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Jun 18
 

CENTENÁRIO

“O famigerado heroi do Crime Grande da Estação do Rocio”

GARVÃO II

Parte 4 (de 12)

 

          Tendo saído de Garvão com 16 anos para ingressar no exército em 1910, volta a Garvão seis anos depois em 1916, com 22 anos de idade, conciliando a actividade de lavrador com comerciante. Casa com Maria do Rosário Pereira Costa, de famílias de São Martinho das Amoreiras, de quem não houve filhos, herdeira de bens fundiários, doravante administradas pelo marido.

          Propriedades estas que foram sendo paulatinamente vendidos pelo marido, não só para as suas despesas familiares, mas inclusivamente para manter as suas aspirações tauromáquicas, assim como algumas obrigações sociais na sua terra natal e ajudas monetárias aos camaradas em dificuldades.

          José Júlio da Costa estaria de facto envolvido na vida social da vila. Inconstante a raiar a imprudência segundo uns, benemerente ao ponto de se endividar segundo outros, pouco se conhece sobre esta sua faceta social, a sua façanha obliterou quaisquer outros aspectos da sua vida privada que eventualmente nos poderiam auxiliar a ajuizar de uma forma mais consistente a sua mentalidade.

          Contudo, pelo que chegou até nós, as suas funções como politico e/ou presidente da Junta de freguesia[1] e o seu temperamento tempestivo e de alguma voluntariedade deveriam de acarretar algumas despesas, não só a actividade do teatro descrita por José dos Reis Sequeira, mas igualmente a solidariedade e a partilha com as pessoas, segundo a afirmação de um sobrinho[2], “A fortuna da mulher, ao nível das terras, estava em liquidação, porque eles tinham vendido, boa parte do património tinha sido vendido, tinha sido convertido exactamente nessa actividade dele, desde a tauromaquia à solidariedade, à partilha que ele tinha com as pessoas, e com o pagamento de despesas.”[3]

          Igualmente Rocha Martins, cuja antipatia por José Júlio da Costa ficou bem explanada nos seus Fantoches, menciona, em Sidónio Pais - Ídolo e Mártir da Republica, as esmolas dadas por este que o levava a arruinar-se, “(…) tem a vaidade excessiva que o leva a arruinar-se em esmolas para atrair a estima pública (…)”[4]

          Será neste período que José Júlio da Costa protagoniza a maior parte das peripécias porque ainda hoje é recordado na vila de Garvão e desenvolve uma actividade politica, com as exaltações e frustrações daí inerentes que afectavam o seu exaltado espirito.

          Irrequieto, não seria a vida de casado que o iria acomodar ou os negócios familiares que o sossegariam, tanto cavalgava até Ourique, sede administrativa do concelho, onde se intrometia na vida política concelhia, como apanhava o comboio para Lisboa onde se imiscuía e participava na vida política nacional[5].

          Não será difícil imaginar José Júlio da Costa, devido ao seu feitio arrebatado e encarniçado, em discussões empolgadas e impetuosas a incentivar os seus companheiros a tomarem acções decisivas. A sua militância política junto dos círculos políticos republicanos dos democráticos de Afonso Costa, com os quais se identifica e junto da sede do concelho, onde durante o consulado Sidonista teria sido nomeado pelo administrador do Concelho para presidente da Junta de Freguesia de Garvão[6], terá pesado decididamente na sua decisão em matar Sidónio pais.

          Cargo esse que estaria de acordo com o sentimento político da altura e segundo o exemplo do seu herói da Rotunda de 1910, Machado Santos e de outros republicanos e sindicalistas em dar cobertura, neste início de governação, a Sidónio Pais.

 

[1] José dos Reis Sequeira, Relembrando e Comentando (memórias de um operário corticeiro) 1914/1938, edição da Regra do Jogo, 1978.

[2] Joaquim Pereira da Costa, sobrinho de José Júlio da Costa, in: O Homem Que Matou Sidónio Paes. Realização Bruno Niel. Produção Valentim de Carvalho SA. 2008. Exibido na RTP 1 em 13 de Dezembro de 2008.

[3] “O José Júlio da Costa casou há tempos com uma senhora viúva, que tem uma fortuna avaliada em trinta contos.” O Século de 16 de Dezembro de 1918.

[4] Rocha Martins, 2008, p. 384.

[5] “Vinha frequentes vezes a Lisboa, onde levava uma vida de boemia, conhecendo-se-lhe até algumas amantes. (…) É conhecido nas casas de jogo de Lisboa, tendo-se-lhe ouvido dizer há pouco tempo que «no dia em que lhe faltar o dinheiro, havia de dar que falar” O Século de 16 de Dezembro de 1918.

[6] José dos Reis Sequeira, Relembrando e Comentando (memórias de um operário corticeiro) 1914/1938, edição da Regra do Jogo, 1978.

 

In: José Pereira Malveiro, José Júlio da Costa - O Famigerado Herói do Crime Grande da Estação do Rocio, Garvão, 2018

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publicado por José Pereira às 21:20

06
Jun 18

Açougue.jpg Açougue2A.jpg

Imagens do Açougue de Garvão.

Com o Sino em 2013 e presentemente sem o Sino.

 

O Açougue

          Os Açougues eram espaços de comércio fechados, construídos pelos concelhos, mas normalmente concessionados a comerciantes particulares, certamente em condições vantajosas, mas com a contrapartida de grande controlo quer dos abastecimentos quer dos preços, pelos competentes oficiais concelhios.[1]

          Na Idade Média abrigavam a venda de comestíveis, pelo que “o açougue era, em princípio, um mercado permanente onde se vendiam a carne, o peixe, os legumes, Com o tempo, os açougues passam a abrigar apenas a venda de carne e de peixe, para se especializarem posteriormente apenas na venda da carne a retalho, por uma evolução semântica muito interessante, a palavra talho acabará por ganhar o significado do velho açougue da carne – palavra que sobrevive, tanto quanto se sabe, no Português do Brasil.[2]

          Caução e símbolo maior da abastança dos Povos, os açougues foram sempre motivo de grande preocupação tanto do poder central como do local, sempre preocupado com os abastecimentos. Assim, os Açougues, para lá da venda a retalho eram também posto de recolha e de controlo obrigatório pelo menos de certos produtos.[3]

          Eram construções muito modestas e arquitectónica e decorativamente muito despretenciosas, aproximando-se – como arquitectura emergente dos Povos ao serviço dos quais foi construída – de modelos arquitectónicos vernáculos, como o belíssimo e quase escultural Açougue de Garvão. Com efeito, tendo por abertura ao exterior apenas uma porta muito simples, o açougue de Garvão é de uma pureza quase abstracta, modelada sensualmente por gerações e gerações de caiadelas sobrepostas.[4]

          Os açougues tratando-se de edifícios tipicamente concelhios, alguns mantiveram até hoje um típico atributo da arquitectura dos velhos concelhos portugueses, a sineta da Câmara, instalada num pequeno campanário. Este está localizado no topo da empena, no extremo esquerdo da fachada principal do açougue de Garvão. Este tão rústico mas tão bonito campanário de alvenaria (felizmente ainda intacto) mantém, sob densíssimas camadas de cal, dois singelos e muito discretos frisos paralelos no seu topo, que acompanham e coroam o desenho global do mesmo e sublinham o arco que define a ventana do sino.[5]

          Face ao sino das igrejas e capelas, o campanário da câmara, essencialmente laico e cívico, sinalizava os edifícios concelhios, fosse qual fosse a sua função. O campanário surgia, assim, no cume da fachada das cadeias concelhias, tal como no cume de açougues como os de Garvão.[6]

          No Foral Velho de Garvão, de 1267, surgem varias disposições sobre a obrigatoriedade da venda dos produtos no Açougue e os respectivos impostos. Já no Foral Novo de Garvão, de 1510, apenas consta uma menção relacionada com o controle pela saída e entrada dos produtos.

 

[1] CAETANO, Carlos Manuel Ferreira – As Casas da Câmara dos Concelhos Portugueses e a Monumentalização do Poder Local (Séculos XIV a XVIII). Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2011.

[2] Idem

[3] Idem

[4] Idem

[5] Idem

[6] Idem

publicado por José Pereira às 22:37

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