CENTENÁRIO
“O famigerado heroi do Crime Grande da Estação do Rocio”
FINAL e MORTE
de JOSÉ JÚLIO da COSTA
Parte 12 (de 12)
O “famigerado heroi do crime grande da estação do Rocio” morreu em 16 de Março de 1946, com a idade de cinquenta e dois anos, internado no Hospital Miguel Bombarda ao fim de vinte e oito anos de prisão, sem nunca ter sido acusado nem julgado do acto que vitimou Sidónio Pais.
O que eventualmente poderia depor sobre o seu percurso de militância politica na capital, no período anterior ao golpe de Sidónio Pais, junto de companheiros que anos depois estavam nas fileiras da nova policia politica; os incitamentos e influências que o motivaram para cometer o atentado; os complots que se sucederam e culminaram na sua libertação pela “noite sangrenta”; quem o protegeu e sustentou durante os anos seguintes; o seu conhecimento sobre os tramas que se conspiravam nos bastidores dos partidos políticos; sobre as convulsões porque passou a República, comprometia muita gente que agora fazia fileira no novo regime do “Estado Novo”.
De facto o depoimento de José Júlio da Costa em julgamento não interessaria a muita gente saída dos meios revolucionários pré Sidonistas e pós 28 de Maio e que engrossavam agora as fileiras do “estado novo”. Se a nova Assembleia Nacional 1 se enchia agora dos cabecilhas e dirigentes partidários recentemente convertidos ao novo regime: a nova tropa de choque; a polícia politica, os informadores e demais denunciadores saíram dos arruaceiros de rua que caracterizaram a primeira republica e que já Sidónio Pais tinha ensaiado na sua nova polícia politica.
O diagnóstico de esquizofrenia interessava a todos e todos pactuaram com essa desculpa que justificava o seu aprisionamento sem ser julgado em tribunal e o impediu de divulgar o que sabia.
Segundo João Paes, neto de Sidónio Pais 2 , “Ele foi protegido, sem sombra de dúvidas, é inconcebível que um assassino de um presidente da república não seja julgado, não seja condenado e posto simplesmente em prisão preventiva como se estivesse em banho maria á espera que se fizesse qualquer coisa”
Fruto dos tempos, espírito arrebatado, assanhado ou encarniçado, José Júlio da Costa irradiava poder, perturbava espíritos, sublevava emoções e alimentava esperanças. José Júlio da Costa nasceu com o republicanismo entranhado nas costas, com a obsessão dum revolucionário dividido entre a mera existência e a auto-afirmação, entre a liberdade que advoga e a tirania que repudia, imagina-se como sendo ele próprio o salvador, numa escalada mental que o leva à auto-alineação.
Mas poder-se-á ignorar a sua capacidade intelectual? Não estaria de facto letrado nas obras de autores como Tolstoi, Darwin, Nordau, Teófilo Braga, Buchner, Kropotkine, Malatesta ou Sebastião Faure? Poder-se-á ignorar o seu percurso de combatente republicano e descarta-lo como louco? Afinal pela implantação da Republica não estava ao lado de Machado Santos, na Rotunda, com apenas dezasseis anos? Não foi afinal como voluntário combater a rebelião em Timor em 1911? E os Alemães em Angola em 1914? Não se ofereceu inclusivamente para combater na Grande Guerra? Poder-se-á igualmente ignorar os contributos que deu como militar e civil para a consolidação da Republica? Afinal o que será preciso para alguém ter o reconhecimento devido? Com um percurso destes, na sua mente, claro que se pode dizer que se sentia mandatado para eliminar os traidores à «sua» Republica.
A morte grande da Estação do Rossio ficará para a história como um acto violento perpectuado contra o presidente da República da altura, mas poderia este caso ter acontecido sem a degradação moral, política e das instituições a que chegou a sociedade portuguesa? A primeira República será recordada como um período de governos instáveis e efémeros, de golpes violentos, de forte bulício político e extremação de emoções partidárias que permitiu o surgimento tanto de ditadores como de vingadores.
José Júlio da Costa, preso, desesperava pela revolução que lhe quebraria as amarras da prisão e o colocaria no mais alto pódio dos heróis nacionais; por ter livrado o país de um ditador; por devolver o governo aos democráticos; por ter apressado o retorno dos militares que lutavam em França durante a Grande guerra, por tudo isso e muito mais, não viu o seu feito ser projectado para o patamar do reconhecimento nacional.
José Júlio da Costa poderá não ter o devido reconhecimento que esperava, mas também não se poderá ignorar o cariz do ditador que abateu, se Sidónio Pais inaugurou a génese de um sistema politico que caracterizou o século XX, com as graves consequências por demais conhecidas, então também o gesto épico de José Júlio da Costa e o seu lugar na história terá de ser reconhecido.
In: José Pereira Malveiro, José Júlio da Costa - O Famigerado Herói do Crime Grande da Estação do Rocio, Garvão, 2018.
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