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Jan 14

A DANÇA DE GARVÃO“
     Na vila de Garvão, até há relativamente pouco tempo, meados dos anos de 1960, todos os anos, era costume aparecer a “Dança”.
     Era um costume muito antigo, que foi passando de geração em geração até aos nossos dias, que as pessoas da terra, espontaneamente, davam continuação, geralmente pelo Carnaval.
     Acredita-se que no passado a Dança tivesse surgido por outras finalidades, mas que agora, desenquadrada do modo de vida que lhe deu origem, tenha sobrevivido como mero entretimento das populações.
     Os dançarinos, ensaiavam meses antes da saída, por vezes aproveitavam o ensaio para pisar algum solo de terra batida dalguma casa que precisasse e que estivesse em construção.
     Os dançarinos, geralmente 6 ou 8 pares, trajavam-se a rigor, vestiam roupas alegres, que enfeitavam com fitas de pano e flores de papel às cores, usavam, também, xaile e chapéu que forravam com papel e flores coloridas.
     Nos últimos tempos da sua saída dançavam 3 danças, a dança das Voltas, a dança das Fitas ou do Mastro e a dança dos Arquinhos, que é a única dança cantada, mas, segundo informação dos mais idosos, sabe-se que há cerca de 80 anos dançavam-se mais duas danças: a dança das Espadas e a dança dos Guizos.
     Por vezes, na vila, aparecia mais do que uma “Dança”, havendo notícia de num ano terem surgido 5 “Danças”. Nos últimos tempos, eram acompanhadas, musicalmente, ao som da flauta, e por vezes por acordeão e rebeca (violino), eram também utilizadas pandeiretas, pratos e bombos. Contudo, há conhecimento do acompanhamento musical, em tempos mais recuados, ser ao som de viola alentejana ou d’arame.
     Os dançarinos corriam a vila, de rua em rua, e a freguesia e os lugares mais próximos, de monte em monte, em deambulações que por vezes chegavama durar meses, prolongando-se até Maio.
     Se por uma questão de oportunidade procuravam o Carnaval para saírem, porsua vez, depois de estarem na rua a “Dança”, e a progressão de terra em terra, prolongava-se por vários meses. Durante esta “peregrinação”, a dança era composta só por homens, mascarando-se, alguns de mulher para formar o par.
     Nos lugares onde actuavam, as pessoas costumavam oferecer-lhes, essencialmente pães, linguiças e algum dinheiro. Este tipo de dança, ao que parece, não se restringia só a Garvão, era também conhecido e dançado nas terras vizinhas do interior alentejano, assim como são amplamente conhecidas e dançadas, em vários países da Europa.
     Há quem as relacione com a antiguidade e os tempos pré-históricos, com as danças da fertilidade que se dançavam no início de cada ciclo agrícola, a celebração do renascer da vida, de um novo ciclo vegetal e animal, depois dos meses das trevas, do inverno e das chuvas.
     Os Romanos celebravam o novo ciclo de vida no 1º de Maio com as festas das “Maias”.Segundo Bob Pegg, in “Rites and Riots: folk customs of Britain and Europe” (Blandford Press, 1981), ainda hoje em Elstow, Bedford, em Inglaterra, realiza-se o festival de Maio, assim como em Northfleet, Kent, ou em Staford-on-Avon, Warwickshire, também em Inglaterra.
     A dança dos Mastros dança-se ainda em França, em Bayonne e, em Villafranca na Espanha, entre vários outros países Europeus.
     Talvez sejam raízes culturais comuns, antiquíssimas, talvez de influência Celta, que sobreviveram até aos nossos dias e se encontram espalhadas por uma boa parte da Europa.
    
Os Pauliteiros de Miranda e os Escoceses, ao usarem ambos saias e tocarem gaita de foles, talvez não sejam meras coincidências, e um bom exemplo, destas reminiscências comuns do passado.

LETRA DA DANÇA DOS ARQUINHOS (Única Dança cantada).

Ó moças façam arquinho
Ó moças façam arcada
Para passar o meu benzinho
Para passar a minha amada

Para passar a minha amada
Para passar o meu benzinho
Ó moças façam arcada
Ó moças façam arquinho 

DANÇA DOS GUIZOS E DAS ESPADAS: “MORRIS DANCE IN SOUTH PORTUGAL”
     Uma vez, a Dança, foi dançar ao Lar deOurique, onde se encontrava o Ti’ Chico Charrua, natural de Garvão, e nessa altura,em 1995, com cerca de 85 anos de idade, no fim da actuação, disse-nos assim, mais ou menos, com estas palavras: “Deviam ver quando eu era pequeno, isso é que era dançar, a malta ia às arramadas, e trazíamos os guizos das bestas, punham-se nas pernas ou nos peitos e aquilo é que era dançar”.
     Foi assim com esta introdução que o Ti’Charrua, já falecido, pela publicação deste livro, deu a conhecer a existência de outro tipo de dança em Garvão de que não havia ideia.
     Ora, este tipo de dança, é conhecido, na Inglaterra, como a dança dos “Morris”, e para grande alegria dos folcloristas ingleses que a julgavam perdida, foire descoberta nos anos de 1930, numa aldeia do interior Inglês, segundo Bob Pegg, Rites and Riots: folk customs of Britain and Europe; Blandford Press, 1981.
     Pois a dança que o Ti’ Charrua nos acabou de informar é tal e qual a dança dos “Morris” Ingleses, e era acompanhada por qualquer instrumento que houvesse na altura, de preferência uma viola d’arame ou uma rebeca (violino).
     De facto, em Garvão, e nas terras vizinhas, só os habitantes com 85 anos de idade, ou mais (em 1995), é que se lembram desta dança e da dança das espadas.

 

IN: Malveiro, Jose P. GARVÃO Herança Histórica. Beja, 2003, Gráfica amdbeja.

 

publicado por José Pereira Malveiro às 19:21

        

 

JOSÉ JÚLIO DA COSTA - O homem natural de Garvão que matou o Presidente da República, Sidónio Pais.
    
    
José Júlio da Costa nasceu em Garvão, no dia 14 de Outubro de 1893, no seio de uma família de proprietários, considerada abastada para a época. 
     
Os pais, também de Garvão, eram Eduardo Brito Júlio e Maria Gertrudes da Costa Júlio, e era casado com Maria do Rosário Pereira Costa de quem não houve filhos.
     Era o segundo filho de sete irmãos, um dos quais, “Senhor Celestino da Costa”, como era conhecido, era esposo da professora D. Ilda, e foi o primeiro presidente da Junta de Freguesia de Garvão depois do 25 de Abril. José Júlio da Costa, assentou praça ,no exército, como voluntário, aos 16 anos em 21 de Maio de 1910.
      Combateu na Rotunda, pela implantação da República, nos dias 4 e 5 de Outubro desse ano. Ofereceu-se como voluntário paraTimor, Moçambique e Angola, onde recebeu um louvor em 27 de Dezembrode 1914.
      Deixou o exército a 11 de Abril de1916 com o posto de Segundo Sargento. Pela Grande Guerra, (1914/18), ofereceu-se como voluntário para combater a Alemanha, o que não conseguiu.
      José Júlio da Costa, nas entrevistas que deu, antes da sua morte, mostra claramente o seu descontentamento generalizado com a política seguida por Sidónio Pais, a quem acusa de traição aos ideais da revolução Republicana de 1910, por ser adepto da Alemanha e de alinhar ao lado dos Monárquicos e Clero, inimigos da República.
      De facto, Sidónio Pais governou em ditadura, pela política que implementou. Pode-se afirmar que foi o percursor de regime fascista nascido a 28 de Maio de 1926, que levou Salazar ao poder.
      Sidónio Pais, sublevou as instituições democráticas nascidas com a revolução republicana e fez-se “coroar” presidente à revelia do Congresso e da Constituição Portuguesa.
      No seu breve ano de governação foi suficientemente demonstrativo do cariz fascisante da sua política ditatorial. Liquidou o sistema parlamentar democrático, impôs a censura à Imprensa, centralizou os poderes, criou a polícia preventiva, rearmou a polícia pública, empregou uma enorme demagogia nos seus discursos políticos, transferiu para Lisboa as unidades militares da sua confiança, atulhou as prisões com milhares de adversários republicanos; num ano de governação passaram pelas prisões de África e do país cerca de 20 mil pessoas.
      José Júlio da Costa acusa também Sidónio Pais de ter abandonado, à sua sorte, o Corpo Expedicionário Português que combatia nas Flandres em França, na Grande Guerra de 1914-18, provocando a morte a cerca de 3000 soldados, sargentos e oficiais.
     Tudo isto reforçou a convicção em abater Sidónio Pais, já ciente na sua mente, depois da traição perpetuada nos trabalhadores rurais do Vale de Santiago, facto que viria a consumar no dia 14 de Dezembro de 1918, na Estação do Rossio em Lisboa, com 25 anos de idade.
     Depois de ter morto Sidónio Pais, José Júlio da Costa, foi preso e brutalmente agredido, logo ali no local, e levado posteriormente para a Escola de Guerra onde sofreu novos suplícios no seu corpo já ensanguentado. Preso, José Júlio da Costa sofreu todo o tipo de agressões, incluindo disparos, a meio da noite, para dentro da cela. 
    
Os seus próprios familiares,sem terem nada a ver com o caso, foram molestados pelas autoridades, inclusivamente a sua mãe e a sua esposa, Rosária Pereira Neves Costa, foram presas nos calabouços do governo civil, onde ficaram incomunicáveis (Jornal “O SÉCULO”página 3 de 18 de Dezembro de 1918).
     Ainda hoje, algumas pessoas da vila falam de tal, e ainda se lembram do estado
que a D. Maria Gestrudes chegava à vila depois de ir ver o filho a Lisboa.
     A mãe, antes de morrer, só pediu uma coisa: que levasse consigo o retrato do filho quando fosse enterrada. José Júlio da Costa morreu a 16 de Março de 1946, no Hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, em Lisboa, com 52 anos de idade, com a razão toldada por 28 anos de prisão sem nunca ter sido julgado, completamente esquecido nas prisões do regime.

A GREVE GERAL DE 1818 E AS OCUPAÇÕES DE TERRAS EM VALE DE SANTIAGO.
     A história de José Júlio da Costa não se resume só ao homem que matou um Presidente da República, porque Sidónio Pais era acima de tudo, pelas políticas que tomou, e implementou, um ditador.
     É também a história de toda uma luta de classes, pela posse da terra, que assola o Alentejo de tempos a tempos.
     É a luta dos que não têm terra, em oposição aos que a têm e não a desfrutam, ou não dão trabalho a quem precisa.
     É também a história de como toda uma população, de um dia para o outro, se viu despojada dos mínimos meios de subsistência, a que estava habituada porséculos de vivência com a usual posse de terra.
     Tal uso, foi alterado com as revoluções liberais, da primeira metade do século XVIII, e subsequentes alterações efectuadas no sistema fundiário e venda dos baldios, o que de um momento para o outro privou a população mais pobre de alimentar o gado, apanhar lenha ou ter a sua própria horta. Situação esta, de privação do mínimo uso da terra para as suas necessidades alimentares básicas, que ainda está muito fresca na memória dos sem terra Alentejanos, que eructa de tempos a tempos com uma total negação à posse de terra pelos seus actuais proprietários.
     É neste enquadramento social que surge José Júlio da Costa, como intermediário entre as autoridades e os revoltosos do Vale de Santiago, uma freguesia do Concelho de Odemira.
     A população do Vale de Santiago no seguimento de uma Greve Geral Nacional, convocada pela U.O.N. (Central Sindical Anarquista), e motivada pelos “ventos quentes” vindos da Europa do Leste, pela revolução dos Sovietes na Rússia em Outubro de 1917, pegaram nas suas rudimentares alfaias de trabalho e ocuparam celeiros e propriedades, a reivindicar, basicamente produtos alimentares e trabalho para sustento das suas famílias.
     José Júlio da Costa serviu como intermediário na contenda, a pedido das autoridades, e convenceu os trabalhadores a renderem-se, com a promessa de que não seriam presos.
     As autoridades políticas e policiais faltaram à palavra dada a José Júlio da Costa, de que, se os revoltosos se rendessem, não seriam castigados, prendendo-os logo a seguir e deportando-os para África.
    
José Júlio da Costa, sentindo-se traído, jurou vingar os seus conterrâneos do Vale de Santiago, matando o ditador Sidónio Pais. Ainda o barco que levava os revoltosos para África, para onde tinham sido desterrados, pelos tribunais do regime, não tinha chegado ao destino e já Sidónio Pais jazia com dois tiros de pistola na estação do Rossio (Lisboa), disparados por José Júlio da Costa, que, assim, jurara vingar os seus conterrâneos do Vale de Santiago, que confiaram na sua palavra de que não seriam molestados caso se rendessem às autoridades

Carta de JOSÉ JÚLIO DA COSTA. Escrita dois dias antes do atentado, confessando o acto que se propunha fazer ao seu amigo Francisco Ernesto Goes, proprietário na Barquinha: 
(1ª folha)Lisboa, 12 de Dezembro de 1918 Meu caro amigo Ernesto Não avistei a pessoa que me preocupa, espero que o encontro será no dia 14, e oxalá possa eu prestar com o meu sacrifício o fim que tantas almas anceiam. Hoje falei com o Dr. Magalhães Lima, elle está muito doente receio muito pela sua vida que tão preciosa é a esta nossa tão amada terra. Não me foi possível falar-lhe no magno assunto, nem talvez tenha já tempo de o fazer. Deixá-lo depois que façam o que o seu sentimento patriótico lhes designar
(2ª folha) Não é tão fácil como me pareceu a minha Missão, mas com um pouco de arrojo posso consegui-lo. Levo do lado do meu coração o envolto na nossa bandeira a estrofe que te faço cópia. Mandei tirar fotografias grandes no Grandella, não tenho tempo
de te enviar uma por isso te recomendo que requisites depois alguma para ofereceres aos nossos camaradas de ideias. Não tenho ninguém compro- metido no meugesto, só eu! Abraça-te o teu amigo José Júlio da Costa

JOSÉ JÚLIO DA COSTA E A MAÇONARIA
     Na Vila de Garvão, diz-se que José Júlio da Costa matou Sidónio Pais a mando da Maçonaria e, que ao se escolher quem deveria realizar o acto, José Júlio da Costa fo iescolhido porque tirou a palha mais comprida, num sorteio através de palhas presas na mão de uma pessoa.
     Mas é improvável que, José Júlio da Costa, fizesse parte, ou tivesse morto Sidónio Pais a mando da Maçonaria.
    
Contudo, José Júlio da Costa, nutria uma grande simpatia pela Maçonaria e pelo seu Grão-Mestre, Sebastião de Magalhães Lima, tendo inclusivamente chegado à fala com ele e escrito-lhe uma carta sem mencionar o magno assunto a que se propusera fazer, carta esta encontrada nos bolsos do Grão-Mestre quando foi preso.
     De facto o Grão-Mestre da Maçonaria, depois da morte de Sidónio Pais, passou um mau bocado, tendo sido preso e agredido no Governo Civil nessa mesma noite da morte da Sidónio Pais, sob a suspeita de ele ou a sua organização, terem instigado o atentado.
     A suspeita da implicação da Maçonaria, na Morte de Sidónio Pais foi na altura, largamente alardeada pelos círculos Sidonistas da capital, como a explicação mais lógica para o atentado.
     Esta pista, seguida por certos jornalistas e investigadores, mostrou-se fútil e sem qualquer fundamento digna de crédito, tendo contudo a semente germinado no ideário popular.
     Um dos motivos apontados, pelos defensores desta tese, é o facto de Sidónio Pais ter sido Mação, e a Maçonaria não perdoar aos seus antigos membros que se mostrem renegados ou que abandonem a organização, criando assim o mito que Sidónio Pais teria sido morto por outro Mação que seria José Júlio da Costa.
     Outro motivo, apontado, que levaria a concluir a cumplicidade da Maçonaria na morte de Sidónio Pais, era o conhecido apoio dado pela Maçonaria à República e aos republicanos que Sidónio Pais vinha traindo e prendendo, tendo inclusivamente a sede do “Grande Oriente Lusitano Unido” (Loja Maçónica Portuguesa, vulgarmente conhecida por Maçonaria), sido invadida e saqueada oito dias antes do atentado, devido, precisamente, a outro atentado à vida de Sidónio Pais que saiu malogrado.

MAÇONARIA OU CARBONÁRIA?
     A Maçonaria era/é uma organização secreta, elitista e urbana, de que muito dificilmente José Júlio da Costa faria parte. Quando muito, e no caso de José Júlio da Costa fazer parte de alguma associação secreta, devido ao seu empenhamento político, teria sido a Carbonária, esta sim um movimento mais rural e com forte implantação nas províncias.

IN: Malveiro, Jose P. GARVÃO Herança Histórica. Beja, 2003, Gráfica amdbeja.

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publicado por José Pereira Malveiro às 19:08

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