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Jun 16

IRMANDADE DO SAGRADO ESPÍRITO SANTO

E DA

SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE GARVÃO

          Na vila de Garvão existe conhecimento da existência da Misericórdia, contudo a Santa Casa da Misericórdia da vila de Garvão edificou-se por cima de uma Confraria muito mais antiga, a Irmandade do Sagrado Espírito Santo, daquelas que surgiram no mundo Cristão a partir do século XII ou XIII.
          Durante um certo tempo existiram pacificamente ao lado uma da outra, até que a Misericórdia, investida de protecção régia, foi-se apropriando dos bens da Confraria. Quando da extinção, no século XIX, da Misericórdia de Garvão, só a lembrança desta chegou aos nossos dias, com um total desconhecimento da população sobre a existência da Irmandade do Sagrado Espirito Santo.
          Assim, a assistência aos necessitados e aos mais desfavorecidos tem uma tradição muito antiga em Garvão que remonta muito antes da instituição das Misericórdias pela Rainha D. Leonor em Lisboa a 15 de Agosto 1498.
          A Irmandade do Sagrado Espirito Santo era uma Confraria muito antiga, de que não sabemos a data da fundação, tinha Igreja; a Igreja do Sagrado Espirito Santo, o hospital, e era a detentora de todas as terras e propriedades que passaram posteriormente para a Misericórdia.
          Apesar de não se saber a data precisa da fundação da Misericórdia de Garvão, existem referências à Santa Casa da Misericórdia de Garvão já no século XVI, a sua extinção deu-se no século XIX, depois da Revolução liberal e o seu património foi disperso, chegando-nos contudo um livro com a data mais antiga de 1609 que servia para “copiar todas as Provisões, Alvarás, Documentos, Escrituras da Misericórdia e do Sagrado Espirito Santo”.
          Nesse livro, que apesar de não ser a história da Irmandade ou da Misericórdia da vila de Garvão, contribui de forma significativa para o seu conhecimento e para a sua história. Aqui relata os nomes de uma boa parte da população, dos Provedores, Secretários, Tesoureiros e mais Irmãos da Santa Casa da Misericórdia como Manoel Lopes Gamitto, André Malveiro, lança, Mestre, Guerreiro, Raposo, Martins, entre muitos outros.
          Tomamos conhecimento que várias propriedades em torno de Garvão eram da Irmandade do Sagrado Espirito Santo, e passou posteriormente para a Santa Casa da Misericórdia de Garvão, nomeadamente o Arzil, (propriedade de considerável dimensão, a maior e a mais rica da actual freguesia), assim como oMau Passo e outras já desaparecidas de que se perdeu a localização como a horta das Maçans ou o Pego do Limão, a Vinha Velha, Mesa das Oliveiras, Moinho do Morgado ou do Madeira, Farrejal da Coroa, terras da Xarneca, cerca do Fidalgo, cerca ao pego D’andorde, entre outras.
          Também à referência a proprietários, o nome de Dom Miguel Maldonado e Dom Sebastião Maldonado surgem como detentores de grande extensões de terras que chegavam inclusivamente aos arrabaldes da vila, á rua Nova. Outras terras, dentro da freguesia, eram da Capela da Coroa e da Capela do Anal, outras terras eram do Concelho desta vila, também a Comenda da vila de Garvão surge nesse livro como detentora de várias propriedades.
          A Irmandade do Sagrado Espirito Santo e posteriormente a Santa Casa da Misericórdia de Garvão eram detentoras de outras herdades fora da actual freguesia como a Quinta do alto em Cazevél, Vinha dos Bacorinhos em Santa Luzia, um Farrejal no Vale de Santiago, e as Herdades de Domingos d‘Egua, do Monte Alto da Corte Pego, da Fauza, da Alcaria da Serra, do Verdelho e da Galharda todas na Freguesia de São Martinho das Amoreiras.
          Surge referências também a outras Herdades, como o “Pixouto”, “Val de Inxares”, “Carvalheira” etc., assim como Manoel Guerreiro Gadelha, morador no Monte Zuzarte, que tem a particularidade de “Gadelha” ser um nome judeu.
          A passagem dos bens da Irmandade para a Misericórdia, ao que parece e ainda segundo o mencionado livro, não foi pacífica, pois surgem em várias páginas petições do Provedor e mais Irmãos da Santa Casa da Misericórdia para que lhe sejam entregues os bens da Irmandade.
          Em 17 de Dezembro de 1733 surge uma provisão, baseada numa petição da Misericórdia, no qual em nome de EL Rei Dom João, mandam entregar á Misericórdia os bens da Irmandade, “Hei por bem fazer mercey aos suplicantes Provedor e mais Irmãos da Mizericórdia da Villa de Garvão, a ... pose de cobrarem os sobejos, e as rendas do Hospital da dita Vila de Garvão”, baseado em “... hum livro velho que servio ndita Caza numerado, e rubricado por Roque Cortês de Freites Juiz da Ordem que foi na mesma Comarca ...”, “...tudo se declara no Alvará de vinte e um de Fevereiro do ano de mil e seis Centos e nove, que se acha registado nos livros da mesma Caza da Mizericórdia ...” No qual: “... Pelo que mando ...aos ditos Provedores, e Irmaos cobrar e despender os sobejos das dittas rendas ... sem embargo de qualquer, Porvizão ou regimento ... pasado pela Xanselaria da ordem. // Luis Penedo a fez em Lisboa a vinte e hum de Fevereiro de mil e seis Centos, e nove anos, e Eu Jorge Coelho de Andrade a fiz escrever // REY . . . .. . . . // Garvão vinte e quatro de Janeiro de mil e sete Centos trinta e quatro, sobre dito o escrevi e asignei / / O Padre Duarte Barradas, ~ ~ ~ ~ //.
          Contudo ao que parece os Irmãos da Irmandade não entregaram á Misericórdia os bens, nem em 1609 nem em 1733, pois em 5 de Dezembro de 1765 surge outra provisão em nome de El-Rei Dom José na qual volta a dar posse à Misericórdia dos bens da Irmandade: “...fora eu servido ordenar ao Juiz da Ordem da Comarca os metece de pose de cobrar os dittos sobejos e rendimentos que ouve...” ”...El Rei nosso Senhor o mandou pelos Doutores Manoel Ferreyra Lima e Sebastião Mendes de Carvalho deputadoda menza da Consciencia e Ordens. AgostiNho Joze da Costta a fez em Lisboa a sinco de Dezembro de milsette Centtos e sesenta e sinco annos, Vicente Gomes de Araujo e Souza a fes escrever ... por despacho da Menza da Conciencia e ordens de Outto de Outubro de mil settecenttos e sesenta e sinco...”.
          Porém, continua a haver divergências pois surge uma recusa em entregar os livros conforme se constata no enxerto seguinte, assim como tomamos conhecimento que celebrava-se duas festas do Espirito Santo. “...socedia que o Juis da Ordem da ditta Comarca Diogo Couseiro de Abreu na vezita que fizera na mesma villa em Dezembro de mil e sette Centos e sessenta e tres aprezentandolhe o Mordomo do ditto Hospital os livros da Reseita e despeza que na ditta Caza haviaõ lhos naõ quizera restituir entregando as ao Prior para governar a referida confraria fazendo suspender as obras que a Irmandade da ditta Caza trazia em reparos da Igreja com o fundamento de axar por satisfazer a duas festas do Espirito Santo, e da obrigaçaõ do ditto Hospital...”
          Os bens da Irmandade acabaram por ser praticamente usurpados pela Misericórdia, que animada de protecção régia acabou por extinguir as Irmandades e Confrarias, movimentos laicos que está precisamente na origem das Misericórdias.
          Afirmar que foi a Rainha D. Leonor que fundou as Misericórdias em Lisboa em 1498 é desprezar todo o movimento misericordioso desenvolvido pelas comunidades e populações que muitas vezes sem conhecimento régio ou do clero, pegaram nas suas parcas possibilidades e desenvolveram esquemas de protecção dos mais desfavorecidos, enfermos, pobres, órfãos etc. O que parece, é que, com a instituição das Misericórdias, ouve um aproveitamento régio e do clero no sentido de usurpar ou controlar alguma riqueza que as Irmandades administravam e vinham acariando há já dois ou três séculos. O que eventualmente acabaram por conseguir, pois o seu dinamismo era animado pelo poder Real e contavam com a protecção e incentivo dos restantes poderes instituídos.
          A Irmandade do Sagrado Espirito Santo, a partir do momento que perdeu os bens, deixou de ter receitas para fazer face ás despesas, inclusivamente para as obras na Igreja do Sagrado Espirito Santo que acabou por cair e deixar de fazer parte da lembrança da população. As bases sociais de apoio das Misericórdias divergem das Confrarias. As Confrarias admitiam “Irmãos” de base social diversa, incluindo mulheres, e tinham origem em movimentos associativos laicos e, os leigos formavam naturalmente os seus corpos de gestão, pouco ou nada supervisionados pelas entidades eclesiásticas. As Misericórdias, admitiam apenas homens e membros das elites existentes a nível local: nobreza, clero, comerciantes, mestres, lavradores proprietários, etc., em consequência desta filiação condicionada, o número de “Irmãos” era reduzido em comparação com as Confrarias.
          No século XIX, várias vicissitudes levaram ao fim das Misericórdias, por um lado, as fraudes eleitorais, o desprestígio dos irmãos, a má gestão e as dívidas acumuladas trouxeram o descrédito generalizado ás Misericórdias. Por um lado as leis Pombalinas quebraram a tradicional autonomia das Misericórdias, colocando-as sob ingerência estatal, e com o advento do liberalismo e a promulgação da lei de 4 de Abril de 1861, que ordena a venda dos bens das Misericórdias, acabaram por encerrar de vês a maioria das Misericórdias do reino.

publicado por José Pereira às 21:47

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