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O CRISTIANISMO NA PENÍNSULA IBÉRICA
          A mitificação das origens de um estado, mais do que enaltecer um acto genesíaco ou fundacional procura a legitimação da memória histórica baseado numa realidade fenoménica de virtudes, glorificação e de engrandecimento do passado, idealizando uma época que revela o irrealismo prodigioso duma imagem engendrada, mas que no fundo a população têm como garantido e de si mesmos.
          É recorrente na história das nações organizar o passado histórico em função das necessidades do presente, os mitos fundacionais são na maioria dos casos, senão em todos, uma espécie de mitologia em que o historiador adapta a verdade histórica de forma a inculcar uma determinada visão do passado, ficcionando-a e modelando-a ao serviço dos interesses ideológico-políticos tanto do passado como do presente.
          Ao mistificar esta fundação de Portugal em Dom Afonso Henriques, herdeiro duma terra, resgatada ao infiel, que tem a sua origem nos guerreiros lusitanos, procura-se suprimi-la, numa altura de lutas pelos territórios fronteiriços ou de indefinição dinástica, á ocupação ou mesmo ao aniquilamento por parte dos reinos vizinhos como se veio a observar com a ocupação Filipina de Portugal.
          A história de Portugal regista a batalha de Ourique em 25 de Julho de 1139, dia de Santiago, um dos apóstolos que teria difundido a fé cristã na Península Ibérica.
        Os relatos sobre a evangelização da Península por São Tiago são manifestamente tardios e impossíveis de confirmar. A ausência de informações concretas sobre as origens da penetração do cristianismo nesta zona, deu lugar a toda uma série de mitos e até mesmo de tradições.

         Segundo uma tradição lendária, no século IX, na Galiza, um eremita de nome Pelaio, anunciou uma revelação, sobre um túmulo, que tivera enquanto dormia, contendo umas relíquias que foram de imediato veneradas e associadas a Santiago e sobre o qual viria a ser erguida a Catedral de Santiago de Compostela.

          Os árabes invadiram a Espanha em 711 e deixaram, aos ibéricos, apenas o norte da península, conhecida por Astúrias, onde mantiveram uma resistência à dominação árabe. Nesse período, fazia falta aos hispânicos uma figura que unificasse a luta contra o inimigo comum. As dificuldades no acesso aos tradicionais destinos de peregrinação cristã, Roma e Jerusalém, acabam por conduzir muitos peregrinos a Compostela.

          Da mesma forma que os muçulmanos tinham a sua peregrinação a Meca, os cristãos também passariam a ter a sua peregrinação a Santiago de Compostela na Galiza e se nas batalhas os mouros invocavam Maomé, os cristãos passaram a chamar por Santiago, “o matamouros”.

          A lenda do “Santiago-matamouros”, surgiu relacionado com a lendária batalha de Clavijo em Espanha em 25 de Julho de 844, dia de Santiago, onde um rei cristão, em grande desvantagem numérica, desbaratou e derrotou vários reis mouros. A documentação histórica referente a Clavijo é contestada, e tudo leva a crer que foi forjada pelo Arcebispo de Toledo, Rodrigo Jiménez de Rada que terá forjado uma narrativa de traços míticos, na qual milagrosamente Santiago intervira numa batalha a favor dos cristãos na luta contra os mouros, considerada fantasiosa por falta de documentação ou de outras referências credíveis.

          A lenda conta que Ramiro I teve um sonho no qual o apóstolo Tiago teria garantido a sua presença no campo de batalha e assegurado a vitória. De acordo com essa lenda, no dia seguinte os exércitos de Ramiro I, encorajados pela presença do Apóstolo montado num cavalo branco, a lutar contra os seus adversários, decapitando os mouros e ajudando a vitória dos cristãos do rei Ramiro, onde em grande desvantagem numérica enfrentava as tropas muçulmanas.

A BATALHA DE OURIQUE
          Os relatos descrevem o acontecimento da batalha de Ourique em 25 de Julho de 1139, em que um rei cristão, D. Afonso Henriques, em inferioridade numérica derrota vários reis muçulmanos, precisamente no dia de Santiago e apesar de existir vários documentos, desde o século XII, que falam sobre a batalha, a menção ao aparecimento de cristo a D. Afonso Henriques só aparece no século XV, cerca de 300 anos depois da suposta batalha, possivelmente redigida por Fernão Lopes, cronista do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra em 1419, numa altura de guerras com Castela.
           Se nos registos anteriores ao século XV, a vitória da batalha de Ourique era atribuída a São Tiago, posteriormente passou a ser atribuída a Cristo, se no campo de batalha, pela disputa dos territórios fronteiriços, os Castelhanos bradavam a Santiago, os Portugueses tinham de bradar mais alto, a Cristo directamente.
          Com a invenção do milagre, a este vai-se acrescentando, nos séculos seguintes, sempre com mais alguma narrativa, conforme os escritores que sobre o acontecimento relatam, até que chegando ao século XIX, Alexandre Herculano as denúncia como meramente fantasiosas e carentes de legitimidade histórica.
          No século XVII, com a ocupação do trono e do reino pelos Filipes Castelhanos, a lenda ganha mais prestígio e precisão pela mão do frade cisterciense Bernardo de Brito.
          De facto não se encontram referências sobre esse acontecimento antes dessas datas, nem na crónica geral de Espanha de 1344, nem nas outras fontes sejam elas portuguesas, castelhanas ou árabes, nem inclusivamente nos documentos mais antigos que se conhecem sobre a vila de Ourique, a carta de doação de feira de 1288 e a carta de  foral de 1290, ambas concedidas pelo rei D. Dinis.
          De referir também que nos primórdios da formação de Portugal o Campo de Ourique não se restringia somente á vila ou concelho de Ourique, era, de uma forma incipiente, geralmente considerado grande parte do território que se prolongava para sul do rio Tejo, portanto falar numa batalha de Ourique seria falar numa região a Sul do Tejo.
          As particularidades das lutas pelo controle do território entre cristãos e muçulmanos não favoreciam a concentração de grandes exércitos ou de batalhas campais, constituídos maioritariamente pela cavalaria pesada da nobreza terra tenente, com armaduras imponentes e exercito pedonal incluindo arqueiros e lanceiros.
          Quando a fronteira do reino de Portugal em 1139 se situava no rio Mondego, era inadmissível situar um exército desta natureza a cerca de quinhentos quilómetros da fronteira e em pleno território inimigo.
          As conquistas das cidades por D. Afonso Henriques e sucessores, faziam-se mais à custa das tropas ligeiras dos concelhos, dos cavaleiros-vilãos, peões e besteiros, ou de intrépidos aventureiros como Geraldo-Sem-Pavor que conquistou Évora, ou trepando os muros na calada da noite como sucedeu em Santarém ou com a ajuda dos cruzados como no caso de Lisboa, as próprias ordens religioso-militares resguardavam uma boa parte dos seus guerreiros na defesa dos seus próprios territórios.
          As vitórias de D. Afonso Henriques contra os sarracenos e as suas ambições politicas em formar um reino independente, carecia de fundamento e do respectivo reconhecimento, nesse sentido haveria de mistificar a fundação do reino na criação divina. As vitórias nos campos da batalha e as conquistas territoriais, tomaram assim uma dimensão fenoménica. Haveria de glorificar e engrandecer as escaramuças, contra o infiel, pela conquista territorial e a expansão da fé, para justificar a pretensão de D. Afonso Henriques a ser rei dum reino soberano e independente.
          Os cinco reis mouros derrotados poderiam equivaler a outras cinco batalhas, emboscadas ou acções de guerrilha, temporalmente apartadas, tomando o nome daquela que no contexto geo-político da época se apresentava mais distante, ou seja depois do Tejo, não deixando, contudo, de ter em atenção tanto as imprecisões localizáveis no terreno como os exageros dos feitos e fanfarronices de cavaleiros. No quadro da imaginária historiografia dos monges alcobacenses, seria «bem mais gloriosa para o rei seu protector» uma vitória obtida lá mais para Sul, bem dentro das terras infiéis.

          Assim, estas escaramuças pelo território, tomou no século XV um sentido mítico-sacralizante do rei e do reino, esta mitificação das origens aparece assim como a peça fulcral, como o milagre que faltava para atestar a protecção divina concedida a este reino desde a sua fundação.

          A concluir no que diz respeito á batalha de Ourique, sob o ponto de vista do espetáculo, da especulação, da teatricalidade, muito pouco há a dizer, sob o ponto de visto histórico podemos recorrer, como exemplo, ao que diz o historiador José Hermano Saraiva no programa da RTP, "A Alma e a Gente", emitido em 26 de Novembro de 2006:

“Por isso eu admiro-me muito por ver aqui à porta da Câmara Municipal, está ali uma placa com uma série de nomes, … e disseram-me “… esses morreram na Batalha de Ourique, no século XII”, “o quê?!” “é”, então comecei a ler. Lá em cima diz Fernão Mendes de Bragança e os seus dois irmãos, Egas Moniz e os seus dois filhos, Afonso vi, o Moço Viegas, o Soeiro Viegas, o Garcia Mendes, o Lourenço Mendes e até lá está o D. Fuas Roupinho. Como sabem o D. Fuas Roupinho era um almirante que parece, também segundo, tudo isso é lenda, … até o D. Fuas Roupinho mataram aqui para fazer aquela lápide. Eu sinceramente discordo dessas invenções históricas, Portugal tem tanta glória verdadeira, tem tantos factos de que nós nos podemos sinceramente orgulhar, que escusamos de recorrer a estas invencionices. Nós não precisamos, graças a Deus, nesse capítulo de episódios gloriosos de roubar nada a ninguém.”

publicado por José Pereira às 13:46

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