de paredes, telharia, epígrafes, etc., ladeia o caminho e é como que o sinal da sua trajectória.»

 

Pág. 203
«Aranni (que não sabemos se a poderemos fazer coincidir com a céltica Arandis, de Ptolomeu, sendo prudente não o fazermos) chefiava vasto distrito que, em si, conta notáveis centrações de arqueologia romana, e pré-romana, como Messejana, Aljustrel, Rio de Moinhos, Alvalade, Vale de Santiago, castelo da Senhora da Cola, Ourique, Panoias, etc.»

 

Pág. 204-206
«O prosseguimento normal da estrada romana de Ossonoba a Salacia do Sado, fazia-se de Aranni (Garvão) acompanhando o Sado para jusante, por Alvalade e Ermidas, até Santa Margarida do Sado. Entretanto a via longitudinal era cortada transversalmente em Garvão, de Noroeste para Sueste, por outra via, a da Imperatoria Salacia a Esuri. A transversal apresenta a extensão, aproximada, de 50 km, das ruínas romanas do Castelo Velho, em Santiago do Cacém, a Garvão.
Sai do Castelo Velho rumando ao Sueste, através da Chã Salgada, tangencialmente ao que resta do recinto dos jogos circenses da urbe Imperatória. Os 28 km da urbe à ribeira de Campilhas tangem os «talefes», ou sinais geodésicos, de Pocilgais, Vale de Água e Ameijoafa. Campilhas corre de Sudoeste a Nordeste, intercepta o caminho romano e, em Alvalade entra no Sado, de que é o principal afluente, da margem direita.
As suas copiosas águas são modernamente aproveitadas por barragem nacional, a do Pego Longo, no Cercal. Muitas antiguidades romanas têm sido encontradas nesta área, à travessia da ribeira de Campilhas pela estrada do Castelo Velho a Garvão. Imperatória, notável urbe do distrito salaciense, pertencia ao número dos «oppida» turdetanos do Alentejo. Avia romana para Aranni era das mais concorridas de então. Sobre ela, e a menos de «mil passos» das ruínas, erguia-se, na contigua planície da Chã Salgada, o grandioso «circus», com a respectiva «spnina», de que atrás falámos e de que há restos.»

 

Pág. 228 e 229
«A distância, de XXXII milia passuum, de Aranni à imediata mansão, mostra-se exata entre o castelo de Garvão e Santa Margarida do Sado – por Alvalade, Santa Ana do Roxo e Ermida. Em Alvalade, a estrada, até aí acompanhando a ribeira de S. Romão, por sua margem esquerda, passa à margem direita, sulcando as planícies marginais.»

Pág. 232 e 233.
«A via de Antonino, a partir de Garvão, com destino ao Norte, a Salacia-Serapia, vai transpor a ribeira em Alvalade, notável centração romana com muitas facilidades viais e excelentes travessias fluviais. Alvalade era o funil do transito geral, dos sectores setentrionais para os meridionais. O lugar em si, e no seu contorno, é impregnado de demonstrações de colonização romana, de que alguma coisa figura no excelente museu municipal de Santiago do Cacém, a que Alvalade pertence.
Os achados nas circunvizinhanças desta vila mostram-se, sobretudo, em Ameira (2 km ao noroeste da vila, sobre a ribeira de Campilhas) e nas herdades e montes de Metade, Conqueiros, Corredoura e Gáspeas, localidades a sueste, sobre a ribeira de S. Romão, dum e doutro lado dela, nas distâncias de 2 a 4 km de Alvalade. Os vaus da ribeira de s. Romão, em Alvalade, são o Porto de Beja e, a jusante, o Porto dos Coitos, este situado na estrada romana, do nosso intento. Sulca, desde Garvão, a borda ocidental da ribeira, em um lanço de 30 km até ao Porto dos Coitos, situado a 1 km a norte de Alvalade.
Corre pelos lugares de Funcheira de Baixo, Monte Ruivo, marcação geodésica de Adobos, Vale de Romeira, Boizana. Passa defronte da ermida de S. Romão de Panoias, de Monte Alto e da torre Vã. Em comunhão com o traçado do caminho de ferro vai continuando para Norte, pela mesma borda da ribeira, por Defesa, Retorta, Valmargem, Gáspeas, Corredoura (este o nome que outrora era dado às grandes vias militares), e, enfim, Figueiras, defronte dos arqueológicos lugares de Conqueiros e Metade. Preforma a vila de Alvalade a sua principal artéria.
A estrada continua acompanhando a ribeira pela margem direita, até Santa Margarida do Sado, em lanço de 20 km, o qual se faz por Coitos, Sobral do Meio Dia, Santa Ana do Roxo – onde a estrada real de Santiago do Cacém a Beja atravessa, em excelente porto, ou vau, a ribeira do Sado. Ao depois, tangente à foz da ribeira do roxo, vai à aldeia de Ermidas, corta a ribeira da Figueira, em Algeda ou em Porto de Mouro, e, por Moinho da Volta e marcações geodésicas de Atalaia e Garcia Menino (por dentro da curva do Sado) atinge o local do santuário Serápis.
O Castelinho de Algeda, no Sado, defronte da foz da ribeira da Lageda, ou da Figueira, de época que procedeu o domínio romano, dá sinais de haver sido o local de travessia, na estrada mais antiga da Imp. Salacia à Salacia Serapía. Esta estrada irrompe do Castelo Velho, em Santiago do Cacém. Vinha de Abela, depois ao Castelo Velho do Louzal e daqui ao Castelinho da Algeda, onde passava ao outro lado do rio, para Santa Margarida do Sado, aqui entroncando em diversas vias, entre elas a que nos propomos seguir, até Évora. Os 50 km contados de Garvão a Santa Margarida são os mpm XXXII, do Itinerário latino, entre Aranni e o «serapeu» de Salacia.»
«Uma antiga Estrada do Algarve, de Norte para sul, pela margem esquerda do Sado, transpunha o rio em Alcácer do Sal depois do que seguia por Valverde e Charneca, sempre a leste e a par da E. N. N.º 120. Aproximava-se de Grândola; Canal; Mina da Caveira – cujo minério, na época romana, afluía a Santa Margarida do Sado onde, em parte, era tratado, como mostra o seu escorial, e em parte seguia em embarcações. Ao depois da Mina da Caveira: Brunheira, Loizal Novo, marcos geodésicos de Faleiros e Cartaxo, Mal Assentada, Balça, Ameira, onde passava a ribeira de Campilhas; Alvalade.

De todos os modos, Garvão, era lugar obrigatório de convergência.»

 

(1) José D´Encarnação, Universidade de Coimbra, A Colecção Epigráfica De Mário Saa No Ervedal. HVMANITAS — Vol. XLVII (1995). P. 629.

(2) Idem p. Idem, p. 629, 630.

publicado por José Pereira Malveiro às 22:36

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